terça-feira, 13 de outubro de 2020

O CORPO

 Adão de Souza Ribeiro

 

                        De repente tudo pára e a vida começa do zero. Agora sentado na cadeira do tempo, a mente pergunta: “Pra que tanta pressa... tanta correria?” O carro luxuoso, a roupa de grife, a festa pomposa, o lugar paradisíaco, a beleza humana estonteante, a conta bancária recheada, o amor de infância, a velha profissão e a autoridade, ficaram para trás. Agora só fica à expectativa, de por quanto tempo o corpo vai resistir às lambadas do sofrimento.

 

                        Tempos antes, ele (corpo) alertara que já estava saturado das minhas irresponsabilidades e dos flagelos a que era submetido. Por muitas vezes cochichara aos meus ouvidos; dizendo: “Não ingira tanta bebida alcoólica, não. Esta carne gordurosa faz mal. Vá dormir, porque tem que trabalhar cedo. Sexo é bom, mas contenha-se”. E eu fazendo ouvido de mercador. Displicente e teimoso como sempre. O corpo submisso, aceitava tudo com resignação. Não imaginava que, um dia, pagaria caro por não ouvir tais conselhos.

 

                        Numa bela tarde de domingo praiano, depois de um suculento almoço e estando ao chuveiro, o corpo disse: “É hoje. Eu te peguei”. Como se fosse uma descarga elétrica, atingindo o lado esquerdo, neutralizou-me de vez. A partir dali, passei obedecer às ordens dele. O cérebro autoritário, disse ao corpo: “Eis-me aqui, meu amo!”. A partir de então, aparelhos de tecnologia avançada, agulhadas para lá e para cá, trânsito congestionado da equipe médica ao derredor leito e por aí se vai. Tudo desnecessário se tivesse escutado os sábios conselhos. Paciência!

 

                        Gestos simples e despercebidos, como por exemplo, segurar um copo, passaram a ter grande valia. É a vida, ensinando ás duras pena. Num giro de trezentos e sessenta graus e com um novo caminho a percorrer, temos que reinventar a história do nosso destino. O corpo padece, diante da nossa rebeldia; a alma atravessa um calvário, que não era dela. Agora temos que buscar o atalho da sobrevivência.

 

                        O destino deu o puxão de orelha. A prepotência fez-me enxergar a transitoriedade da vida e a fragilidade da carne. Foi então, que entendi a frase do poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade, quando afirmou: “A vida tem a forma breve de um coice”. O coice da vida é a morte. A nossa passagem por aqui é muito rápida, por isso, não dá para ficar com picuinhas e lengalengas.

 

                        Quer um conselho? Você deve guardar no baú da memória, as eternas lembranças do passado e as marcas indeléveis deixadas no coração das pessoas que lhe cercam. O amor de infância que não desabrochou, amor não era. O poema incubado é natimorto, não corra atrás, porque não dá tempo.  Aprenda que o momento é agora e não reserve nada para amanhã. Gaste suas horas com o que te faz bem e não se prenda ás opiniões alheias. Só você é dono e tem o dom de mudar seu próprio destino.

 

                        Mas quando vejo o meu corpo tristonho, penso e repenso os momentos antes, da vida pregar a peça. Os passos lentos pela casa cessaram minha pressa e os passos longos, por onde andam, não sei. Os amigos das longas noites de orgias, bateram em retirada. O padre recolheu o rosário e o pastor fechou a bíblia, mas Deus não se desgarrara de mim, A cada segundo, Deus sussurra aos meus ouvidos, dizendo: “Sê forte, porque sou contigo”. No silêncio do quarto, Ele aproxima-se da cama, ouve meu clamor e acaricia o meu rosto. Antes de voltar ao céu, conforta-me, dizendo: “Filho, tu és minha joia preciosa e em ti, me comprazo”.

 

                        Deus me deu um dom e vou honrá-lo. Estou certo de que o corpo vai me perdoar por tamanha afronta. Sou brasileiro e não desisto nunca. Vou seguir o otimismo do escritor Johannes Mario Simmel, quando escreveu o livro intitulado: “Ainda resta uma esperança”. Não posso desanimar e, por isso , lembro de Sidnei Sheldon, quando escreveu o livro “Se houver amanhã”. Lembro-me que a equipe médica, do Hospital do Servidor Público de São Paulo, diagnosticou-me, no laudo: “Acometido de A.V.C.”.

 

                        Como sou leigo e, ao invés de cursar medicina, estudei medesquina (Medir Esquina - vagabundar), li e entendi: “Adão Vê se Cuida”. Acordei da sedação dos medicamentos. Nossa, pensei que foi um sonho!

 

                        Agora vou escutar todos os conselhos, mesmo que seja de um papagaio.

 

Peruíbe SP, 11 de outubro de 2020.     

Um comentário:

Selma Santos disse...

Nossa...forte e profundo, mas necessario a todos os ouvidos.
A parte reconfortante...Deus esta contigo!
Um grande abraço, meu amigo.
Se recupere, logo!