domingo, 26 de abril de 2020

OS PORÕES DO PALÁCIO REAL

Adão de Souza Ribeiro

                        Nada mais atiça o imaginário do que o mundo palaciano. Na vida intramuros, o ar transpira e respira luxo e prazer. Os jardins, corredores e todas as divisões internas, com suas decorações suntuosas, parecem cenários de filmes hollywoodianos. Todo aquele encantamento está longe do alcance dos olhos dos mortais, ou melhor, das plebes e dos bajuladores. Dá-se a impressão que lá se vive outra realidade, onde a felicidade conspira a favor do que é bom e belo.
                        Festas regadas a muito luxo, com desfiles de moda; bebidas importadas; pratos sofisticados, que a pobreza nem sabe pronunciar o nome; danças até altas horas da madrugada; conversas inteligíveis, em meio às músicas acima dos decibéis permitidos e altas gargalhadas, sem um pingo de classe. Onde imperam o dinheiro e o poder, tudo é permitido. Naquele mundo surreal, nada é pecado e nada é ilícito. O único cuidado que se deve ter é com a imprensa e os paparazzi. Os tabloides marrons, não perdoam os deslizes da realeza.
                        Nas salas secretas, onde se traçavam os destinos da Monarquia, as reuniões entre os mandatários do poder (Rei ou Rainha), eram realizadas a sete chaves. Os serviçais, escolhidos a dedo, atendiam as gulas de Vossa Majestade. O Conselheiro da Corte, não arredava o pé dali e, por isso, detinha informações privilegiadas sobre as entranhas do Reino. Sabia de cor e salteado de todas as nuances do poder. Os membros da nobreza caminhavam com desenvoltura entre o luxo e as traições daqueles que se locupletavam de títulos honoríficos.
                        A vida dos ricos também tem suas dualidades. Ninguém é feliz por inteiro e, muito menos, para a eternidade. De repente, o destino prega uma peça em quem acredita ser imortal. O cadafalso e a guilhotina são sempre um fantasma a rondar os sombrios corredores palacianos. As surpresas inesperadas tornam o mundo mais belo e mostram a fragilidade do futuro. Mas de nada importa, para os que se deleitam com as luxurias do paraíso palaciano, nem mesmo a morte.
                        Os olhos que se vislumbravam com aquela imagem inebriante do Palácio Caiçara, não percebiam que ali, também, existiam lugares horripilantes, que mais pareciam filmes de terror. Embora estivessem ao alcance da realidade, todos procuravam ignorar. Os moradores e serviçais podiam até negar a existência de outro mundo intramuros, mas estava ali, expondo suas vísceras. A vida é bela, mas nem sempre a beleza impera.
                        E foi assim, andando com desenvoltura pelas plagas palacianas, que se descobriu que lá também existiam os porões. Construídos há centenas de anos e de forma bem discreta, eis aí a razão pela qual, poucos sabiam das suas existências. Vias de regras, dentro de porões, são guardadas todo tipo de sucata. Coisas em desuso, tais como, móveis ultrapassados, ferramentas abandonadas pela tecnologia; quadros empoeirados e envelhecidos; baús lacrados pela história remota; documentos de somenos importância; objetos que embora imprestáveis para o momento, imagina-se de serventia no futuro e por aí se vai. Porão reporta-se a desprezo e renúncia daquilo que já foi útil.
                        Não por acaso, que os administradores do Palácio mantinham o lugar equidistante dos olhos e da curiosidade dos moradores e frequentadores. Sabe-se que lá também existem as masmorras, mas isso é outra história a ser contada depois. Desde a infância, temos gravados na memória, que o porão é um ambiente sem luminosidade e ventilação. Um lugar sombrio. A umidade constante torna-o um ambiente de cheiro insuportável e prejudicial à saúde. É um espaço, que não desperta muita curiosidade das pessoas, mas, sim, desejo de distanciamento.
                        Por ali, transitam morcegos, ratos, baratas, cupins, escorpiões, fungos, aranhas, percevejos, taturanas, cobras, lacraias, formigas, lagartas, enfim, uma constelação de bichos peçonhentos, cujos nomes, fogem da memória. Enquanto os moradores, serviçais, asseclas e bajuladores, festejam no palácio, também, ali no porão, outra população faz as suas festas particulares. Lá em cima, tudo é regado com as mais sofisticadas comidas e bebidas, enquanto que na parte de baixo, nos porões, são regadas com as sobras e, na maioria das vezes, com o que a ingratidão que a peçonhenta natureza oferece.
                        Já os estudiosos da mente e do comportamento humano, isto é, os psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos, cientistas, tarólogos, musicólogos e todos os “ólogos de plantão”, comparam o porão, como se fosse uma casa, dividido em consciente, pré-consciente e inconsciente. Lá nos porões do comportamento humano, segundo eles – os ólogos -, são guardados ou escondidos àquilo que não poder ser do conhecimento de qualquer pessoa. No mundo real, longe da filosofia, também acontece o mesmo, pois lá estão as espúrias da sociedade.
                        Pois bem, voltemos aos porões do Palácio. Com a queda da Rainha incompetente e insana, muito dos que habitavam ou frequentavam os corredores e compartimentos suntuosos da Corte tiveram que abdicarem das luxurias do poder. Abdicar não significa fugir ou abandonar, mas, sim, distanciar mesmo que temporariamente daquilo que dava tanta felicidade e prazer. As sanguessugas da Corte são parasitas que não sobrevivem longe do sangue de seus bajulados. São traidores natos, pois está no sangue, está no DNA.
                        Durante os sete anos de vacas magras, ficam escondidos nos porões do esquecimento e de lá só saem, durante a madrugada, quando a luz da verdade não se faz presente. Só deixam aquele mundo macabro, com o escopo de sondarem como está o ambiente monárquico e retornam com brevidade, para não serem notados. Naqueles forçados períodos de retiro, revoltados por terem sido expurgados da convivência humana, reúnem-se e arquitetam ataques traiçoeiros contra aqueles que os acolheram em datas não muito distantes. Eles, os bichos peçonhentos, colocam suas ventas para fora e infectam as pessoas do bem, com seus venenos letais (difamação, calúnia, injuria e denúncias caluniosas), a fim de desestabilizarem o Reino e descompensarem o psicológico das pessoas. Denigrem as pessoas, sem um pingo de remorso. 
                        Lá nos porões, de onde nunca mais deveriam sair estão o Primeiro Ministro; o diretor do Serviço Secreto; o Ajudante de Ordem, os Ministros da Fazenda e Justiça, o Conselheiro do Reino, o comandante da Guarda Real e, ainda, diversos membros do Parlamento (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns). Não se pode esquecer, que lá também estão confinados os asseclas e uma corja de bajuladores do antigo Reino. É preciso reforçar as entradas dos porões com pesados ferrolhos e cadeados, a fim de que uma multidão de vermes nocivos à sociedade, não voltem a contaminar as pessoas de bem.
                        Enquanto o Rei Fabrício deleita dos prazeres do poder e se embriaga com o titulo do qual foi investido pelo povo, quando se sentou no trono e colocou sobre sua cabeça a coroa da responsabilidade, os traidores continuam arquitetando a sua derrota. Fazendo uso da tecnologia virtual, através de tabloides e de blogs, travestem-se de amigos ou salvadores da Pátria. Atacam sorrateiramente Vossa Majestade Real e tentam desmoralizar aqueles súditos fiéis, que expõem as farsas por eles criadas.
                        Ainda bem que, nas plagas do Palácio Real, existem os porões, os quais, a princípio, foram construídos para guardarem objetos que já foram úteis ou que, num futuro não muito distante, poderiam voltar a ter serventia. Mas, por ironia do destino, acabou escondendo e abrigando as escórias da sociedade. Se antes, os porões suscitavam a imagem de medo e terror; hoje, despertam o sentimento de utilidade e respeito.
                        Os porões do Palácio não são histórias, são reais.

Peruíbe SP, 26 de abril de 2020.

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