sexta-feira, 31 de julho de 2020

ENCONTRO MARCADO

Adão de Souza Ribeiro

 

Marquei encontro comigo

Para falar do que importa.

Conversar com o umbigo

Não ficar detrás da porta.

 

Fazer o balanço das lutas

De coisas que eu não fiz.

Pois essa vida é tão curta

O tempo vai por um triz.

 

Preciso rever conceitos,

Guardados numa gaveta

Libertar o ódio do peito,

Antes que vida se perca.

 

O encontro programado

Vou rasgar as picuinhas.

Reviver o lindo passado

Lá na minha cidadezinha.

 

A vida é como um cavalo,

Toda repleta de surpresa.

No coice de um intervalo

Rouba do sonho a beleza.

 

Do encontro colho fruto,

Para minha posteridade.

Hei de ser filho impoluto

Despido de toda vaidade.

 

Velhos amigos vou reunir

E brindar a nossa história

Fazer da amizade o elixir

Que cura algo transitório.

 

O encontro com meu eu

Ele será de todo secreto

Deus verá se tudo valeu

Dirá se eu conto o resto.

 

Peruíbe SP, 31 de julho de 2020.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

AS TRES MARIAS


Adão de Souza Ribeiro

 

Três Marias daquele lugar.

Mais irmãs do que amigas,

Tinham muito do que falar

De coisa das nossas vidas.

 

Da Saudade, Dores e Paz,

Nome daquelas mulheres.

Tanta lembrança nos traz

De almas belas e púberes.

  

Ao verem as ruas e casas

Do povo assim sonhador

Elas cuidavam com asas,

Como o jardineiro à flor.

  

Marias mulheres zelosas,

Viram o seu mundo ruir.

E nas noites tenebrosas,

Não mais viu o povo ali.

  

Mulheres fortes e belas,

Nunca se verá como tal

E elas viveram em eras

De um paraíso surreal.

  

Onde Maria da Saudade,

Foi parar aquela alegria.

Que dava vida à cidade

E hoje é só melancolia!

  

Diz-me Maria das Dores

Por que dói meu peito?

Perdeu brilho das flores.

Reviver ainda tem jeito?

  

Se sonhar Maria da Paz,

Faz-me voltar no tempo.

Cidade dorme tanto faz,

Fico com ela ao relento.

  

Peruíbe SP, 30 de julho de 2020.


segunda-feira, 27 de julho de 2020

DESEJO DE MESTIÇA

Adão de Souza Ribeiro


Vem, dá-me o forte abraço,
No meu coração tão vazio.
Corpo preencha o espaço,
Da sua amada, fera no cio.


Possua-me de todo jeito
Sem medo e sem pudor.
Toca em mim faça amor
No silêncio do meu leito.


Vem, provoca e me atiça
Diz que sou mulher bela.
Com o desejo de mestiça
Que vai domar esta fera.


Vem assim, sem rodeio.
Faz de mim o que quiser
Devora-te todo este seio
Desta sua louca mulher.


Acordar na madrugada,
Tudo ardendo em chama
Como a fera já domada,
Na calma da nossa cama.

Diz que não tenho juízo,
E quero que me domina
Pois é disso que preciso
Ser tua, esta minha sina.


Lins SP, 27 de julho de 2020.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

MORTE DO MATADOURO

MORTE DO MATADOURO


Adão de Souza Ribeiro


Num tempo lá detrás,
A vida era um encanto
Tudo era alegria e paz
Choro ficava de canto.


O matadouro um lugar
De encontro marcado.
Não para ir lá brincar,
Mas ver matar o gado.


Do curral, via lá do alto
O boi de porte altaneiro.
Sonho findar num salto,
No golpe frio e certeiro.


Por ser ainda a criança,
Que a vida não entendia.
A natureza em vingança,
Mataria o prédio um dia


Dá um forte suadouro,
E meu coração acelera
Chora pelo matadouro
O tesouro de outra era.


Guaimbê SP, 23 de julho de 2020.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

SERTANEJANDO

Adão de Souza Ribeiro

                    Todo fim de tarde, eu tinha por devoção, ficar sentado no mourão da porteira. Ali passava horas e horas, sem pressa de voltar para o casebre, onde se abrigava a família. Perdido em pensamentos, contemplava a natureza, numa idolatria sem limites, como se enamorar a pureza das coisas, fosse um pecado tremendo. Idolatrar o belo é admirar a si mesmo. Não estava nem ai para o que pensavam ou falavam de mim. Desde os primórdios da minha vida, gostava de ficar sozinho, longe dos problemas do cotidiano.

                    Quem caminhava pela estrada, via-me sentado e calado. Não entendia o que se passava comigo, mas eu, sim. Feito um estrangeiro, buscava dentro da alma, os caminhos da sabedoria e do entendimento para aquilo que entendia estranho e incompreensível. Não era à toa que, dirigindo-se a mim mesmo, pronunciava perguntas estranhas, na ânsia de obter respostas plausíveis. Assim foi a vida, assim foi o tempo e assim foi minha infância.

                    A estrada sem início e sem fim fascinava-me. Por quais mundos, ela viajara e quais mazelas colocaram à mostra? Não se prendia apenas ao mourão de porteira ou à cerca, que limitava os seus sonhos e fantasias. A estrada de chão batido e empoeirada pelos tempos de luta, soubera desafiar o desconhecido e vencer o inimaginável. Por caminhos tortuosos, ela seguiu o seu destino e cumpriu a missão de encurtar os dois pontos do universo. Fascinava-me, contemplar a estrada sem início e sem fim.

                    A revoada dos pássaros migrantes, a procura de clima propício e comida farta. As árvores frondosas, num bailar sedutor, convidando-me para tocá-las. A canção cristalina das águas da fonte, falando-me de amor e de liberdade. O cantar estridente e repetitivo de um pássaro no pé de ipê. Um calango esperto, escondendo por entre a moita de braquiária, querendo brincar de esconde-esconde. Um casal de preá, fazendo amor com muito frenesi, sem medo e sem pudor. O sol preguiçoso, procurando um canto para se amoitar. A chaminé lá de casa com sua fumaça, avisando que o jantar já estava pronto, em cima do fogão a lenha. E eu sentado ali, ao pé do mourão da porteira.

                    Lá longe, onde os olhos já não mais podiam divisar, os animais pastavam o que a terra lhes oferecia. Ao mesmo tempo, embora eu não pudesse ver, imaginava que numa cadência musical, os animais abanavam suas caldas, para espantarem as moscas inoportunas. É certo que em seus lombos, pássaros passeavam e se alimentavam de insetos, pois é assim que a natureza se comporta. Uma vez ou outra, alguém passava pela estrada, onde me cumprimentava com aceno ou não. Saboreava uma fruta madura, colhida do pé da goiabeira. Eis a razão pela qual, não tinha pressa de voltar para o casebre, tamanha era a contemplação do simples e do belo.

                    Numa daquelas tardes de introspecção, fui presenteado com uma cena bucólica e hoje, saudosista. Lá longe, naquela estrada de chão batido e empoeirada, comecei ouvir um som melancólico e compassado, o que atiçou a curiosidade. Ainda pela distância, não dava para arriscar uma opinião do que se tratava. Porém, à medida que se aproximava, pude ver que era uma carroça, tracionada por uma parelha de bois, presos por uma canga, conhecida por "Carro-de-Boi".

                    Aquela canção chorosa do cocão, lastimando o peso da carga sobre a mesa e presa pelos fueiros, dava conotação de melancolia. Os bois emparelhados e de cabeça baixa, com suas cangas presas ao cabeçalho, numa marcha lenta e compassada, puxava toda produção da fazenda. À frente, estava o carreiro, que com seu chocalho, conduzia o destino daquela daquela cena tão linda. Os bois, embora grandes e fortes, eram submissos às ordens do carreiro. Graças à força e a obediência da parelha, a cantareira e o chumaço, num romance sem fim, entoava a canção chorosa de que falo. Era embriagante ouvir o aboiar do carreiro.

                    Lá no casebre, o cheiro da comida caseira e do feijão tropeiro e, aqui fora, o cheiro dos bois suados, cumprindo a missão de transportar a carga do destino a que foram confiados. A cidade grande pode ter de tudo, mas falta-lhe a beleza que só o sertão tem. Ninguém, em sã consciência, há de roubar de mim, a imagem eternecida em minha memória, daquele carro de boi, passando pela estrada longínqua e deserta, de chão batido. As coisas do sertão, moram dentro de mim e, por isso, fazem parte da minha vida.

                    Todo fim de tarde, eu tinha por devoção, ficar sentado no mourão da porteira. Tal ato, virou uma rotina e um desejo sacrossanto. Sabia que num futuro não muito distante, a vida me convidaria a tomar novos rumos e que tudo aquilo, seria apenas um quadro amarelado e pendurado na parede do passado. Até hoje, o choro cadenciado do carro de boi, percorre as estradas pesarosas do meu coração saudosista.

                    Não demorou muito, para que o carro de boi emparelhasse com a porteira. Ali encostado no mourão e mascando um raminho da beira da estrada, rezei pela saúde do carreiro e dos bois. Num diálogo silencioso com Deus, eu disse: "Senhor proteja a vida deles. Que eles sigam em paz, a fim de cumprirem a missão que lhes foram confiada".

                    Enquanto eles passavam pela estrada longínqua e de terra batida, rumo ao desconhecido, eu fiquei ali sentado ao pé do mourão da porteira, SERTANEJANDO.

Guaimbê SP, 22 de julho de 2020.

domingo, 12 de julho de 2020

TUA NUDEZ

Adão de Souza Ribeiro


Ela caminha nua ali pela casa,
Mostrando as belezas da vida
Aquela cena tanto me agrada
Que embriaga a minha vista.


Eu feito homem esfomeado,
Quero pedaço da sua nudez.
Ela calma e olhando de lado,
Diz: “Espera chegar sua vez”.


Eu sei que ela não tem nome
Ela cuida da casa, da panela.
A fome que já me consome,
Quer devorar o coração dela.


O seio feito taça, ali me fita.
Seu sexo ardendo em brasa,
Por meu corpo clama e grita
Apaga esse fogo, me abraça.


Teu ventre branco se alegra
 Faz feliz o sonho da gente.
Ali na casa não existe regra
Ela: “Quero de ti, semente.”


A mulher nua e sem pudor,
Ao colher sua fruta de mim.
Partiu com a nudez em flor
E despiu um amor sem fim.


Peruíbe SP, 12 de julho de 2020.

sábado, 11 de julho de 2020

CARMA, MINHA CARMINHA!

Adão de Souza Ribeiro


Carminha chega toda emburrada,
Com motivo, não tenho certeza.
Presa em si e não deve ser nada,
Nem tomou seu gole de cerveja.


Bendito seja, o que há com ela?
Passos largos e o olho lacrimeja.
Lá no leito jardim de primavera,
Eu sei acalmar a minha princesa.


Ela assim, como toda mulher.
Tem seu momento rompante.
Sei muito bem o que ela quer,
Pois a conheço de tresantonte.


E fizemos amor, tanto frenesi.
De loucura, perdemos a linha.
Depois daquela bela noite ali,
Não vi braveza em Carminha.


Peruíbe SP, 11 de julho de 2020.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

VELHA CASA


Adão de Souza Ribeiro


A casa de parede cansada,
Já bem velha, sem reboco.
Inerte na beira da estrada,
Fica escorada no barroco.


A janela aberta ao antigo
A telha moldada no barro,
Faz do relento um abrigo
Acha a velhice um sarro.


Porta alerta em sentinela.
Vigiando vida que passa.
Sem maldade e tramela,
Desafia a sorte madrasta.


Já envelhecido pelo tempo,
Tijolo sem a força esfarela
A chaminé sopra ao vento
O passado sem churumela.


Casa que se refere o poeta,
Mora calada dentro de mim
Uma coisa pode estar certa,
 O alicerce é forte até o fim.


Peruíbe SP, 10 de julho de 2020.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

PRESENTE DE DEUS!


Adão de Souza Ribeiro


Deus, com grande amor divino,
Pergunta ao jovem enfadonho:
Diga-me com alma de menino,
Pois qual é o teu maior sonho?


O menino triste e cabisbaixo,
Responde e sem pestanejar:
Antes do sonho rolar abaixo,
Uma linda mulher para amar.


Vendo no menino alma pura,
De tristeza chorar num canto.
A fêmea de linda formosura,
Deu-lhe colo, secou o pranto.


Os olhos, uma estrela d’alva,
O corpo, mansidão da fonte.
Mas no beijo busca a calma,
Deste desejo tão estonteante.


E a mulher, deusa sem pudor,
Fez do dele, o homem vivido.
E Deus em seu infinito amor,
Foi em paz, dever cumprido.


Peruíbe SP, 09 de julho de 2020

terça-feira, 7 de julho de 2020

O DILEMA DE MARIA


Adão de Souza Ribeiro


A Maria disse amar José,
De um jeito tão ofegante.
Mas o filho dela não quer,
Pois o José mora distante.


Ela passou sua vida presa,
No mundo de submissão.
O amor ao fazer surpresa,
Seu fedelho, diz que não.


Maria chora assim quieta
No canto triste lá da casa,
Corre mulher com pressa
Pois a felicidade tem asa.


Mas um dia, o filho parte,
Em uma revoada distante.
Faça do prazer a bela arte,
Nos braços do teu amante.


Mulher vá sonhar em paz,
No leito de quem te ama.
O que te dizem tanto faz,
Não apague esta chama!


Peruíbe SP, 07 de julho de 2020.

domingo, 5 de julho de 2020

VELHA LUTA


Adão de Souza Ribeiro


Vou sair por aí sozinho,
Recolher os meus cacos
E se nada pelo caminho,
Achar eu volto ao barco.


Preciso juntar o pedaço,
Perdido por todo jardim
Para que a cada abraço,
Veja-me dentro de mim.


Preciso refazer a tempo
Antes que tudo se perca
Não perecer ao relento,
Em uma noite tão besta.


Se voltar de mão vazia,
Pois se nada recolheu.
Espero despertar o dia,
E lutar pelo que é meu.


Peruíbe SP, 06 de julho de 2020.