Adão de Souza Ribeiro
Quem na cidade, não conhecia Jurema, podia-se
dizer que não sabia o que era uma beleza estonteante. Tudo nela exalava um
cheiro de admiração e pecado. O jeito glamoroso de andar, com seu requebro de
fazer homem dar com a cara no poste e de mulher casada se torcer de ciúmes, era
algo impressionante. Era Jurema por os pés na rua e o comércio parava em sinal
de respeito. Até o padre suava frio, por baixo da batina. Dizia ele: “Isso
é uma heresia, um convite à penitência”. Duzentos pais-nossos e trezentas
ave-marias, no mínimo.
Dizem
as más línguas, que por causa dela, muitos casamentos deram com o burro na água.
Contam que as puritanas e as beatas planejavam fazer uma passeata de protestos
contra Jurema. Não vingou, porque até o padre Joseph foi contra. Morena, dos cabelos
cacheados, seios fartos, pernas torneadas, cinturinha de pilão e glúteos
avantajados, dispensava elogios e atiçava a fantasias dos marmanjos do
lugarejo. Falavam-se glúteos e não bunda, porque para os arcaicos, aquilo era
uma afronta a moral e aos bons costumes. Mas que eles ficavam fascinados, isso ficava.
Desde
muito pequena, em razão dos dotes e predicados que possuía, foi que Jurema
recebeu carinhosamente o codinome de “Tanajura”. Lutou e chegou a fazer
promessa à Santa Luzia, para que os varões não a vissem apenas pelo tamanho dos
glúteos ou bundas (como preferirem), mas de nada adiantou. Tal adjetivo ficou
encravado na alma, ou melhor, no corpo daquela prenda. “Aceita que dói menos”,
aconselhou uma velha marafona e foi o que ela fez, com o passar do tempo. Não
demorou muito, para tornar-se referência daquela cidade interiorana.
Ao
frequentar eventos sociais, causava dor de cotovelo em algumas mulheres e
admiração em outras. Sabia vestir-se com elegância, sem ser vulgar. Nem
precisava, pois qualquer roupa lhe caia bem. Aquela parte protuberante do corpo
ora causava alegria e ora preocupação. Aos poucos, aprendeu tirar dividendos
daquilo. Tímida por natureza recusou o titulo de rainha do lugar. Tinha uma áurea
natural e nem precisa usar a bunda para brilhar. Quem brilha com a bunda é
vagalume.
Tudo
isso se passou na minha tenra infância. Não entendia o porquê de Jurema ser tão
cortejada pelos marmanjos e odiada pelas puritanas e beatas. O meu mundo era de
brincadeiras infantis. Observava nas meninas, o jeito gostoso de correr para lá
e para cá, assim como eu. Não sabia o que era desejo ou fantasia, por isso, eu não
sofria desses males, atinentes aos adultos. Um dia, com certeza, eu percorreria
os caminhos da sedução e do desejo e, com certeza, iria cair nas garras de uma
fêmea, tanajura ou não. Por isso, não queria sofrer por antecipação.
Como
sempre fui esfomeado pelo conhecimento, busquei saber o que era tanajura. Ao
folhear o “Aurélio”, descobri que se tratava de uma fêmea da formiga saúva,
sendo negra, gorda e voadora. Em tupi-guarani significa “formiga que se come”.
Os adeptos daquela iguaria, diziam que podiam ser consumidas ao natural ou com
farofa. Também, podiam ser torradas com água e sal, sendo consumidas com bebidas
fermentadas ou destiladas. “Cai, cai tanajura que é tempo de gordura”.
Para fazer baixar o voo, a meninada canta: “Caí, cai, tanajura, que o teu pai
tá na gordura”.
Pensar
que Jurema, a nossa tanajura do lugar, poderia ser comida, causava-me tristeza
e dó. Saber que, quando menos se esperasse, ela estaria sendo fritada e degustada
com uma dose de cerveja ou de cachaça, no bar do “seo” Shaolim, era de arranhar
a nossa amizade. Talvez, fosse por isso, que ela passava a maior parte do
tempo, trancafiada em casa, com medo dos predadores famintos de desejos e de
fantasias.
O
tempo passou... passou o tempo. Mas nunca saiu do meu pensamento, a imagem de Jurema,
a linda tanajura, desfilando garbosamente pelas ruas e praças da minha terra
natal. Era algo lindo de se ver e de admirar. De vez quando, nos meses de
dezembro a fevereiro, ainda olho para o céu, querendo ver a revoada de
tanajuras. E que sejam as mesmas da minha infância.
Pensava
cá com meus botões: “Um dia, quando eu me tornasse
adúltero, ou melhor, adulto ganharia uma linda e doce tanajura? Jura!”.
Peruíbe SP, 26 de maio
de 2019.