Adão de Souza
Ribeiro
Felizardo Feliciano da Graça, o
glorioso “Canarinho”. Assim era conhecido o protagonista da história que ora
pretende-se contar. O cenário, claro, é de uma cidadezinha interiorana, encravada
no interior do Estado. Como de costume, lá acontecia de tudo e, por isso, tornava-se
motivo de chacota ou de lenda, com o passar do tempo. Não era à toa, que havia
muitos observadores de fatos pitorescos. Dentre eles, esse contador de histórias,
que agora se atreve a narrar e espera que todos acreditem.
Canarinho nascera mirrado e dona
Joana, a parteira, não acreditava que ele vingaria. Experiente em trazer à
vida, centenas de cidadõeszinhos, profetizava que o fedelho não passava da
primeira semana de vida. A natureza não o agraciara com beleza e, por isso,
desde muito cedo era considerado o patinho feio, dentre os seis irmãos. Por ter
nascido no seio de família desprovida de posse, não era percebido pelos
moradores do lugarejo. Por muito tempo, padeceu de rejeição.
Mas uma vizinha de nome Georgina,
já muito idosa, confortou a genitora, dizendo: “Menino quando nasce feio, fica
lindo com o tempo. Já menino que nasce lindo, o tempo enfeiura ele”.
Longe de se entristecer, a mãe de Canarinho procurou criar e educar todas os
rebentos, com muita responsabilidade e amor. O tempo passou... passou o tempo.
Aos poucos, a natureza encarregou de desenhar um menino de beleza estonteante e
de uma inteligência invejável. Uma libélula em busca do desconhecido.
Já na puberdade, despertava o
interesse incontrolável das fêmeas de sua idade. O patinho feio, preso na casca
do desprezo, saíra da clausura e voava garbosamente, feito uma águia, para ser
dono do seu próprio destino. Não demorou, para que, as pessoas do lugarejo
percebessem o dom de empatia, liderança, conquista e de humanismo daquele
menino, que não se vingaria nos primeiros dias de vida. Sem que percebessem, os
passos de Canarinho, já estavam inseridos no dia a dia da cidadezinha,
encravada no interior do Estado.
Canarinho, com sua alegria e
simpatia contagiante, era presença marcante em todos os lugares e eventos da
cidade. Não bastasse isso, era disputado palmo-a-palmo, entre as moçoilas,
tanto ricas e pobres daquela cidade, onde aconteciam fatos pitorescos. Com voz
adocicada e olhar sedutor, aquele violeiro talentoso, levava as pretendentes ao
delírio. Entre as rodas de amigos e, principalmente, amigas fogosas e
fogueteiras, o nome dele era destaque. Apesar de tudo isso, não sofria de
narcisismo.
Os meninos ricos e belos da
cidade, embora nutrissem certa inveja, tinham que se curvar aos encantos de
Canarinho e atração que as meninas nutriam por ele. O jeito humilde de ser
daquele menino pobre derrubava qualquer tese de vingança, por parte de seus
oponentes. Ele sabia, através de seu diálogo agregador, conquistar o amor e o
respeito de todos. Uma coisa não se podia negar, por onde passava se destacava
no meio da multidão. Tinha uma áurea, um brilho divino. Não era a toa que os meninos o invejavam e as
meninas o idolatravam.
Uma dezena de meninas flertava com
ele. Era lindo de se ver. De longe sua genitora observava o bem querer que
todos nutriam por Canarinho. Ela enchia-se de orgulho e lembrava-se da profecia
de dona Georgina: “Fica lindo com o tempo”. Canarinho tinha o privilégio de
escolher com quem estaria nas noites domingueiras e enluaradas, na praça
matriz. Aquelas não escolhidas respeitavam a sortuda. E ele, por sua vez, sabia
agradar a todas, pois no próximo domingo, outra seria agraciada.
Mas um belo dia, como toda
história não é perfeita, algo mudaria para sempre a vida do menino, que nascera
mirrado e que o tempo encarregara-se consertar o erro do parto. Sem explicação
humana ou transcendental, Canarinho introverteu-se, fugiu do mundo cotidiano da
cidadezinha e perdeu o gosto pela vida. Quando as moçoilas o procuravam em sua
casa, mandava a mãe dizer que ele não estava. No começo a mãe não botou
assunto. Pensou tratar-se de manha de menino. Errou.
Quando viu que o quadro se agravou,
a mãe procurou médico, padre, pastor, benzedeira e macumbeiro. Fazia uso de simpatia
e todo tipo de remédio convencional e caseiro. Ficou de joelhos, rezou e fez
promessa. Cozia todo tipo de comida do agrado do filho e convidava os amigos
para visita-lo. Convencia as meninas a dar carinho e reavivar o alter ego do
menino adoecido. Buscou a sabedoria da ciência e da tecnologia e até na NASA
quis ir. Precisava salvar o filho. Não queria vê-lo de novo, mirrado e feio.
Canarinho, menino alegre, cantador
e conquistador de corações femininos, não queria mais falar, fugiu da escola e introverteu.
A mãe perguntava o que o afligia tanto e ele limitava-se a dizer: “São
coisas do destino”. Se pudesse trazê-lo de volta ao ventre e protege-lo,
faria. Em suas orações, segurando um terço sagrado, pedia que Deus iluminasse e
dissesse o que acontecia com o menino. Foi assim, que num delírio noturno, sem
que desse conta, o menino resmungou algo inteligível: “Por que, minha linda Mariazinha,
fizestes isso comigo? Por que me desprezastes perante a todos e recusaste o meu
amor sincero e puro? Hoje, meu coração não tem mais força de lutar por você?”
Foi então que a mãe entendeu que o
filho padecia de uma doença grave, degenerativa e irreversível. O filho foi
infectado de um vírus agressivo, chamado amor incompreendido e não
correspondido. O vírus do amor, afeta diretamente o coração dos menos avisados
e dos incautos. Mariazinha era o único antidoto contra o veneno do desprezo e,
portanto, só ela poderia devolver-lhe o prazer de viver. Fim!
Peruíbe SP, 25 de
abril de 2019