sexta-feira, 30 de outubro de 2020

DIA CHUVOSO

 

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Vão-se os anos, a lembrança fica.

A vida muito simples lá da roça.

Quando de manhã a chuva fina,

Visitava-me na velha palhoça.

 

Sem preocupação e nem pressa,

Ouço mil pássaros em gorjeios.

Natureza alegre espia na fresta

O dia preguiçoso no pastoreio.

 

Cheiro do café no fogão a lenha,

Enquanto a chuva lá na cumeeira

Com gotas compassadas desenha,

Melodias numa viola cancioneira.

 

Vó cozendo um suculento pirão,

E eu moleque molengo, deitado.

Ela dizendo: ”Não levanta não”.  

“Menino pode pegar resfriado”.

 

Água escorrendo pela sua calha,

Levando com ela este meu pesar.

Lágrima do céu que nela espalha,

Saudade que não cessa de chorar.

 

Se eu num dia calmo e chuvoso

Aleatório rabisco algum verso

Porque recordar me faz moço

Tenho gosto pelo que é eterno.

 

Peruíbe SP, 30 de outubro de 2020.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

PHILADELPHO E FLORISBELA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

 

Quando Philadelpho conheceu Maria,

 A meiga e já sensual Maria Florisbela.

Ela ainda trazia o seu selo de garantia,

Era imaculada e ninguém tocara nela.

 

 

Ele, por sua vez, inocente e até capiau,

Não se declarava, temia ser humilhado.

Preferia guardar e sofrer daquele mau.

Não foi ser feliz, virou poeta: coitado!

 

 

A vida passou como tudo, um dia, passa.

Hoje, apenas uma flor perdida no jardim.

 Já Philadelpho, o sonhador, só vê graça. 

Nos versos capengas de ilusão sem fim!

 

 

Conta: História de devoção virou lenda,

Pois não há quem não apaixona e chora.

Romeu e Julieta fora na cidade pequena,

Queriam final feliz. E não viam a hora.

 

 

Maria Florisbela, a linda flor do arraial,

Por onde anda não se sabe, meu Deus!

Sabe-se apenas que o terrível vendaval,

Arrebatou-a de Philadelpho, escafedeu.

 

 

Aquele cenário não foi na idade média

Por isso é preciso que saibam o porquê

O enredo da comovente tragicomédia.

Foi nas longínquas terras de Guaimbê.

 

 

Peruíbe SP, 27 de outubro de 2020.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

TRIBUNAL DO DESEJO

 

Adão de Souza Ribeiro

               

 

E se amar o sexo, for pecado.

Como faz crer o falso profeta.

Eu quero ser logo crucificado,

No teu corpo em hora incerta.

 

 

Tribunal do Desejo, veredito.

Dará sem dúvida a absolvição

Pois de pequeno eu acredito,

A felicidade não é crime não.

 

 

Sem piedade, devorarei a maçã,

Símbolo daquilo que é proibido.

Mas quando acordar de manhã

De novo embriagar neste libido.

 

 

Digo que pecador serei sempre

É tão fraca a carne, isso eu sei,

E quem nega a luxúria, mente.

Disso não se livrou o nosso rei.

 

 

Nesta longa noite de via sacra,

Cumprindo erótica penitência

Na prisão do corpo, não basta.

Liberdade ao prazer, sentença.

 

 

No Éden,  Erotes- juiz tão justo

Não viu no sexo, coisa tão má.

Em ato nobre e gesto impoluto

Improcedente, expeça o alvará.

 

 

 Peruíbe SP, 26 de outubro de 2020.

  

 

 

sábado, 24 de outubro de 2020

COISAS DE PELE

 

Adão de Souza Ribeiro

 Sua boca na minha boca

E a voz rouca no ouvido.

Só uma noite será pouca,

Sei que tudo faz sentido.

 

 

O corpo trêmulo, suado.

O seu desejo quer o meu.

Silêncio paira no quarto,

Que química, meu Deus!

 

 

Corpo fragrância espalha,

São pétalas sobre a cama.

O leito é como a fornalha,

A atração arde em chama.

 

 

Teus seios em meia lua,

 Os olhos veem a graça.

E você assim toda nua,

Bebo prazer nesta taça.

 

 

Essa coisa louca de pele

Não tem cura, nem jeito.

Não fuja e nem espere.

Venha sonhar neste leito.

 

               

Aquele coração ofegante

Gemido tímido e discreto.

Falta fôlego num instante

Só depois, conto o resto!!!

 

Peruíbe SP, 24 de outubro de 2020.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

MISTÉRIOS DO AMOR

 Adão de Souza Ribeiro

 

No coração, dentro.

Lá, bem lá no fundo.

Arranja um mundo,

Sofrer, não aguento.

 

Pega assim no colo,

Faz um leve carinho.

Não me deixa sozinho

Peço-te e te imploro.

 

Quero ouvir sua voz.

Sei que não importa.

Pois atrás da porta,

Importa somos nós.

 

Se nosso amor envelhecer.

E logo perder o seu juízo.

Lembrar-me-ei do gemido

No grito louco de prazer.

 

 Então, não sei o porquê.

Pois não sou um eunuco,

E fico assim tão maluco,

Quando eu vejo você!!!

     

Peruíbe SP, 20 de outubro de 2020

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

DANÇA DAS BORBOLETAS

 

 Adão de Souza Ribeiro

 

 

No quintal da antiga casa.

De cores assim reluzentes,

Em suas danças atraentes

As borboletas batem asas.

 

 

Nas árvores, lá dos cumes,

Com lindas luzes de neon,

Piscam, sem perder o tom.

Um exército de vagalumes.

 

 

Já uma orquestra de grilos,

Com o ritmo bem afinado,

Cantam o hino do passado,

Sem titubear no estribilho.    

 

 

E o atrevido sapo martelo,

Segurando firme a batuta

Trava ali sua grande luta,

Para ser o exímio maestro.

 

 

Com violino e seus acordes

Vêm penetras pernilongos,

Fazendo-se de uns mongos,

Para melar festa tão nobre.

 

 

As indesejadas mariposas

Feitas mulheres vulgares,

Buscam encontrar lugares

Entre os espinhos e rosas.

 

 

Do céu soam as trombetas

Anjos, em nome de Deus,

Dizem: “ Oh, Filhos meus,

Deixai voar as borboletas”.

 

 

Peruíbe SP, 14 de outubro de 2020.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

O CORPO

 Adão de Souza Ribeiro

 

                        De repente tudo pára e a vida começa do zero. Agora sentado na cadeira do tempo, a mente pergunta: “Pra que tanta pressa... tanta correria?” O carro luxuoso, a roupa de grife, a festa pomposa, o lugar paradisíaco, a beleza humana estonteante, a conta bancária recheada, o amor de infância, a velha profissão e a autoridade, ficaram para trás. Agora só fica à expectativa, de por quanto tempo o corpo vai resistir às lambadas do sofrimento.

 

                        Tempos antes, ele (corpo) alertara que já estava saturado das minhas irresponsabilidades e dos flagelos a que era submetido. Por muitas vezes cochichara aos meus ouvidos; dizendo: “Não ingira tanta bebida alcoólica, não. Esta carne gordurosa faz mal. Vá dormir, porque tem que trabalhar cedo. Sexo é bom, mas contenha-se”. E eu fazendo ouvido de mercador. Displicente e teimoso como sempre. O corpo submisso, aceitava tudo com resignação. Não imaginava que, um dia, pagaria caro por não ouvir tais conselhos.

 

                        Numa bela tarde de domingo praiano, depois de um suculento almoço e estando ao chuveiro, o corpo disse: “É hoje. Eu te peguei”. Como se fosse uma descarga elétrica, atingindo o lado esquerdo, neutralizou-me de vez. A partir dali, passei obedecer às ordens dele. O cérebro autoritário, disse ao corpo: “Eis-me aqui, meu amo!”. A partir de então, aparelhos de tecnologia avançada, agulhadas para lá e para cá, trânsito congestionado da equipe médica ao derredor leito e por aí se vai. Tudo desnecessário se tivesse escutado os sábios conselhos. Paciência!

 

                        Gestos simples e despercebidos, como por exemplo, segurar um copo, passaram a ter grande valia. É a vida, ensinando ás duras pena. Num giro de trezentos e sessenta graus e com um novo caminho a percorrer, temos que reinventar a história do nosso destino. O corpo padece, diante da nossa rebeldia; a alma atravessa um calvário, que não era dela. Agora temos que buscar o atalho da sobrevivência.

 

                        O destino deu o puxão de orelha. A prepotência fez-me enxergar a transitoriedade da vida e a fragilidade da carne. Foi então, que entendi a frase do poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade, quando afirmou: “A vida tem a forma breve de um coice”. O coice da vida é a morte. A nossa passagem por aqui é muito rápida, por isso, não dá para ficar com picuinhas e lengalengas.

 

                        Quer um conselho? Você deve guardar no baú da memória, as eternas lembranças do passado e as marcas indeléveis deixadas no coração das pessoas que lhe cercam. O amor de infância que não desabrochou, amor não era. O poema incubado é natimorto, não corra atrás, porque não dá tempo.  Aprenda que o momento é agora e não reserve nada para amanhã. Gaste suas horas com o que te faz bem e não se prenda ás opiniões alheias. Só você é dono e tem o dom de mudar seu próprio destino.

 

                        Mas quando vejo o meu corpo tristonho, penso e repenso os momentos antes, da vida pregar a peça. Os passos lentos pela casa cessaram minha pressa e os passos longos, por onde andam, não sei. Os amigos das longas noites de orgias, bateram em retirada. O padre recolheu o rosário e o pastor fechou a bíblia, mas Deus não se desgarrara de mim, A cada segundo, Deus sussurra aos meus ouvidos, dizendo: “Sê forte, porque sou contigo”. No silêncio do quarto, Ele aproxima-se da cama, ouve meu clamor e acaricia o meu rosto. Antes de voltar ao céu, conforta-me, dizendo: “Filho, tu és minha joia preciosa e em ti, me comprazo”.

 

                        Deus me deu um dom e vou honrá-lo. Estou certo de que o corpo vai me perdoar por tamanha afronta. Sou brasileiro e não desisto nunca. Vou seguir o otimismo do escritor Johannes Mario Simmel, quando escreveu o livro intitulado: “Ainda resta uma esperança”. Não posso desanimar e, por isso , lembro de Sidnei Sheldon, quando escreveu o livro “Se houver amanhã”. Lembro-me que a equipe médica, do Hospital do Servidor Público de São Paulo, diagnosticou-me, no laudo: “Acometido de A.V.C.”.

 

                        Como sou leigo e, ao invés de cursar medicina, estudei medesquina (Medir Esquina - vagabundar), li e entendi: “Adão Vê se Cuida”. Acordei da sedação dos medicamentos. Nossa, pensei que foi um sonho!

 

                        Agora vou escutar todos os conselhos, mesmo que seja de um papagaio.

 

Peruíbe SP, 11 de outubro de 2020.     

sábado, 10 de outubro de 2020

AMOR MADURO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

 

Ao contemplar o teu rosto,

Noto fios de cabelo branco

Isso não me causa espanto

Porque também fui moço.

 

 

Se cansado está o sorriso

E o corpo não é o mesmo

Abraço é teu doce abrigo

Corre que eu te aqueço.

 

 

Flacidez não é vergonha.

Sei o tempo é impiedoso

Feminina ainda assanha,

Amar-te é muito gostoso.

 

 

Não me viu na juventude

Não fique triste, esquece.

Até sonhei, fiz o que pude.

O amor nunca envelhece.

 

 

Não censure, deixa iludir.

Sonhar nunca foi pecado

Há de ser sempre o elixir

Que degusto e embriago.

 

 

Esse prazer me consome

Faz-me um bem, não mal.

Não direi seu lindo nome

Lá na minha terra natal!!!

 

 

Peruíbe SP, 10 de outubro de 2020.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

DE REPENTE

 

Adão de Souza Ribeiro

 

De repente, tudo estanca.

E o que foi, um dia, já era.

Nó preso na tua garganta

Sem pressa, agora espera.

 

 

A vida prega lá sua peça,

História do faz de conta.

E se for o ator, não peça

 Nada, o autor não conta.

 

 

E o amor na puberdade,

Que foi lindo virou tema.

Seja sincero, fala verdade:

“Será que valeu a pena?”

 

 

De que adianta egoísmo

Ou o diploma na parede

Se o mistério apaga isso

E a morte lança a rede?

 

 

Seu carro caro e do ano

Com o seu lindo castelo

Apenas o sonho profano.

Nada é seu e nem eterno.

 

 

O corpo curvo, dolorido.

Diante de tanta surpresa

Por que correr esse risco?

Devia ter tomado cerveja.

 

 

Peruíbe, 08 de outubro de 2020.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

CASA DE SONHOS

 Adão de Souza Ribeiro

 

Da janela, na fresta.

Vejo a vida lá fora

Agora só me resta

Saudade de outrora.

 

 

Vestida de inocência

Olho minha cabrocha

Vivo a velha crença:

De mim ainda gosta.

 

 

O Sonho passou além

Restou a antiga janela

Lembrança vai e vem

Bailar da menina bela.

 

 

Hoje feliz e bem casada

Eu perdido em poema

Desejo não muda nada

Amar ou não, o dilema.

 

 

Fechei a casa da ilusão

Botei trava e tramela.

Apaguei luz do coração

Não vou lembrar dela.

 

 

Vou contar um segredo

Tímido e coração pueril

Escapou entre os dedos

Não fui feliz por um fio.

Peruíbe, 07 de outubro de 2020.