sábado, 23 de janeiro de 2016


O POETA E O DIVÃ

                                   Sempre andei pelas veredas dos sonhos, das fantasias e de um mundo transcendental. Tenho para mim, que sofro menos e que não fico à mercê de uma realidade violenta e conturbada. A imaginação me leva para universos, dantes navegados. Crio e recrio momentos inesquecíveis. Relaciono-me com pessoas só do meu agrado e expurgo os indesejáveis.

                                   Foi pesando assim, que pela primeira vez, ainda na tenra infância, atrevi-me a rabiscar um poema trôpego. Um menino, um papel e um lápis. Assim nascia um menino solitário, um viajante sem destino, um pensador sem rumo e sonhador. Pela estrada longínqua da vida, caminhei sem medo e sem preconceito. Em razão dessa persistência em busca do belo e da paz, conheci lugares insondáveis. Ganhei adeptos e amigos sinceros.

                                   As pessoas próximas de mim, não compreendiam esse meu jeito de ser, uma pessoa desligada do presente. Sempre gostei do passado e do futuro. Uma coisa que sempre me preocupou, foi a transitoriedade da vida. Não consigo compreender, porque ela é tão breve.  A vida bucólica do campo e os momentos de introversão, fazem muito bem para o meu coração e para a minha alma. Ali recomponho as minhas energias mentais e espirituais.

                                   Mas, como a felicidade, nem sempre é servida na bandeja, fui arremessado para a realidade cruel da vida. Ainda na juventude, deixei minha terra natal e o lar de meus pais, para ser lançado na arena dos leões famintos e devoradores. Aprendi às duras penas, defender o pão nosso de cada dia. A pessoa que sou hoje, foi forjada na bigorna da vida e, em seguida, colocado na moldura, de quem não se desvia do caminho traçado, ainda no ventre sagrado de minha mãe.

                                  Nessas idas e vindas, pelos caminhos silenciosos de uma guerra fria e inescrupulosa, com o corpo já arcado pelo tempo e com a esperança fragilizada, acabei buscando alento no divã de uma psicanalista. Não havia outro caminho a percorrer. Ali derramei minhas lágrimas, frustrações, esperanças, questionamentos, medos, decepções e outras tantas coisas, adquiridas na vida moderna.

                                   Enquanto eu pronunciava palavras e frases desconexas, ela fitava atentamente meus olhos e observava com carinho a movimentação do meu corpo. Sem que eu percebesse, fazia uma leitura analítica de mim e do meu pensamento conturbado. De vez em quando, de um jeito muito dócil, intercalava a minha fala, com frases de conforto e de estímulo. Procurava, através dos seus conhecimentos técnicos e da sua experiência humana, elevar minha autoestima.

                                   E assim, aos poucos, fui mudando o meu foco de visão, diante das coisas que me cercam. Novos horizontes foram se abrindo à minha frente e, por isso, os caminhos se demonstravam menos tortuosos e íngremes. Notei que o rio da minha vida, retomava seu curso normal. Os sonhos e as fantasias, despertados ainda na tenra idade, começavam a fluir com naturalidade. Notei que respirava a liberdade e algo que, há muito tempo, estava sufocado dentro de mim. Descobri que tinha o direito de viver e de mostrar ao mundo meus valores interiores.

                                   Ali, no divã da psicanalista, deixei para trás todas as minhas frustações, questionamentos e medos e me reencontrei. Entendi que nasci com a obrigação de ser feliz. Creio que o poeta e o divã tem algo em comum, isto é, a busca incansável da paz interior e da compreensão da vida.  
 

                                                                                  Peruíbe SP, 24 de novembro de 2015