Adão de Souza
Ribeiro
Em dezembro, a cidade se veste de festa. Nas
ruas, de um lado ao outro, milhares de luzes com cores cintilantes, deixam as
noites mais alegres. Na praça há um presépio, onde, deitado na manjedoura, o
Jesuscristinho recebe o carinho dos pais, dos três Reis Magos e dos animais.
O autofalante, na torre da igreja matriz,
canta músicas natalinas. Somados às luzes, existem enfeites em formas de estrelas
e de anjos. As casas, por suas vezes, completam a alegoria, com todo tipo de
adorno. Naquele mês, tudo o que deu errado durante o ano, é jogado no lixo do
esquecimento. Como num toque mágica, as pessoas tornam-se boníssimas.
O comércio esquece do aniversariante e se
deleita em vendas. As pessoas se cumprimentam, dizendo: “Feliz natal! ”. Ao ver
tudo aquilo, gostaria que todos os meses do ano, fossem dezembro. Então seria
maravilhoso. A pobreza escondida debaixo do tapete.
A minha casa, também foi preparada pelos meus
pais. Ela foi pintada em cores alegres. Minha mãe passou cera vermelha, no chão
de cimento queimado e, depois, passou escovão. Enfeites bem simples foram
colocados na porta de entrada. Eu limpei a chaminé do fogão à lenha. Meus
irmãos ajudaram-me a capinar o quintal.
Minhas irmãs colocaram vestido de chita,
fizeram maria-chiquinha (trancinhas) no cabelo e passaram pó de arroz no rosto
(maquiagem da época). Nós, os meninos, vestimos calça e camisa, feitas de saco
de farinha de trigo, lavados e alvejados pela nossa mãe. Também calçamos
sapatos Conga. Tudo para receber o Papai Noel.
Na nossa santa inocência, colocamos cartinhas
debaixo da porta da sala, avisando o presente que gostaríamos de ganhar. Naquela
véspera de Natal, dormimos felizes e ansiosos. Por várias vezes, durante a
noite, eu acordava e olhava para o céu, desejoso de ver papai Noel chegando de
trenó, puxado pelas renas e escoltado por vagalumes.
Ao amanhecer o dia de natal, corremos para a
porta da sala e não encontramos presentes, apenas as cartinhas fechadas. Eu
pensei: “Papai Noel não gosta de crianças desvalidas. Poderia ter passado aqui,
pelo menos, para dar um abraço. Para os pobres, papai Noel não existe, ele é só
ilusão”.
Naquele momento de decepção, os enfeites e as
luzes da cidade, perderam todo o encanto. Eu pude ver no rosto dos meus pais,
um olhar de frustação. Doeu no coração deles, sentir a tristeza dos filhos,
numa data tão especial e repleta de encantos.
Enquanto isso, os amiguinhos, ostentavam os
presentes recebidos. Brinquedos com controle remoto, bicicletas, skate, patins,
boneca falante, roupa de grife e por aí se vai. De que adiantou meus pais
arrumarem a casa e eu limpar a chaminé, para que o velhinho não sujasse a barba
branca ou a roupa vermelha, quando passasse por lá?
Por ser pobre, empregado e ter sete filhos,
nosso pai não dispunha de grandes recursos financeiros. Por isso nossa mãe
preparou uma ceia muito simples e nós, filhos sem luxo e vaidade, achamos a
melhor ceia do mundo. Estando à mesa, ficamos admirados, quando nosso irmão
caçula, de três anos de idade, que nada entendia de coisas natalinas,
perguntou: “Cadê papai Noel?”
Peruíbe SP, 29 de
dezembro de 2023.