sábado, 14 de setembro de 2019

ELO QUEBRADO


Adão de Souza Ribeiro

                                   De vez em quando, tenho a mania de recolher-me para dentro de mim. Durante essa introspecção, divago horas a fio. Uma nuvem de isolamento, ganha forma ao meu redor, como que querendo proteger-me do inconformismo de coisas do cotidiano. Nada me incomoda e não me tira das viagens interplanetárias. Viajo há mil anos luz, em busca de respostas às intermináveis indagações e questionamentos.
                                   Os grandes cientistas, em seus isolamentos pessoais, realizaram grandes descobertas, as quais mudaram o mundo para sempre. A vida agitada rouba-nos as coisas simples do cotidiano. E assim, vamos perdendo a ternura e a sensibilidade, tornando verdadeiros robôs do progresso. Aos perdermos a essência dos valores contidos na alma, deixamos de sermos nós, para tornarmos algo insignificante.
                                   Numa tarde domingueira, sentado à sombra de um abacateiro, ali no quintal de casa, tinha às mãos, uma corrente. Primeiro atentei-me para a sabedoria de que quem a criou. Dirão: “É fácil!”. Mas depois que Colombo colocou um ovo de pé, durante um banquete comemorativo, oferecido pelo Cardeal Mendoza, em sua homenagem, por haver descoberto a América, tudo ficou mais fácil. Depois imaginei que com a invenção dela, muita coisa mudou, a começar pela tração (força aplicada sobre um corpo numa direção perpendicular à sua superfície de corte e num sentido tal que, possivelmente, provoque a sua ruptura).
                                   Mas no caso da corrente em questão, que eu tinha às mãos, estava rompida. Notei que os elos, presos uns aos outros, davam a ela a razão de existir. Unidos, eles outorgavam a corrente, a força para mover os objetos, como por exemplo, motores, catracas de bicicleta, roldanas, etc e tal. Quando um elo se rompeu, abandonando a união e o compromisso de seguir em frente, deixou de ser corrente, para ser um simples objeto, algo sem valor, Por isso, estava jogada ali, sob o pé do abacateiro. Com o passar do tempo, iria enferrujar e desaparecer. São as perguntas que movem o mundo e não as respostas. Logo perguntei: “Para que serve essa corrente, neste estado?”. Perdeu a sua função original, a sua razão de existir.
                                   Assim como a corrente, também são os seres humanos. A nossa força e a razão de ser, são formadas por pequenos elos, adquiridos ao longo dos anos. Eles são representados pela ética, moral, amor, fé, respeito, obediência, educação, gratidão, benevolência e tantas outras preciosidades da alma humana. Se um desses elos deixar de existir, a vida perde seu valor e seu objetivo principal. Não tardará e a ferrugem do progresso, irá corroer todo o corpo e sepultá-lo na vala do esquecimento.
                                   Tenho para mim, que todos os ensinamentos prestados pelos meus antepassados, isso desde os meus tataravôs, também se fazem representados por cada elo dessa corrente, chamada princípios morais e éticos. A preservação da estrutura familiar, da religião e da educação, depende sobremaneira da continuidade das relíquias, ou melhor, dos tesouros de ensinamentos de quem sempre acreditou na dignidade humana. É certo que o progresso e o avanço da tecnologia, tem sido importante para o mundo, como por exemplo, na erradicação de doenças. Mas não pode e não deve, nos tornar máquinas, a serviço de um consumismo desenfreado, que cultua apenas o dinheiro e a beleza.
                                   Por ser um observador nato e um crítico desbocado, tenho notado que as crianças e a juventude de hoje, perderam a noção de respeito, começando dentro de seus próprios lares, onde tratam os seus pais e os idosos, sem as deferências necessárias. Não obedecem as leis constituídas do país e não cuidam do bem comum. Fazem da relação sexual e do uso de drogas ilícitas, uma rotina cotidiana. Tudo desejam e tudo podem, mas não querem obedecer a regras pré-estabelecidas, Confundem liberdade com libertinagem. Elas são uma corrente jogada ao pé do abacateiro, fadada ao esquecimento.
                                   Na minha parca visão de tudo isso, tenho a dizer que em tempos remotos, alguém recebeu de seus antepassados, todos os ricos ensinamentos da boa convivência com o mundo e com as pessoas e não os repassou às gerações futuras. Aquela pessoa ou uma geração irresponsável desprendeu-se dos outros elos, rompendo o compromisso da continuidade. Um dos elos se rompeu, por isso, a corrente do amor e respeito ao próximo perdeu a sua força e a sua razão de existir. Assim, a ferrugem da maldade há muito tempo, já corroeu a corrente (sociedade) e nada mais resta, a não ser esperar o fim dos tempos.
                                   O elo foi quebrado e não há mais conserto. Oremos!

Peruíbe SP, 14 de setembro de 2019.

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