Adão de Souza
Ribeiro
De repente, nada mais que de repente...
o passado descortina-se à nossa frente. Por mais que queiramos ser futuristas,
o ontem nos persegue impiedosamente. Marcando nossa vida, deixa sinais
indeléveis, como o ferrete cravado na hipoderme dos animais. Depois de marcados
para sempre, não há como esconder nossa origem, história e DNA. A cidade natal
e os lugares por onde passamos, é apenas o habitat natural, onde vamos
desenvolver nosso enredo. Por isso, temos que nos cuidar para redigir o que há
de melhor no nosso interior.
Mas e o futuro, o que dizer dele?
Não passa de uma incógnita e uma quimera. Por isso, nossa língua é riquíssima ao
descrever o seu tempo verbal, isto é, passado, presente e futuro. E Deus, antes
mesmo da nossa língua existir e de balbuciarmos as primeiras palavras, criou as
fases da vida, ou seja, infância, adolescência, juventude, adulta e velhice.
Quer queira e quer não, somos forjados a entender, que para tudo no tempo, tem
seu tempo. E assim há de ser até o fim dos tempos.
Num dia desses, quando vaga o
tempo e descansa a vida um pouco, resolvi fuçar no baú empoeirado da minha
história, onde o passado e o presente se se cruzam e se misturam. De vez em
quando, num momento de nostalgia, somos levados a desterrar lembranças
adormecidas e empoeiradas pelo esquecimento. Dentre tantas quinquilharias, carcomidas
pelos longos anos de abandono, deparei-me com um velho álbum de família. A ausência
de ventilação e umidade desfigurou sua capa e, por pouco, não apagou as imagens
de registros importantes.
Aos poucos e ad cautelam, passei a manusear
suas folhas, onde se encontravam uma infinidade de fotos, com os mais variados
tamanhos e cores. Quem me visse ali, introvertido naquela lida, notaria mudanças
bruscas do meu semblante, Ora alegre, ora surpreso e, por vezes, ora pesaroso,
por tentar compreender o que fez a mão pesada do tempo. Ver que as pessoas do parentesco
ou da amizade transformarem-se ao longo da vida, custando-me muito a identificá-las,
era por demais, entediante.
Com pesar, pude observar que
muitos já partiram para a mansão do amanhã e que outros, na sua maioria, após ganharem
forma adulta, seguiram por caminhos longínquos e para onde não sei. Cada foto,
que apanhava e observava com maior esmero, transportava-me a um momento de doce
lembrança. Todas elas tinham uma razão
de ser. E para ser sincero, ressuscitaram passagens maravilhosas, registradas
na longa estrada da vida. Além dos rostos nelas contidos, também haviam
registros de ruas, praças, casas e
comércios, destruídos pela modernidade e pela falta de respeito ao patrimônio
histórico.
Em
que pese à tecnologia de hoje, com modernos aparelhos, os quais captam imagens
com tamanha precisão, posso afirmar isso sem sombra de dúvida, que aquelas dos
tempos de outrora, tinham uma magia indescritível. A fotografia em preto e
branco sussurrava aos ouvidos e mostrava aos olhos de quem a contemplava, que o
tempo passou e eternizou o que sempre foi belo. Prova disso, era a ternura e a simplicidade
de que quem, voluntária ou involuntariamente, pousava para a câmera. Como sou
um saudosista irrecuperável, não pude conter as lágrimas, presas no coração dilacerado
pelos anos que se passaram.
Na minha terra natal, havia um
único retratista (assim era conhecido) oficial para todos os eventos, sagrado
ou profano, o qual fora responsável por boa parte do meu acervo. Ele era um
japonês, que amava a arte de registrar, através das lentes de uma máquina
pré-histórica, todos os momentos inesquecíveis do povo. Os casamentos,
batizados, aniversários, festas populares e religiosas, jogos futebolísticos,
comícios políticos e até velório, não fugiam das incansáveis lentes, daquele
filho do “sol nascente”. Bastava o freguês chamar o japonês e lá estava ele. De
olho no lance, não perdia um flash.
Cada momento precioso de nossas
vidas, registrado em fotos coloridas ou não, representa a eternização de um
passado vivo em nossas memórias. Através delas, os nossos herdeiros conhecerão
a história viva da família, da qual pertencem e que, por isso, deverão amá-la e
respeitá-la. Também aprenderão a admirar e respeitar o seu torrão natal, onde
nasceu e por onde passaram seus ancestrais.
Por onde andam as pessoas do meu
tempo, não sei. Sei apenas que ainda estão ali, ao alcance das minhas mãos. Num
relance, ao admirar por longos e prazerosos momentos, aquelas relíquias,
guardadas no fundo do baú, senti-me “de volta ao passado”.
Só aquele álbum amarelado e carcomido pelo tempo, foi capaz de tamanha magia.
Peruíbe SP, 29
de setembro de 2019.