Adão de Souza
Ribeiro
Todo domingo, dia mais preguiçoso da
semana, os homens se reuniam no “Bar do Menino”, esquina da Rua Duque de Caxias com a Rua Ruy Barbosa. Ali tomavam cachaça e
proseavam. Eles riam, sem compromisso com o tempo e, enquanto isso, lá no labor
da casa, dona patroa dava milho para a criação no terreiro e preparava um
suculento almoço.
Alheias a tudo aquilo, a molecada corria,
para lá e para cá, sem camisa e descalça pelas ruas, numa brincadeira infantil
e sem maldade. Na gaiola, o canarinho prisioneiro cantava tanto, até cair do
poleiro. Na lagoa, os peixes dançavam a coreografia da liberdade, esquivando-se
dos anzóis do pescador Hermenegildo.
Mas no “Bar do Menino”, o papo era regado com
muita moda de viola. Germano, na sanfona; Dizão, na viola; Dodói, no
violão; Facão, no violino; Lair, na gaiata e Felinto, no pandeiro. Já no
vocal, os cantadores, dentre eles, o Jorgão (Arrothéia), fossem em dupla ou não, se alternavam.
Q grupo executava todo ritmo sertanejo, ou
seja, canção rancheira, catira, polca, guarânia, arrasta pé, sapateado e valsa. A beleza na letra
da moda sertaneja, estava no fato de retratar a natureza, a dureza do sertanejo, a destreza do peão, a vida pacata do
sertão, os amores platônicos, as tragédias campesinas, os heróis caipiras, as
lições de vida do caboclo e a candura simples da caipirinha da roça.
Os cantadores da Terrinha, tiravam do fundo
do baú, as modas cantadas por Tonico & Tinoco; Liu & Léu; Zilo &
Zalo; Cacique & Pagé; Pedro Bento & Zé da Estrada; Tião Carreiro &
Pardinho; Pena Branca & Xavantino; Belmonte & Amarai; Cascatinha & Inhana; Milionário & José
Rico; Mato Grosso & Mathias; Zé Fortuna & Pitangueira; Zé do Rancho
& Mariazinha; João Mineiro & Marciano; Duduca & Dalvan; Alvarenga &
Ranchinho; Tibagi & Miltinho; Peão Carreiro & Zé Paulo; Chico Rey & Paraná; Lourenço & Lourival; Trio Parada Dura ... só para recordar, pois a lista é longa.
Dói no coração, só de lembrar que a mídia
manipuladora e castradora, criou um tal de “Sertanejo Universitário”, enfeitado
de instrumentos musicais modernos, para disfarçar a péssima voz, onde a molecada ainda usando fralda, só cantam
música com temas eróticos ou com duplo sentido. As letras são verdadeiros lixos
e os ritmos são para atrair a massa. A letra e o som, ferem meus ouvidos.
Essa mídia selvagem valoriza em demasia, os
enlatados estrangeiros, em especial, a música americana. Também, os ritmos
nascidos nos guetos, na terra do Tio Sam. A maior rede de televisão aberta
brasileira, que é o quintal da casa deles, massifica nosso povo, fazendo acreditar que
aquilo é o melhor.
Mas deixa eu voltar à minha Terrinha. Nos
outros bares, tinham prosa e cachaça; mas ali, no aconchegante “Bar do Menino”,
além de haver tudo aquilo, era regado com muita nostalgia. A cantoria transcorria
o dia inteiro e seguia noite adentro. Eu, ainda criança, embriagava-me com o
som, a letra e o talento do grupo. O pessoal, tinha uma infinidade de fãs.
Hoje, ao lembrar das tardes domingueiras e
musicais da minha cidade natal, onde tudo reportava a vida pacata, as lágrimas
de saudade brotam, como que querendo ressuscitar o que não volta mais. Eu sofro
em demasia, por ser eterno saudosista. Mas, ao mesmo tempo, não me recrimino
por ter este comportamento. Ao prosear com os conterrâneos pré-históricos, eles
compartilham da minha tristeza, em ver a música sertaneja raiz em decadência.
“Veja o progresso aonde foi. Antes o boi puxava
o carro. Hoje o carro puxa o boi.”, da música O progresso brasileiro,
de Pedro Bento & Zé da Estrada.
Creio que o êxodo rural tem sua parcela de
culpa, senão vejamos. Com a vinda dos roceiros (sertanejos) para a cidade, foi
sepultada na memória os costumes e as lendas do povo simples lá da roça. “Oh
que saudades que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida,
que os anos não trazem mais.” – Poema Meus oito anos, de Casemiro de
Abreu. Portanto, as gerações futuras não têm histórias para contar. Vejo que
aos poucos, o país vai perdendo a verdadeira identidade.
Há se eu pudesse juntar todos aqueles
cantadores do “Bar do Menino” e reouvir aquelas melodias nostálgicas, as quais,
ainda ecoam nas minhas saudosas lembranças de criança! Entre uma cachaça e
outra, os momentos ficavam mais alegres. Triste lembrar que até a Terrinha
emudeceu, depois que os músicos “enfiaram a viola no saco” e partiram, para
aonde eu não sei.
Senhor meu Deus, tenha piedade das nossas
tradições que, um dia, vieram a perecer!
Peruíbe SP, 13 de
novembro de 2023.