Adão de Souza
Ribeiro
É certo que, na ensandecida corrida pela
fecundação, dentre um bilhão e meio de espermatozoides, fui o primeiro e único a
chegar ao pódio. Foi uma verdadeira maratona até eu tocar ao óvulo. Milhares de
concorrentes, já exaustos e depois de lutarem contra células, as quais se
defendiam dos invasores, morreram pelo caminho. Após penetrar no óvulo,
criou-se uma barreira e ninguém mais entrou, a não ser eu. Já protegido e
confortado, desencadeou uma interminável metamorfose e comecei a ganhar forma.
Foi uma corrida maluca. Haja fôlego, Meu Deus!
Portanto, foi assim que minha vida começou,
sem nenhuma benesse ou ajuda. Mordomia, nem pensar. Eu teria um irmão gêmeo, se
um deles tivesse acreditado em mim e segurado na minha mão. No entanto, sou
gêmeo apenas no signo. Lutei de unhas e dentes, desde o primeiro sinal de
ejaculação. Ninguém do meu lado e, assim, sozinho, eu percorri toda a caminhada
em busca da vitória. A vida é uma trajetória solitária até a chegada da morte. Pensando
bem, a morte também é um ato solitário. Contar com a sua capacidade intelectual
e física, ainda é o melhor caminho. Fui zigoto, embrião, feto e tudo mais,
menos covarde. Lutei e como lutei.
Naquela corrida desembestada, descobri que
trazia no gene, o gosto pelo dom de sonhar, de brigar pelo que me é de direito
e de tocar o inatingível. A herança que trago no sangue, fruto da união de meus
pais, são a honra, a dignidade, a honestidade, o trabalho lícito, o amor, a benevolência
e, acima de tudo, a fé e a contemplação do que é puro e belo. Quando dona
Joana, a lendária parteira, tomou-me em suas mãos, pela primeira vez, disse à
minha mãe, estando a genitora ainda frágil do parto: “Esse menino não nasceu para ser
belo, mas para brilhar. Por ter nascido além do seu tempo, será incompreendido
por uns e amado por outros”.
Às vezes, quando no peito, bate um desânimo incontrolável,
lembro-me da desgastante corrida pela fecundação. Se me foi dado à graça de
vencer, era para que pudesse cumprir uma missão divina. Não me foi dado beleza física
ou riqueza material e, muito menos, sinais de demência moral. Recebi a graça de
ser um pensador insaciável e de um questionador inveterado, que não quer dormir
no sono da ignorância. Não me rendo ao conforto oferecido pela cama das injustiças
sociais. Eu grito, esperneio, luto e aguento todas as chibatadas do tempo. Não
me curvo aos fortes ventos da natureza humana, que esconde o rosto diante das
verdades cotidianas.
Desde a infância, fui forjado na bigorna da teimosia
pela sobrevivência. Assim como o ferro na bigorna, quanto mais apanho, vou
ganhando forma de vencedor. Engana-se
quem acredita que vou entregar as armas, durante a sorrateira batalha de quem
não tem pudor. No instante da fecundação, eu disse a mim mesmo: “Vim,
vi e venci”. Esse tem sido o meu lema e jamais desviarei dele. Foi nas
carteiras do grupo escolar “José Belmiro Rocha”, que aprendi em silêncio, a
diferença entre o amor e o ódio, bem material e o bem moral. Não abro mão da
minha essência campesina em detrimento da voraz luta urbana.
As pessoas que subestimam a minha garra,
enganam-se loucamente. Se for para morrer durante uma batalha, morro atirando.
Meus pais me ensinaram que aos guerreiros, é dado o privilégio de sentarem á
mesa e de saborearem o prato da vitória. Aos covardes, cabe apenas o degredo do
esquecimento. Nas masmorras da história universal, estão trancafiados aqueles
que se locupletaram com as tragédias humanas. A ninguém é dado o direito de
tripudiar os pobres, os sonhadores e os puros de coração. Todos nós nascemos
com o sagrado dever de sermos felizes. Foi por isso, que ao longo da vida,
tenho lutado contra bilhões de problemas. Espero, mais uma vez, ser o primeiro
e o único a chegar ao pódio. Não quero esmagar ninguém, durante a interminável
maratona, mas apenas atingir o meu objetivo final: vencer!
Alguém pode até me encontrar caído ao longo
do caminho e achar que morri ou que desisti das lutas ensandecidas do cotidiano.
Em razão das maldades intrínsecas da alma humana, podem até se escarnecerem do
meu flagelo. Mas, jamais devem subestimar aquele espermatozoide que lutou de unhas
e dentes pela sua fecundação. Um velho guerreiro nunca se dará por vencido no
campo de batalha.
Sou como Fênix e, por isso, quando menos se
espera, ressurgirei das cinzas.
Peruíbe SP, 26
de julho de 2019.