Adão de Souza
Ribeiro
Nada mais atiça o imaginário do que o mundo
palaciano. Na vida intramuros, o ar transpira e respira luxo e prazer. Os
jardins, corredores e todas as divisões internas, com suas decorações
suntuosas, parecem cenários de filmes hollywoodianos. Todo aquele encantamento
está longe do alcance dos olhos dos mortais, ou melhor, das plebes e dos
bajuladores. Dá-se a impressão que lá se vive outra realidade, onde a
felicidade conspira a favor do que é bom e belo.
Festas regadas a muito luxo, com desfiles de
moda; bebidas importadas; pratos sofisticados, que a pobreza nem sabe
pronunciar o nome; danças até altas horas da madrugada; conversas inteligíveis,
em meio às músicas acima dos decibéis permitidos e altas gargalhadas, sem um
pingo de classe. Onde imperam o dinheiro e o poder, tudo é permitido. Naquele
mundo surreal, nada é pecado e nada é ilícito. O único cuidado que se deve ter
é com a imprensa e os paparazzi. Os tabloides marrons, não perdoam os deslizes
da realeza.
Nas salas secretas, onde se traçavam os
destinos da Monarquia, as reuniões entre os mandatários do poder (Rei ou Rainha),
eram realizadas a sete chaves. Os serviçais, escolhidos a dedo, atendiam as
gulas de Vossa Majestade. O Conselheiro da Corte, não arredava o pé dali e, por
isso, detinha informações privilegiadas sobre as entranhas do Reino. Sabia de
cor e salteado de todas as nuances do poder. Os membros da nobreza caminhavam
com desenvoltura entre o luxo e as traições daqueles que se locupletavam de
títulos honoríficos.
A vida dos ricos também tem suas dualidades.
Ninguém é feliz por inteiro e, muito menos, para a eternidade. De repente, o
destino prega uma peça em quem acredita ser imortal. O cadafalso e a guilhotina
são sempre um fantasma a rondar os sombrios corredores palacianos. As surpresas
inesperadas tornam o mundo mais belo e mostram a fragilidade do futuro. Mas de
nada importa, para os que se deleitam com as luxurias do paraíso palaciano, nem
mesmo a morte.
Os olhos que se vislumbravam com aquela
imagem inebriante do Palácio Caiçara, não percebiam que ali, também, existiam
lugares horripilantes, que mais pareciam filmes de terror. Embora estivessem ao
alcance da realidade, todos procuravam ignorar. Os moradores e serviçais podiam
até negar a existência de outro mundo intramuros, mas estava ali, expondo suas
vísceras. A vida é bela, mas nem sempre a beleza impera.
E foi assim, andando com desenvoltura pelas
plagas palacianas, que se descobriu que lá também existiam os porões.
Construídos há centenas de anos e de forma bem discreta, eis aí a razão pela
qual, poucos sabiam das suas existências. Vias de regras, dentro de porões, são
guardadas todo tipo de sucata. Coisas em desuso, tais como, móveis
ultrapassados, ferramentas abandonadas pela tecnologia; quadros empoeirados e
envelhecidos; baús lacrados pela história remota; documentos de somenos
importância; objetos que embora imprestáveis para o momento, imagina-se de
serventia no futuro e por aí se vai. Porão reporta-se a desprezo e renúncia
daquilo que já foi útil.
Não por acaso, que os administradores do Palácio
mantinham o lugar equidistante dos olhos e da curiosidade dos moradores e
frequentadores. Sabe-se que lá também existem as masmorras, mas isso é outra
história a ser contada depois. Desde a infância, temos gravados na memória, que
o porão é um ambiente sem luminosidade e ventilação. Um lugar sombrio. A
umidade constante torna-o um ambiente de cheiro insuportável e prejudicial à
saúde. É um espaço, que não desperta muita curiosidade das pessoas, mas, sim,
desejo de distanciamento.
Por ali, transitam morcegos, ratos, baratas,
cupins, escorpiões, fungos, aranhas, percevejos, taturanas, cobras, lacraias, formigas,
lagartas, enfim, uma constelação de bichos peçonhentos, cujos nomes, fogem da
memória. Enquanto os moradores, serviçais, asseclas e bajuladores, festejam no
palácio, também, ali no porão, outra população faz as suas festas particulares.
Lá em cima, tudo é regado com as mais sofisticadas comidas e bebidas, enquanto
que na parte de baixo, nos porões, são regadas com as sobras e, na maioria das
vezes, com o que a ingratidão que a peçonhenta natureza oferece.
Já os estudiosos da mente e do comportamento humano,
isto é, os psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos, cientistas,
tarólogos, musicólogos e todos os “ólogos de plantão”, comparam o porão, como se
fosse uma casa, dividido em consciente, pré-consciente e inconsciente. Lá nos
porões do comportamento humano, segundo eles – os ólogos -, são guardados ou
escondidos àquilo que não poder ser do conhecimento de qualquer pessoa. No
mundo real, longe da filosofia, também acontece o mesmo, pois lá estão as espúrias
da sociedade.
Pois bem, voltemos aos porões do Palácio. Com
a queda da Rainha incompetente e insana, muito dos que habitavam ou
frequentavam os corredores e compartimentos suntuosos da Corte tiveram que
abdicarem das luxurias do poder. Abdicar não significa fugir ou abandonar, mas,
sim, distanciar mesmo que temporariamente daquilo que dava tanta felicidade e
prazer. As sanguessugas da Corte são parasitas que não sobrevivem longe do
sangue de seus bajulados. São traidores natos, pois está no sangue, está no
DNA.
Durante os sete anos de vacas magras, ficam
escondidos nos porões do esquecimento e de lá só saem, durante a madrugada,
quando a luz da verdade não se faz presente. Só deixam aquele mundo macabro,
com o escopo de sondarem como está o ambiente monárquico e retornam com
brevidade, para não serem notados. Naqueles forçados períodos de retiro,
revoltados por terem sido expurgados da convivência humana, reúnem-se e
arquitetam ataques traiçoeiros contra aqueles que os acolheram em datas não
muito distantes. Eles, os bichos peçonhentos, colocam suas ventas para fora e
infectam as pessoas do bem, com seus venenos letais (difamação, calúnia,
injuria e denúncias caluniosas), a fim de desestabilizarem o Reino e
descompensarem o psicológico das pessoas. Denigrem as pessoas, sem um pingo de
remorso.
Lá nos porões, de onde nunca mais deveriam sair
estão o Primeiro Ministro; o diretor do Serviço Secreto; o Ajudante de Ordem,
os Ministros da Fazenda e Justiça, o Conselheiro do Reino, o comandante da
Guarda Real e, ainda, diversos membros do Parlamento (Câmara dos Lordes e
Câmara dos Comuns). Não se pode esquecer, que lá também estão confinados os
asseclas e uma corja de bajuladores do antigo Reino. É preciso reforçar as
entradas dos porões com pesados ferrolhos e cadeados, a fim de que uma multidão
de vermes nocivos à sociedade, não voltem a contaminar as pessoas de bem.
Enquanto o Rei Fabrício deleita dos prazeres
do poder e se embriaga com o titulo do qual foi investido pelo povo, quando se
sentou no trono e colocou sobre sua cabeça a coroa da responsabilidade, os
traidores continuam arquitetando a sua derrota. Fazendo uso da tecnologia
virtual, através de tabloides e de blogs, travestem-se de amigos ou salvadores
da Pátria. Atacam sorrateiramente Vossa Majestade Real e tentam desmoralizar
aqueles súditos fiéis, que expõem as farsas por eles criadas.
Ainda bem que, nas plagas do Palácio Real,
existem os porões, os quais, a princípio, foram construídos para guardarem
objetos que já foram úteis ou que, num futuro não muito distante, poderiam
voltar a ter serventia. Mas, por ironia do destino, acabou escondendo e
abrigando as escórias da sociedade. Se antes, os porões suscitavam a imagem de
medo e terror; hoje, despertam o sentimento de utilidade e respeito.
Os porões do Palácio não são histórias, são
reais.
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