domingo, 26 de setembro de 2021

O RELÓGIO

 

De tic tac ele quieto caminha

Conta o tempo sem despertar

O amanhã que logo avizinha

É o barco que desliza no mar.

 

Na cadência do velho badalo

Hora chega e não tem pressa

Mas o futuro vai num estalo

Dorme. O sonho permaneça.

 

Deixa-o cantar o jeito lento

Eu peço, não dê a ele corda.

Ele pode acelerar o tempo,

Lenta a vida se transborda!

 

De tic tac em tic tac, assim

Toada, o pendulo vai e vem.

Um dia vida chega ao fim

Lá se vai eu, você também.

 

 

Peruíbe SP, 26 de setembro de 2021.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

O MILAGRE DA SANTA

 

                      “Fé e dor de dente, só quem tem sabe o tamanho”, assim dizia o meu conterrâneo Jeremias – O Pensador. “Mas o que é a fé?”, alguém há de gritar no meio da multidão. No grego pistia, indica a noção de acreditar; no latim fides, que remete a uma atitude de fidelidade.

                        A fé é um sentimento de total crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a veracidade da proposição em causa. Uma das frases sobre o tema, afirma que “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem”. (Hebreus 11:1)

                        Como diz o adágio popular: “Gosto, religião e futebol não se discute.” Portanto, reservo-me aqui, a prender sobre um assunto ocorrido no meu berço natal e pequeno pedaço de chão, que eu amo tanto. O tempo se vai ao longe, porém não se apaga jamais da minha eterna memória, o que pretendo narrar.

                        Já narrei em “O Rebu no Altar”, sobre o desmoronamento repentino, das tradições religiosas, provocado por um vigário, que de padre só tinha a batina. Outro dia, numa visita à terra natal, meu coração suplicou e adentrei na igreja. A principio hesitei-me, com medo do eu podia me deparar. Mas passei pelo umbral e entrei.

                        Entristeci-me, pois senti que aquele santuário que, por longos anos, acolheu a padroeira, perdeu todo o encanto. Apenas tornou-se um salão sem a energia do Altíssimo.  Repentinamente veio a lembrança de que ali, fui batizado e crismado. Por favor, perdoa-me tamanha heresia!

                        Cada religião cria seus dogmas e professam suas liturgias, creio. Com o fim do altar e das imagens dos santos, que davam um ar sacrossanto à igreja; eis que meia dúzia de beatas sacramentadas deram guaridas às imagens, em tamanhos normais, em seus lares. Em razão da grande devoção, cuidavam com fé, amor e zelo. A nova e abençoada moradora (imagem), tinha um lugar especial na casa, ou melhor, um altar.

                        Todos os dias, a anfitriã além de limpar, trocava as flores e as velas. Ao cair da tarde, rezava-se o pai-nosso e a ave-maria. A imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do lugar, foi acolhida pela fervorosa beata Celestina, dona de uma fé inabalável na santa. Uma casa de madeira, toda de branco, o quintal cuidado com muito amor, que era protegida com balaústre de madeira.

                        Pela humildade e empatia, Celestina conquistara o carinho de todos. Da sala de aula, eu conseguia visualizar a casa dela. Um belo dia, ainda de manhã, próximo ao término das aulas matutinas, percebeu-se o início de uma lavareda de fogo na casa. Em minutos, ouviam-se os gritos e corre-corre dos vizinhos para salvar o único patrimônio (casa) da fervorosa beata, querida por todos.

                        Por ser de madeira, nada pode ser feito para salvá-la. Não havia Corpo de Bombeiro e os baldes d’água foram insuficientes. De longe se ouvia o estralar das madeiras em meio às chamas. De repente, da casa só restou cinzas e brasas, pois, em pouco tempo, tudo foi ao solo. Queimou-se a história de Celestina, pois, além da casa, ficou sem suas roupas e documentos. Ela chorava copiosamente, sendo amparada por outras beatas e pessoas que lhe queriam bem.

                        Causou espanto e as pessoas ficaram boquiabertas, quando viram que a santa permanecera intacta, uma vez que nem mesmo a fuligem tocara nela. “Meu Santíssimo Pai Eterno! Deus se louvado! Isso foi um milagre! Quem disse que a imagem não é sagrada?”, diziam todas as beatas juramentadas ali reunidas, em consolo a Celestina.

                        A população comentava que a dona da casa saíra pra comprar legumes e verduras na “Quitanda do Josias” e deixara as velas acesas. Acreditavam ser aquilo que provocou a tragédia. Em um mês ergueu-se uma nova moradia, desta feita de alvenaria. Os conterrâneos pareciam formiguinhas no eterno labor de reconstruir o santuário, ou melhor, a casa da fervorosa beata Celestina.

                        Em lugares pequenos, o povo é muito unido, creia. A partir daquele dia trágico, o local passou a ser visitado por todos, inclusive, criou-se uma romaria de pessoas vindas dos quatro cantos da terra. A palavra “milagre” atraiu os verdadeiros fiéis de Deus. Eu sei que tal fato, aumentou o respeito e admiração à imagem da santa.

                        Diariamente uma multidão de devotos ali, enquanto que na igreja, o padre amargava o abandono junto com sua modernidade. O vigário quis avançar em rituais futuros, mas regrediu nos rituais da fé. Até hoje, ao se falar da minha terra natal, as pessoas dizem: “Foi onde aconteceu o milagre da Santa.” Amém!

 

Peruíbe SP, 18 de setembro de 2021.

domingo, 19 de setembro de 2021

A MORTE

 

Adão de Souza Ribeiro

Por que tu vens assim sorrateira,

Quieta como quem nada quer?

Tem nos lábios uma voz certeira

E nos olhos, atração de mulher.

 

Ontem sem avisar foi meu pai

Hoje tão calada, o meu irmão.

E eu não sei até onde isso vai

Fica a lacuna no meu coração.

 

Nossas algazarras de moleque.

Pelas ruas da santa inocência                                                           

Isso a velhice nunca esquece.

Levas tudo, menos a essência.

 

Um a um vão os meus sonhos

Por que tu fazes isso comigo?

Depois destas perdas suponho

Vida não passa de um castigo.

 

A vida é toda escrita com giz,

Como frases no quadro negro

A morte vem, apaga o que fiz,

Uns vão tarde e outros cedo.

Peruíbe SP, 19 de setembro de 2021.

 

Tributo ao meu irmão Noel de Souza Ribeiro

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

CIDADE EM FESTA

 

                        Pensa num povo festeiro. Nas datas comemorativas, a cidade vestia-se de alegria. Lembro-me com saudade, das comemorações da festa junina, independência, padroeira, do aniversário da Terra Natal, do nascimento Jesuscristinho e por aí se vai. Só não se comemorava o “Dia de Finados”. Cruzes!”.

                        Todos os logradouros eram enfeitados com símbolos alusivos a respectiva data. As pessoas sempre unidas dedicavam-se boa parte sagrada do seu tempo, em confeccionar os enfeites da cidade. A elas também se juntavam os dedicados professores das duas escolas, isto é, grupo escolar e ginásio.

                        Todas as comemorações chamavam-me atenção, mas a que eu mais gostava era a da independência, conhecida por “Sete de Setembro”. Meses antes, começavam os preparativos, com ensaio da fanfarrava e dos alunos, para que tudo desse certo. As carretas, tracionada por tratores tornavam-se carros alegóricos, representando a fauna, flora, costumes, riquezas e tradições do nosso país. 

                        Naqueles idos tempos, posso afirmar que o patriotismo era algo lindo de se ver. Todas as manhãs, antes de iniciar as aulas, ficávamos todos perfilados no pátio da escola e cantávamos o Hino Nacional Brasileiro. Nós sabíamos descrever minuciosamente todos os símbolos pátrios, sem titubear. A nossa Pátria não tinha outra cor, senão o verde, amarelo, azul e branco. E assim se vestia a cidade.

                        No dia tão esperado, ficávamos todos perfilados e marchávamos na cadência da fanfarra. Não se via um aluno olhando para o lado, conversando ou mascando chicletes. Minha mãe, doce guerreira, lavara, engomara e passara o uniforme, com o qual eu exibia todo orgulhoso. Os professores atentos a cada detalhe davam-nos segurança. Lembro-me das dedicadas professoras Marlene, Maria da Glória, Neusa, Jirschik, Leodônio, dona Coca e demais mestres, que nos orientava e nós obedientes, corrigíamos pequenas falhas.

                        O desfile passava por todas as passarelas (ruas) principais do lugar. Um grupo de alunos conduzia a Bandeira Nacional, dos Estados e do Município. Os carros alegóricos emprestavam sua beleza à solenidade. Quando passava defronte a Praça Matriz, onde estavam às autoridades, o desfile parava e prestava as deferências. Depois, ao passar defronte minha casa, eu transbordava de orgulho e alegria ao ver meus pais e vizinhos, todos me observando. Coisa de criança feliz.

                        O término do desfile se dava na escola. Mas a festa não se encerrava ali. Certo é que todos (alunos e população) dirigíamos para o campo de futebol, o qual se localizava atrás da Delegacia de Polícia.  Lá os Nipônicos, filhos do Sol Nascente, preparara uma enorme festa, que transcorria até ao cair da tarde.

                        Nunca vi estrangeiros tão patriotas como os japoneses. Olha que na terra natal, tinha diversas colônias, a saber: Portuguesa, Italiana, Espanhola, Alemã, Holandesa, Suíça e tantas outras, com as quais convivi. E delas trago preciosos ensinamentos, como por exemplo, o amor a terra e o respeito às pessoas sem distinção.

                        Lá havia as barracas de comidas típicas das nações que descrevi. Eles patrocinavam todo tipo de gincana, tais como: corrida do saco, corrida do ovo na colher, subida no pau de sebo, achar o anel, numa bacia de farinha de trigo e uma infinidade de brincadeiras, que não me lembro de mais, pois a memória me trai. Só sei que os vencedores, levavam mimos para casa. Minha infância era só felicidade.

                        Hoje ao relembrar os tempos que se vão ao longe, entendo o porquê deste amor a Pátria. O respeito aos símbolos nacionais e a gratidão ao querido povo da minha terra natal. Um povo simples, que na sua humildade, deixou um grande legado: Amor a Pátria e respeito aos homens de boa vontade. Por isso, quando falo do meu povo, meus olhos lacrimejam de tristeza e saudades.

                        Mas se a cidade está em festa, o meu coração também!

 

Peruíbe SP, 15 de setembro de 2021.

 

 

 

 

 

 

sábado, 11 de setembro de 2021

 

TORTURA

         

 Não sei por que me tortura, mulher.

Nas madrugadas frias não me deixa

E fazes do coração o que bem quer,

Brilha nos sonhos, tal qual a gueixa.

 

Quero esquecer-te, não sei se devo.

O teu corpo exala sedutor perfume.

 Penso que o amor é algo longevo.

Brilho resplandece como vagalume.

 

Desde a infância, tu vives em mim.

A tua doce lembrança me encanta,

E não sei por que vivo triste assim

Às vezes é deusa, noutra és santa.

 

Se tu me queres, abraça-me forte.

É o que humilde apenas eu peço.

Não tortura, seja minha consorte.

E eu te farei rainha do meu verso.

 

Peruíbe SP, 11 de setembro de 2021.

 

 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

FAROESTE CAIPIRA

 

                      Se tinha alguém fissurado em filme de faroeste, essa pessoa era eu. Todas as tardes, depois das aulas escolares, sentava na frente da televisão Telefunken e de lá não saia, nem mesmo com reza brava. Minha mãe, a mulher prendada e genitora amorosa, cuidava com esmero de seus deveres domésticos e eu ali, com os olhos grudados na telinha. “Moleque, vai dar milho para as galinhas.” E eu respondia sem desviar os olhos, porque não queria perder uma cena ou um lance: “Espera, já vou”.

                        Mesmo em preto e branco, eu viajava nas fantasias dos heróis. Aqueles, que protegiam a cidade e o povo, dos estranhos, que queriam tirar a paz do lugar. Imaginava junto com o Xerife e o mocinho, colocando ordem na cidade e os arruaceiros para correrem. Achava lindíssimo, o forasteiro chegar ao saloon e sem motivo algum, arranjar tamanha briga para, depois, enfrentar o mocinho e ser entregue ao Xerife.

                        A prova de que gostava de filme de faroeste, era que eu, meus irmãos e os amiguinhos, vestiam de mocinhos e bandidos, indo brincar no enorme quintal lá de casa. Fantasias à parte, a cidade era pacata até demais. Bastava ver, que a cela da cadeia vivia sempre vazia e criando teia de aranha.

                        Só se prendia cachaceiro e ele ficava ali, até curar a ressaca. Apenas um “cabeça seca” (policial) patrulhava a cidade. A Delegacia tinha-se apenas como peça decorativa, pois fechava para almoço e o delegado aparecia uma vez por mês, a fim de assinar o expediente, feito pelo escrivão.

                        À noite, o jardim da Praça Matriz era florido de eternos namorados apaixonados e as crianças brincavam até altas horas. Os muros das casas eram baixos e não se trancavam os portões frontais. No comércio, os clientes pagavam mensalmente e as despesas eram anotadas na caderneta. Havia um só Banco Financeiro e pelo fato do gerente conhecer pessoalmente todos os correntistas, não exigia avalista, para conceder o empréstimo. Enfim, pensa numa cidade pacata.

                        A vida copia a arte. Ou é ao contrário? Bem, sei lá. Ocorre que em meio à vida bucólica, a terrinha foi abalada com uma cena e penso poderia fazer parte do roteiro dos filmes, dos quais eu era vidrado. O acontecimento ficou encravado para sempre na minha memória. De vez em quando, transita pelo pensamento, como numa película de cinema. Não sei se meus conterrâneos se recordam do fato, que hora pretendo narrar.

                        Certa feita, já ao cair da tarde, num sábado onde o verdadeiro “Mercado Persa” era movimentado, um cidadão desconhecido, adentrou no armazém, que se localizava na esquina da Rua Rui Barbosa com a Rua Duque de Caxias, passando-se por freguês.

                        Por estar mal intencionado e armado, praticou o assalto. Aquele ato deixou aterrorizados os donos, funcionários e clientes. Após a empreitada criminosa, evadiu-se a pé, não sendo alcançado. Num lugar pacífico, onde nada acontecia de novo, aquilo virou comentário por semanas e semanas, causando revolta na população.

                        Então, formou-se um grupo, o qual prometeu vingança. “Aqui vagabundo não se cria”, vociferava “Mão de Onça” – de nome Godofredo da Silva, líder grupo. E raivoso completou: “Vamos pegá-lo, nem que seja a unha. Aquele sujeito vai receber um belo corretivo, para aprender e depois entregaremos para a polícia”.

                        Dito e feito. Passaram cerca de três meses do ocorrido e acreditando no esquecimento do povo, lá estava o larápio. Alguém alertou a volta dele e aquilo acendeu a chama da ira dos conterrâneos. Munidos de pedaços de paus, chicotes e peixeiras, a população e o grupo liderado por “Mão de Onça”, cercaram o armazém. Grito de morte ao forasteiro era o que mais se ouvia. “Crucifique-o, crucifique-o... crucifique-o”.

                        Não sei como, mas mesmo em meio aquele aparato de revoltosos, o malfeitor conseguiu fugir, em desabalada carreira. Ele subiu a Rua Rui Barbosa e adentrou à direita, na Rua Almirante Barroso, tomando rumo do cemitério. A população gritando e no seu encalço. Lembra-se do “Mão de Onça”? Pois é, montado em seu alazão, ganhou distância da população.

                        O fugitivo desesperado passou por dentro do campo santo, onde os que dormiam o sono eterno acordaram assustados. Não demorou muito, Godofredo da Silva, o nosso “Mão de Onça”, alcançou o dito cujo. Após imobilizá-lo, amarrou uma corda nos seus braços, em forma de algema.

                        De volta à cidade, desfilou com o ladrão por todas as ruas, exibindo-o como se fosse troféu. Na frente do armazém, sítio do crime, tomou uma baita surra de chicote, até quase desfalecer. Depois da reprimenda e muito humilhado, foi entregue ao Xerife (Delegado).

                        Aquela cena da fuga, da captura e do desfile pela cidade, preso a corda atada ao alazão do “Mão de Onça, transportou-me para dentro da telinha da televisão Telefunkem. Em preto e branco, lá eu dividi com meus heróis, o prazer de ver se fazer justiça. Na minha terra natal, também existia o “Faroeste Caipira”.

                        The end (O Fim).

 

Peruíbe SP, 08 de setembro de 2921.

 

 

sábado, 4 de setembro de 2021

A CURIOSIDADE E O MEDO

 

                       Numa cidade, onde nada acontecia de novo, as noites eram presenteadas com as mesmices de sempre. Durante a semana, todos enfurnados em seus lares, dormindo o sono dos anjos ou assistindo novelas, as quais pregavam um desserviço às famílias. Ao andar na rua, não se via uma viva alma, apenas a lua reluzente, como única companheira.

                        Para as crianças, depois de um dia cansativo de tantas brincadeiras, não tinha outra alternativa, senão dormir. Assim fazíamos, logo depois do jantar. O amanhã era um novo dia. Por falar em dormir, sonhávamos todos os sonhos possíveis durante o sono. Afinal de contas, o mundo da criança é repleto de pureza, onde só adentra nele, os retos de coração.

                        Eu via nos meus amigos de infância, esta simplicidade e esta inocência impar. Eu posso afirmar que José Marivaldo, meu colega do Grupo Escolar “José Belmiro Rocha”, era um deles. Certa feita, eu lembro que aportou na terra natal, um parque de diversões, denominado “Reino Encantado”. Só a notícia da chegada, foi uma grande festa. Era algo novo, que acontecia e a cidade sairia daquela mesmice de sempre.

                        Passado o período da montagem, isto é, num terreno baldio, onde hoje está fincado o hospital, até que enfim, chegou à noite de estreia. Durante o dia, um fusca lata-velha, com seu alto-falante, percorreu rua por rua, anunciando a inauguração. Aquilo chegou aos ouvidos de José Marivaldo. De repente, nada mais que de repente, ele estourou o porquinho (cofrinho de vidro, para guardar moedas), de dona Georgina, sua mãe, e surrupiou o que ela tinha economizado. Quando o parque de diversão ou circo se instalava na cidade, abria-se a temporada de caça às moedas.

                        Na noite de estreia, as dezenas de luzes, o som em enormes decibéis dos alto-falantes, os brinquedos coloridos, em movimento, chamavam atenção. Aquilo tudo era um convite para os conterrâneos saírem de suas clausuras. Por algum tempo, seria ponto de encontro da sociedade rica ou pobre.

                        Lá estava José Marivaldo, encantado com tudo aquilo, pois seus olhos brilhavam ao ver o chapéu mexicano, o tobogã, a roda gigante, os carros bate-bate, o quarto do terror, o barco enorme pra lá e para cá e a montanha russa. Isso sem contar com a barraca de tiro ao alvo, cujas balas eram feitas de cortiças e a pescaria com peixes de papel. Lá também se vendia pipoca, maçã do amor, pirulito, em forma de guarda-chuva, feito com melaço de açúcar, algodão doce e tanta coisa, que não me lembro. Afinal de contas, minha infância se vai longe.

                        José Marivaldo, meu amigo de infância, estava com dinheiro no bolso e não sabia com qual brinquedo iria gastar aquela dinheirama. Por fim, escolheu a roda gigante. Como se sentiria lá no alto? Das alturas, poderia visualizar toda a cidade e ver o “José Belmiro Rocha”, o Ginásio Estadual, a Praça Matriz, o sítio Assae Izaka, a Granja Helvetia, a fazenda Suíça e o campo de futebol? E se aquela gerigonça quebrasse o que seria dele? Iria se esfacelar todo, em meio às ferragens e chegar aos pedaços no solo? Tristeza aos pais, quando soubessem que ele saiu escondido. Sentiu um misto de curiosidade e medo.

                        Por ver pessoas sorrindo ao sair dela, criou coragem e lá foi ele. Todo feliz, viu as pessoas ficarem pequenas à medida que subia. Seus olhos admiravam a pequena e querida cidade do alto, chegou a ver a sua casa e quis acenar para família, como se ela pudesse ver sua aventura.

                        Mas alegria de pobre dura pouco. De repente a roda gigante parou de girar, no momento exato, que ele estava no topo. Ao parar, a cadeira balançou. Em frações de segundos, um turbilhão de imagens, inundou sua mente. Marivaldo sentiu-se caindo e morrendo. Um calafrio tomou conta do seu corpo e uma tontura imensa, ofuscou sua visão. O Estômago embrulhou e sem poder dominar os seus instintos físicos, borrou-se (defecou-se) todinho. Quem estava lá embaixo, pode ver o resultado do medo.

                        Quando chegou ao solo e muito envergonhado, o José Marivaldo saiu correndo e fugiu entre a multidão, de cabeça baixa. A partir daquela noite fatídica, José Marivaldo, o meu amigo de infância e de classe escolar, recebeu o apelido de “Roda Gigante”. Ele esbravejou, esperneou e xingou, mas o codinome ficou encravado na sua pele, como a marca de um ferrão. Para tentar aliviar o peso da chacota, ele dizia que foram bolinhas de gude, que caíram do bolso.

                        Quando deparo com parque de diversão, reporto-me à terra natal e daquele brinquedo, onde o meu amigo José Marivaldo foi imortalizado com o nome de Roda Gigante. A danada da roda gigante girou e continuou a percorrer o mundo. Mas o  meu amigo continuou ali na terra natal, como história viva do lugarejo.

                        “Ao ver a roda gigante, girando sem cessar. Encontrei momentos felizes, que passei na roda girar, na roda a girar. O povo se divertia, as crianças a cantar. E a roda gigante girava, girava sem cessar, sem cessar. Eu também entrei na roda, pensando em me divertir, encontrei com a garota, que também foi distrair...Compreendi, que não é sempre que o primeiro amor nos trás, a felicidade santa, ao coração de um rapaz.” – ouça a música “Roda Gigante”, de Arthurzinho.

                        Hoje as lembranças giram no meu pensamento, como aquela roda gigante da velha infância.

Peruíbe SP, 04 de setembro de 2021.