domingo, 30 de maio de 2021

A SANTA CACHAÇA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Não julgueis, para não serdes julgados” – Mateus 7:1-5

                        Não quero ser herege, diante do que passo a narrar. Mas, a meu ver, o que tem ser dito, merece que seja bendito. Sempre tive por princípio, falar a verdade do que sinto e penso. Ser sincero é a melhor forma de deixar a marca registrada por onde a pessoa passa. Não gosto de subterfúgios ou meias palavras, pois isso me causa asco. Se em algum momento, eu exceder nas minhas parcas conjecturas, corrija-me.

                        O Papa Francisco, nome escolhido pelo arcebispo argentino Jorge Mário Bergoglio, 85 anos, ao ser coroado 266º Sumo Pontífice da Igreja Católica em Roma, disse ao padre brasileiro Carlos Henrique Alves Resende, num encontro informal, no Pateo San Damasco, após rogar orações: “Santo padre, reze por nós brasileiros.”, ao que supremo chefe católico sorrindo, respondeu: “Vocês não tem salvação. É muita cachaça e pouca oração”.

                        Será que Vossa Santidade nunca deu uma beiçada num copo de *Fernet, na tenra juventude, acompanhado de amigos, num bar em Buenos Aires, enquanto assistia a uma partida entre o time de San Lorenzo e Boca Juniors? Claro, isso antes de descobrir sua verdadeira vocação para o celibato! Pecado não é o que entra pela boca, mas o que sai dela. Isto é bíblico. Creio que o primeiro Papa latino, sabe bem disso. De minha parte, se não resistiu à tentação da carne, está perdoado..

                        Na infância, o menino Mário Jorge Bergoglio, jogava nos times de várzea de Buenos Aires, depois da saída das aulas. Por não ter habilidade com a bola, era chamado de “Pata Dura”, por isso, sempre fora escalado para jogar no gol. Vê-se, portanto, que ele tem tudo para ser brasileiro. Daqui a pouco, falará das nossas mulheres: “É muita mulher e pouca oração.” Então só falta gostar da nossa purinha. Que a Santa Sé, não saiba disso. O Jorge Mario Bergoglio agora é santo.

                        Não é redundância afirmar que, nós brasileiros, somos a maior nação católica do mundo, com 64,6% dos habitantes, segundo censo do IBGE, de 2010.  Fico cá, pensando com meus botões: “Se não temos salvação, de que adiantou a vinda dos jesuítas, durante a colonização. E, ainda, a construção monumental da Basílica de Nossa Senhora Aparecida?”. Parece que tudo isso foi em vão, só porque temos um carinho enorme pela cachaça.

                        Lembro com carinho, que meu avô paterno, tinha como ritual sagrado, todos os dias antes de jantar, tomar uma dose da branquinha (cachaça). Segundo ele, era para abrir o apetite. E, diga-se de passagem, comia mais que uma lima nova. Para mim, creio que aquele ritual sacrossanto, era para afugentar o estrese do dia-a-dia. Pergunto: “Onde ele estava pecando?” Cada um dos brasileiros tem um motivo para beber, ou seja, espantar as mágoas, esquecer-se das dívidas, diminuir a dor da traição e por ai se vai...

                        A bebida genuinamente nacional, agora respeitada, está sendo exportada para o mundo inteiro. Convido Vossa Santidade para visitar um engenho artesanal, onde a nossa “purinha” é fabricada. Não tenho dúvidas que ele irá se apaixonar, isso a primeira vista. Terá que ir sem estar paramentado, para não se comprometer, claro! Ela é chamada de “água benta” e, diante da visita dele, será conhecida como “santa cachaça”, que livra de todos os pecados.

                        A criatividade deste povo destemido deu a ela vários nomes, ou seja, branca, pura, mé, marvada. Num vocabulário próprio, foi batizada de Amansa Sogra, Chora no Pau, Balança Bicha, Atrás do Saco, Rabo de Galo, Amansa Corno, Queima Rosca, Pau do Índio, numa lista interminável, a gosto do freguês. Na minha cidade, interiorana por natureza, o que não falta é boteco, cachaça e freguês. Que Jorge Mário Bergoglio, o Santo Papa, não passe por lá. Se isso acontecer, estarão todos excomungados.

                        Um dia desses, antes do Papa Francisco fazer desastrado comentário, estava eu e o  Noca – velho amigo de infância, desde o grupo primário -, lá no “Bar do Anami”, conversando e relembrando os tempos de outrora, quando de repente ele disse: “Vamos tomar uma cagibrina (cachaça)?”, ao que eu, mais que depressa respondi:  Bora lá”.

                        Noca então pediu ao dono do boteco: “Aname, põe duas doses caprichadas da Santa Cachaça.

                        Nós bebemos várias doses, junto com tira-gosto (petisco). Que pecado tem?

 

Peruíbe SP, 30 de maio de 2021.

 

    

P.S:  * Fernet – criado em 1845, em Milão, na Itália, por Bernardino Branca. Usa álcool e cerca de 40 ervas maceradas.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

DIA DE DOMINGO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Todos os dias são iguais, menos o domingo. Nas grandes metrópoles não se diferencia, em razão do corre-corre cotidiano, mas na minha terra natal, encravada no interior e bem no centro do Estado, é muito diferente. Até o vento que balança a roseira e os bambuzais, não tem nada que se compara. Sinto uma leveza, só de lembrar e uma saudade imensa no coração.

                        Pela manhã, enquanto a lua vai descansar no horizonte, depois de uma noite tétrica e enfadonha, os pássaros desfilam no céu com seus gorjeios ritmados. Tenho o privilégio de ouvir a canção da cachoeira que, com suas águas cristalinas, correm pelas veias do córrego, circundando o povoado, rumo á floresta lá bem distante. A cidade ainda dorme o sono dos anjos, com suas janelas fechadas e sonolentas, espiando as ruas descalças e sem pressa.

                        Aqui e acolá, um cheiro de café, está sendo coado na “mariquinha” e acho que é Sinhazinha preparando o desjejum para a família, que ainda não acordou. Uma carroça, tracionada por um cavalo obediente, carregada de litros de leite, ordenhados das vacas no sítio, conduzida pelo Seu Hermininho, vão sendo depositados na porta das casas, num ritual sacrossanto de todos os dias.

                        Quando todos já estão despertos e já degustaram o café com pão, comprado no “Bar do Toshio”, lá se vão para os prazeres do final de semana, que só acontece aos domingos e, como já disse, um dia diferente dos demais. As beatas vão ajudar o padre na igreja, onde as famílias assistem o longo e cansativo sermão. Três abnegados conterrâneos reúnem a molecada e vão para o campo de futebol, que fica atrás da Delegacia de Polícia, ensinar a arte de serem atletas.

                        O conterrâneo da oficina, com seus amigos de outras plagas, ajunta sua traia de caça e com os cães perdigueiros, vão se embrenhar no mato, em busca de codorna, para o churrasco da noite. Tem os que vão pescar tilápias, nas lagoas da redondeza. Não posso me esquecer daqueles que, enquanto as esposas preparam uma suculenta macarronada ou um almoço especial, rumam aos botecos a fim de beber cachaça e cantarolar músicas sertanejas, ao som choroso de uma viola caipira.

                        Já as crianças, descompromissadas da rotina escolar, correm para lá e cá, assim como eu, inventando brincadeiras infantis. De vez em quando, um moleque se machuca e chorando corre para casa, onde a mãe – eterna protetora-, passa mastruz, quando se trata de luxação ou merthiolate, quando rala a pele, com pequenas escoriações. Aí o choro é dobrado e, por isso, esquece-se da dor do tombo.

                        No jardim da Praça Matriz, os casais enamorados trocam carícias e sonham num sonho acordado. Do outro lado da rua, debruçada na janela indiscreta, a dona Severina Fifi espia a cena, recarregando seu repertório de mexeriqueira.  Uma verdadeira sentinela da vida alheia e das coisas que não lhe diz respeito. Para a língua do povo, não tem domingo e nem feriado. A exceção é só para os fofoqueiros, onde todos os dias são iguais... não tem descanso. 

                        Depois do almoço domingueiro, fartos de tanto comerem, com a pança cheia e parecendo porcas de engorda, as pessoas se esparrama na varanda. Dormem e roncam feito Ford 29. Para mim, parecem a Quinta Sinfonia de Beethoven, porém, com uma Orquestra toda desafinada.

                        Já com a cachola cheia de bebida, outros contam histórias e piadas, cujos os espectadores riem até perder o folego, sem nada entenderem. Tem aqueles que vomitam o excesso do almoço e afirmam descaradamente que a culpa é da linguiça estragada e nunca da maldita pinga. E é por isso, que teimo em dizer que o dia de domingo é diferente dos demais.                     

                        Com advento da televisão em preto e branco, juntamos os amigos mais chegados e vamos para a casa daquele que tem o aparelho mágico. Certo que existem poucos na cidade e só os mais abastados tem esse privilégio. Ali passamos a tarde toda, assistindo desenho animado ou filme de faroeste. Os heróis continuam vivos na memória, pois, para nós que somos infantes, eles são de verdade. Nós viajamos naquelas fantasias, pois na segunda-feira, a realidade bate a porta e começa tudo de novo.

                        Domingo tem cheiro de família reunida e de macarronada da mama. Domingo tem o som do sino matinal, chamando para a santa missa. Domingo tem algo especial, que os outros dias não tem.

                        Ao cair da tarde, badala o sino da igreja, anunciando a hora da “Ave Maria” e fecham-se as cortinas; recolhemos os nossos sonhos e vamos dormir o sono dos anjos. Afinal de contas, somos crianças e, por isso, temos a liberdade de navegar pelos encantos de um “Dia de Domingo”.

                        Lá do fundo da saudade, vem a cantilena popular: “Hoje é domingo/Pé de cachimbo/O cachimbo é de barro/Bate no jarro/O jarro é de ouro/Bate no touro/O touro é valente/Machuca a gente/A gente é fraco/Cai no buraco/O buraco é fundo/Cabou-se o mundo”.

 

Peruíbe SP, 28 de maio de 2021.

domingo, 23 de maio de 2021

SINA DO ROMÂNTICO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Quantas vezes, eu gritei o teu nome.

Quantas noites perdidas em branco,

Essa tristeza que tanto me consome

Por que ser assim um ser romântico?

 

Quantos gritos, eu até perdi a conta.

De gritar a voz ficou calada e rouca.

Teu nome é segredo e não se conta.

Só digo que a saudade não é pouca.

 

Quantas poesias já foram escritas,

Com tinta escorrida do meu peito

Cada verso, algo que não explica.

Apenas amor e merece respeito.

 

E quantas frases serão rabiscadas,

Quantas vezes gritarei sem razão?

O coração sozinho pelas calçadas,

Triste clamando por sua atenção.  

 

Peruíbe SP, 23 de maio de 2021.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

GRITOS AO VENTO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Eu gritei teu nome em silencio

Bem alto para ninguém ouvir.

Se a voz viesse ecoar ao vento

Quem saberia que era para ti?

 

Mas o meu coração sem juízo

Que não sabe guardar segredo

Diz a todo mundo que preciso

Desse doce sabor do teu beijo.

 

Se o grito deste peito é mudo,

Nada acalenta antiga saudade

E para te esquecer, fiz de tudo.

A testemunha é a velha cidade.

 

Se tal grito é surdo e sem voz,

Os olhos falam e a alma sente.

Da dor horrenda não sofro só,

Por aí, dela padece tanta gente.

 

Vento que carrega lembrança

Guardada na alegre memória.

Conta para menina de trança

Que este poeta sofre e chora.

 

Peruíbe SP, 21 de maio de 2021.

 

sábado, 15 de maio de 2021

DÚVIDAS

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Por que esse amor desvairado,

Esse desejo assim e sem limite?

Por não esquecer velho passado

Será que cometi terrível delito?

 

Por que eu não apago da mente,

Jeito de andar e olhar angelical?

Esse sofrer de menininho carente

Ao meu coração já faz tanto mal.

 

Por que me seduziste manhosa,

Esse jeito puro como nada quer?

Vem para mim e deixa de prosa,

Eu quero te amar e fazer mulher.

 

Por que vieste morar neste peito,

Um lugar simples, mui acolhedor?

Neste sonhar lindo, eu me deleito.

Aconchego no teu corpo em flor.

 

Peruíbe SP, 15 de maio de 2021.

           

domingo, 9 de maio de 2021

O GUERREIRO

 

Adão de Souza Ribeiro

Se quero, de nada desisto.

Porque isso não se faz jus.

E foi que fez Jesus Cristo,

Postado e diante da cruz.

 

Lutar é minha bandeira,

Fugir de desafio, jamais.

Não digam essa asneira,

Feliz tal como pardais.

 

Frente todas as procelas

É certo que não intimida

São escadas para janelas

Donde eu admiro a vida.

 

Fui o guerreiro soldado

E no tal cavalo de Tróia,

Montado venci passado

Chegar aqui foi a glória.

 

Espada não teme guerra

Se ela enfrenta a espada.

História não se encerra,

Porque o morrer é nada.

 

Peruíbe SP, 09 de maio de 2021.

 

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

SÓ NÓS

 

Adão de Souza Ribeiro

Entre mil prazeres, os gemidos.

Se é pecado, apenas um a mais.

E leves sussurros aos ouvidos.

Bem longe vozes mudas: amai.

 

Amor na busca de mais espaço

E teu corpo ardendo em brasa.

Gestos de carinho num abraço,

Ao sonho, ó meu amor, dê asa.

 

Não tenha pudor, no corpo nu.

Dentro de ti, mora uma pureza.

Nos olhos resplandecem a luz.

Sinta o meu coração princesa.

 

O cheiro do suor na entranha.

Sem querer, envolto sedução,

Sabe conquistar tem a manha.

Só assim que se perde a razão.

 

Agora, nada mais me importa.

De tanta felicidade, dá um nó.

Fecha o mundo e tranca porta

Neste delírio de prazer, só nós!  

Peruíbe SP, 05 de maio de 2021.

sábado, 1 de maio de 2021

O CAMPANÁRIO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        A cidade acordou em pânico e toda chorosa. Uma respeitada munícipe e rezadora de carteirinha acendeu o alerta ao povo pacato: “Por onde anda o velho sino da igreja matriz?” Isso bastou para tirar a paz do lugarejo. De boca em boca, a notícia se espalhou como erva daninha. Quando chegou aos ouvidos de Josué, escriba oficial e responsável pela segurança da terra, onde nada de grave acontecia, a não ser furtos de galinha caipira, a coisa começou a ganhar corpo.

                        De pronto e por dever de ofício, Josué determinou minuciosa investigação, sobre autoria do desaparecimento e paradeiro da relíquia. Para auxiliá-lo naquele labor, solicitou apoio da Polícia Federal, FBI (Estados Unidos), Scotland Yard (Inglaterra), KGB (Rússia), Grenzschugruppe (Alemanha), Sureté Nationale (França), Cuerpo Nacional de Policia (Espanha), Keisatsu-chô (Japão).

                        Se estivesse fugido, o autor iria parar na lista negra da Interpol. Não demorou muito e imprensa internacional estava ali, feito urubu na carniça. A Santa Sé foi comunicada e o Sumo Pontífice pediu providência ao pároco local, sob a pena de perda da batina. E, para ele, perder a batina, seria um sacrilégio.

                        A torre de madeira, ao lado da capela, onde ficava suspenso o sino, estando carcomida pelo tempo impiedoso, por questão de segurança, fora demolida. As pessoas distraídas, não se recordavam quando e quem pôs a torre abaixo. Tempos distantes, as santas imagens foram guardadas pelas beatas sacramentadas, em suas casas, depois que um padre comunista e mulherengo, mudou o ritual litúrgico e as excomungou (imagens). Não fora o mesmo destino dado ao sino, um símbolo da humilde fé cristã?

                        Certo é que cravou na memória dos católicos fervorosos, o som melodioso do sino, o qual, todo final de tarde, anunciava a hora da “Ave Maria”. Também religiosamente aos domingos, chamava a população para a missa matinal. Não há como esquecer que ele, de mãos dadas com o alto-falante, estático lá no cume da igreja, anunciava pesarosamente a partida de algum conterrâneo e ente querido para o plano celestial, isto é, “foi descansar no sono eterno”.

                        Quando as pessoas fitavam o lugar, onde jaz o campanário, reviviam cenas da molecada vinda em bando do Grupo Escolar “José Belmiro Rocha” e ao passarem por ele, dependuravam na corda. Para eles, aquilo era pura diversão. O som fora de hora, ecoava pelos quatro cantos da cidade e deixava o vigário italiano octogenário fora de si, rodando a baiana, ou melhor, a batina.

                        Lá da Casa Paroquial, aos berros, dizia: “Porca pipa, Dio mio. Vá lá Mundico – o sacristão - escorraçar aquelas pragas de moleques”. Tinha até foto do “Mané do Açougue”, escalando a legendária torre de madeira, cena digna de ser exposta em museu. As vigas eram de madeira rústica, não tratada contra a corrosão da natureza. Um ponto turístico, que deveria ter sido explorado com carinho.

                        O Alcaide decretou ser de utilidade pública e patrimônio cultural “post mortem” (após morte), ou melhor, “post exitum” (após sumiço). Também, determinou uma varredura a cada centímetro, em todos os quintais e casas, devendo comunicá-lo sobre o encontro do sino e identificação do larápio/herege. Aparelhos rastreadores e cães farejadores, ajudavam nas buscas incansáveis, sob o comando do detetive Faro-Fino, um expert no assunto.

                        As emissoras de televisão, de hora em hora, transmitiam imagens da Praça Matriz. Camelôs, pipoqueiros, retratistas, repentistas, escritores de cordel, jornaleiros instalaram-se ali. Um turco montou uma lojinha de armarinho, bem na esquina da praça. Os oportunistas de plantão não perdoavam e não perdiam tempo, mas a tristeza era imensa.

                        Será que os gatunos derreteram e venderam para comprar cachaça no “Bar do Iwai”, como fizeram com outra relíquia, a “Jules Rimet?” Será que transportaram numa carroça ou no lombo de um burro? A peça era grande e pesada demais, para uma pessoa sozinha levar nas costas e, assim, seria facilmente percebido.

                        A demora em perceber a falta, fez com que o crime não deixasse rastro e doía só de pensar naquilo, caso tenha sido derretido. Nem mesmo o busto dos desbravadores e fundadores orientais do lugarejo, ao lado do campanário, que diuturnamente cuidavam do sino, impediram o sumiço misterioso do mesmo.

                        O sino uniu a fé, pois todas as igrejas, independente do dogma religioso, uniram-se a procura do sino. Procissões e vigílias aconteciam toda hora. Em todos os postes e muros, haviam cartazes fixados, com os dizeres: “Procura-se o sino de bronze. Recompensa: Cem mil réis e uma missa dominical.” Pensaram até numa réplica, sendo a ideia descartada, pois não teria o mesmo valor histórico.

                        Por que demoraram tanto, para sentirem falta do sino? Vai-se o tempo e somem as provas. As lembranças e as fotos não substituem o badalar cadenciado a repicar no bronze. Era poético ver Mundico – ajudante de ordem do vigário -, um menino mirrado, puxando a corda, que até o levitava, dando vida aquele instrumento tão importante do vilarejo.

                        Hoje a igreja chora triste e o alto-falante emudece com o sumiço do velho sino de bronze. Os “de cujus” partem sem os rituais de respeito e pesares. A Praça Matriz sem o campanário, com o velho sino de bronze pendurado nele, é apenas uma praça e nada mais. E aos cristãos de outrora, só restaram saudades. Dim... Dem... Dom...

                        Se por um milagre do destino, for localizado o velho sino de bronze, com notícias no “New York Times”, a história continua...

Peruíbe SP, 30 de abril de 2021.