Adão de Souza
Ribeiro
Assim começa um dos mais belos contos de
fada, já vivido e escrito na terra natal. Afinal de contas, ali era um celeiro
de fatos reais e pitorescos, que não me canso de narrar aos quatro cantos do
mundo. Com isso, espero imortalizar aquele pedaço de terra no meu coração.
Naquele tempo, não havia rodovia e o tráfego
era feito em estrada de chão batido, que conduzia as cidades circunvizinhas. O
trajeto passava por sítios e fazendas, contendo além do areão, vários
obstáculos, tais como, buracos, curvas a acentuadas e subidas intermináveis,
bem como, travessia de boiada. No verão, uma poeira infernal; na época chuvosa,
lamas quase que intransponíveis.
O ponto de ônibus improvisado localizava-se
na Rui Duque de Caxias, quase esquina da Rui Barbosa, entre um açougue e uma
loja de móveis. Ali era o ponto da história de Romeu e Julieta do meu sertão.
As cenas vividas pelo casal de enamorados era um quadro lindo de se ver.
O varão conduzia um dos ônibus de passageiros,
já há muito tempo e, portanto, conhecido de todos. A consorte, por sua vez,
vinda de família tradicional e uma das mais belas da terra natal, gozava da
admiração de todos, inclusive de mim, este pobre mortal.
Entre o embarque e desembarque, o ônibus permanecia
parado ali, por um longo tempo. Era neste espaço, entre a chegada e a partida, que
os pombinhos trocavam carícias e juras de amor. Também faziam planos para o
futuro, isto é, o lar, a família e os filhos, frutos do relacionamento lindo e
invejado por todos.
O que chamava atenção, era o fato de que
todos os dias ela estava ali e, além dos carinhos, levava quitutes feitos pelas
suas mãos delicadas, a fim de agradar o escolhido. As cenas românticas
vestiam-se de uma compostura rigorosa, isto é, sem as depravações de hoje. Quem
teve o privilégio de viver essa época, não esquecerá jamais.
De repente, hora de partir. O motor ligado, os
passageiros acomodados. A jardineira
lentamente colocava-se em movimento. A maior riqueza parada no ponto e ele pelo
retrovisor via o amor da sua vida, acenando com a mão. Ela ali tristonha, não
arredava o pé, enquanto não visse a jardineira sumir no grotão, seguida por um
enorme jato de poeira. Em alguns momentos, via-se apenas a areia.
Sentado no banco ao lado motorista, viajava a
saudade e ele pesaroso, visualizava a imagem linda da amada. A paisagem
bucólica dos sítios e fazendas, vista da janela com o ônibus em movimento, dava
um ar melancólico, naquela viagem interminável. No toca-fitas, músicas que realçavam
aquela paixão intensa e o amor verdadeiro. Vontade em dar meia volta e cair nos
braços dela, mas tinha uma missão a predestinada, levar os passageiros aos seus
destinos. Quantas vezes ela quis estar entre os passageiros, mas a realidade
aconselhava a não embarcar no ônibus da ilusão, pois tinha uma realidade a ser
cumprida e ponto.
Ela voltava para casa tão cabisbaixa e com a doce
lembrança do amado. A partir dali, contava os minutos até o regresso dele. A
cidade simplória e parada no tempo, não observava o que se passava diante dos
olhos, isto é, as cenas de amor eterno. Embora eu, de longe e de forma
discreta, olhava aquilo com admiração, por ser criança, de nada entendia sobre
os mistérios do coração.
Aos quinze anos, deixei a terra natal. Não
sei se aquele romance foi coroado com o enlace matrimonial. Mas toda vez que me
deparo com uma jardineira, penso que dentro dela, viaja um casal de pombinhos,
com destino a felicidade.
Passados os anos e hoje, já adulto,
compreendo que o amor não se explica, mas, sim, se vive. Quantas vezes, eu já
embarquei na jardineira da ilusão, com destino ao coração da amada. Quantas
vezes, eu já fiquei no ponto esperando ela voltar, sem ter certeza de que
viria. Busquei nos livros, receitas e teorias sobre o amor, mas foi tudo em
vão.
Dizia Marcus Vinicius de Mello Moraes – o Poetinha:
“Amar
se aprende amando”.
Peruíbe SP, 05
de agosto de 2021.