quarta-feira, 15 de maio de 2013

PAPAGAIO DE PIRATA

                               Desde a tenra idade, que Serguey tinha mania de grandeza. Demonstrava nos pequenos atos, que tudo ao seu redor, era descomunal. Ostentava uma posição social, a qual não correspondia a verdade. Na escola, procurava estar sempre ao lado, do diretor, do presidente da APM, dos filhos do homem mais rico da cidade. Era de poucos amigos, isso porque tinha nojo da ralé. A única coisa que não conseguia falsear a verdade, era sua cultura, pois todos percebiam que era pequena, embora esforçasse muito para sê-la grande.
                               Outra mania que tinha, era ser autoritário e, por isso, achava que todos tinham que estar aos seus pés. Os colegas de escola, de origem humilde, nutriam certo temor dele. Gostava de arrotar vantagem e valentia. O pai lavrador, a mãe lavadeira e a irmã mais velha, rampeira. Chegava sempre engomado à escola e o vinco da roupa, era fruto dos esforços e zelo da mãe. Tinha um jeito diferente dos demais, ou seja, o andar compassado, conduzia o corpo esguio e ereto. Pose de quem acha que está acima de tudo e de todos.
                               Tinha um sonho. Assim como toda criança da sua idade, tinha um sonho. Confessava na roda dos poucos amigos, que deseja ser militar, quando adulto. Em casa, colocava todos os soldadinhos de chumbo, perfilados. Imitando voz de general, dava instruções e ordens de ação em combate. Punia, sem piedade, os subalternos desobedientes. Era severo e parecia um ditador com seu exército imaginário. Adorava ser bajulado pelos seus comandados.
                               Fora do quartel de ilusões, gostava de se exibir. Adorava ficar na frente de uma máquina fotográfica ou filmadora. Em comemorações oficiais, lá estava ele ao lado do alcaide, do nobre edil, do magistrado, do delegado de policia, enfim, ao lado de quem tinha importância ou peso na sociedade. Para ele, ser visto ao lado de uma autoridade, era um troféu de valor imensurável. Tinha vergonha de sua origem humilde e, por isso, pouco falava sobre ela.
                               O tempo passou e o destino encarregou-se de transformá-lo num militar da policia secreta de seu país. Ambicioso, foi galgando postos, até chegar à patente de major. Assumiu o comando de uma unidade militar, na capital do Reino Calunga. Sacrificava os soldados para agradar o príncipe Berenzovisck, seu chefe supremo. Era um bajulador inveterado, um puxa-saco com divisa nos ombros e condecorações no peito. Posava de filantropo, virtude que jamais possuiu, isso desde a tenra idade.
             Corre um boato de que Serguey, um major da policia secreta do reino vizinho, anda rondando o palácio real, do Império Caiçara. Todo evento onde a rainha se faz presente ou sessões especiais na Câmara dos Comuns, lá está o oficial, pousando em fotos, como papagaio de pirata. Faz questão de exibir as divisas e as condecorações presas na sua farda. Ao que parece, sofre da "Sindrome de Narciso". Com essas atitudes, angariou antipatia entre seus comandados e repúdio da sociedade.
                               Dizem que ele quer um espaço no palácio real. Ao que parece, busca assumir um ministério e só aceita se for o Ministério da Defesa. Acredita que lá poderá defender todos os  interesses da corte e, acima de tudo, os seus interesses pessoais. Seus olhos não fitam o horizonte promissor do reino, mas sim, as profundezas da sua ganância pessoal. No Reino Caiçara encontrará uma terra fértil e farta, onde os asseclas de vossa Majestade se digladiam, numa luta feroz, por migalhas e interesses escusos.
                               Os piratas dos sete mares, comandados pelos três mosqueteiros, sitiaram o Reino Caiçara e tomaram de assalto o palácio. A rainha, embriagada pelo poder e muito apegada ao trono, não vê que estão cavando a sua derrocada. Não percebe que a conduzirão ao cadafalso da humilhação pública. Se não acordar do sono hipnotizante do poder, irá divagar solitária pelos corredores do abandono. Os asseclas são como ave de rapina: “Findo o alimento, bate em revoada”.
                               Até o papagaio, com sua plumagem encantadora e seu dom de falar asneiras, deixará o ombro confortável do pirata, que cego por tesouros imaginários, esqueceu das efemeridades da vida. O papagaio e o pirata naufragarão no mar solitário da vaidade. O castelo desmoronará sobre o trono da rainha embriagada pelo poder. E o major perecerá na batalha do esquecimento.
                               O papagaio, o pirata, o major e a rainha, não passarão de lenda.

Peruíbe SP, 14 de maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A LEI E A REALEZA

          Conta a lenda que, ainda na infância, a nossa rainha criava um porquinho de estimação. Os moradores e os frequentadores do palácio, achavam por demais estranho aquele hobby da princesa - quando criança, ostentava esse título. Mas ninguém criticava ou caçoava, pois temiam a raiva do Conde de São Bernardo, genitor dela. Embora estranho, era muito engraçado a forma como cuidava do bichinho.
          O nome carinhoso dado a ele, por sugestão do príncipe André, do Reino do Faz de Conta, era "Torresmo". Recebia todos os cuidados dos serviçais da corte e um carinho desmedido da rainha. Quando ela estava fora do reino, em representações internacionais, disponibilizava ao suíno, um aparato de mordomias, de causar inveja aos miseráveis que caminhavam pelas ruas da pobreza.  Volta e meia, o xodó do reino, aparecia nas manchetes dos tabloides e isso causava indignação à monarca.
         Um dia, de tanto amor, a rainha promulgou uma lei, aprovada pela Câmara dos Comuns, capitulando como crime maltratar e/ou abater, em qualquer parte do reino, a espécie Scrofa de Sus, nome cientifico do querido "Torresmo". Os primeiros insurgentes, famintos por carne suína, foram levados ao cadafalso e receberam o peso da guilhotina. Graças a Torresmo, o porco passou a ser considerado sagrado no Reino Caiçara, assim como a vaca, era na Índia.
          Em todas as províncias, os obedientes súditos de vossa majestade, embora sentissem saudades da feijoada, da bisteca, do torresmo, do chouriço, do sarapatel e outras tantas quinquilharias, obedeciam piamente a determinação real. Com passar do tempo, esculpia-se estátuas, pintava-se quadros, confeccionava-se suvenir com a imagem do porco. Torresmo tornou-se a estrela maior no reino.
          Nas comemorações oficiais, lá estava Torresmo desfilando garbosamente numa carruagem feita exclusivamente para ele. Dividia com a corte, as atenções de todos os súditos. As crianças, nutriam uma admiração e um respeito enorme pelo suíno mais famoso de todas as províncias. Não foi apenas o decreto real que tornou tão amado, mas o jeito dócil de  comportar e de relacionar com os humanos. Nos livros de história nacional, haviam um espaço reservado a ele, onde se descrevia sua vida desde o nascimento, recheado de fatos reais e de lendas.
          O tempo passou, a princesa cresceu e tornou-se rainha. Na mesma proporção, Torresmo saiu da infância, passou pela juventude e desembocou na fase adulta. As tradições e os costumes da corte, nada maduram e, também, em nada foi alterado o amor e o respeito por Torresmo. Nunca antes, na história daquele país, um animal foi tão amado e respeitado. Alguns asseclas do reino, tinham uma inveja imensa dele, mas não se manifestavam, com medo da ira da rainha.
          Certa feita, Torresmo fugiu por entre as muralhas, sem que se percebesse. Ao darem por falta do nobre suíno, houve um desespero geral. Ao entrar em pânico, a rainha determinou uma busca incansável, convocando uma força tarefa, visando a localização do nobre suíno, isto é, Vossa Alteza Real, o Torresmo. A policia-secreta, o exército, a guarda-real, bem como, os obedientes súditos do reino, não mediram esforços para repatriar o fugitivo. 
          A imprensa noticiava a todo instante, em edição extraordinária, os resultados das buscas e o estado de saúde de Vossa Majestade. Houve uma reação e uma comoção nacional, uma união de todos e uma corrente de oração. Quando da localização de Torresmo, depois de dias de buscas, a monarca decretou feriado nacional, para se comemorar o reencontro tão esperado.
          Mas um dia, durante uma festa tradicional, no salão de festas do palácio, fora servido à mesa, um assado de leitão. Todos os convivas deliciavam daquele banquete, regado a bebida importada e muito sorriso descontraído. A rainha, embora mantivesse a postura séria e introvertida, inerente ao cargo, rasgava nos dentes, sem muita cerimônia, aquela carne saborosa, temperada com as melhores especiarias vindas da India. Os mordomos e garçons, não deixavam o prato da rainha, vazio.
         Mas não perceberam que, dentre os convidados, estava Sir Antony Charles Hafud, representante internacional da UIPA - União Internacional Protetora dos Animais. Não tardou para que ele, de forma discreta, cobrasse dos serviçais, aquele afronta animal. Como pode a monarquia transgredir uma lei sancionada pela própria rainha? Por isso, fora convocado extraordinariamente pela monarca, para dar explicações, o Ministro do Meio Ambiente.
         Ainda ali na mesa, tentando livrar-se de uma corte internacional, num papel toalha, com redação de próprio punho, a rainha revogou a lei por ela decretada. O banquete seguiu seu curso normal, porém, custou a cabeça do Ministro de Meio Ambiente, o qual foi exonerado "ex-oficio". Para desgraça de Torresmo, deixou de ser a estrela-maior da corte. Perdeu todas as mordomias que lhe eram de direito, por culpa do mestre de cerimônias, que não alertou os acessores - puxa-sacos-, sobre a inconstitucionalidade da lei.
          Algo semelhante ocorreu num reino vizinho, onde, por um deslize da Ministra do Transporte, o carro oficial do Principe de Jangada, foi multado em razão de haver estacionado irregularmente em local não permitido. O principe revogou a lei, sugestionada pela Ministra e ela, recebeu como recompensa pela sua incompetência, a demissão de tão nobre cargo.
          Ao observar os factóides da corte, penso: "A lei, ora a lei!".
 
Peruibe SP, 04 de maio de 2013