segunda-feira, 18 de abril de 2022

ROMANCE CAIPIRA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        A vida copia a arte ou a arte copia a vida? Para conhecer o mundo, não precisa sair de casa, pois ela é uma réplica do mundo. O que acontece ali, naquele pedacinho de chão, também acontece em todas as partes do planeta, ou vice-versa. Quem é devorador de cultura, em especial, livros tem esta ampla visão dos acontecimentos, que mudam o Universo real ou fictício.

                        O cotidiano dispõe de farta seara, onde se passam fatos reais ou pitorescos, que, se bem explorados, servem de enredo para estórias encantadoras. Uma vez bem narradas, eternizam-se na memória da humanidade devoradora de cultura, claro! Existem obras universais, que transcendem o tempo e o imaginário. Descrever todos os títulos de romances, dentro desta narrativa, é enfadonho demais.

                        O importante é reconhecer a sensibilidade e o conhecimento de quem os escreveu. Ao analisar o lugar e o comportamento das pessoas, onde nasceu e viveu o autor, torna-se possível entender a magnitude e a imortalidade da obra. Os causos contados retratam os cenários, costumes, penúrias e lutas da vida cotidiana. 

                        A título de informação cultural, basta lembrar-se dos romances: “O morro dos ventos uivantes”, de Emile Bronte; “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway, “O Alienista”, de Machado de Assis; “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos; “Olhai os lírios do campo” de Érico Veríssimo; “Gabriela”, de Jorge Amado e “Romeu e Julieta”, de William Sheakespeare e tantos outros.

                        Quando devorei o romance “Romeu e Julieta”, escrito em 1597, de imediato veio à lembrança o fato ocorrido na minha terra natal. Se William Sheakespeare, tão bem narrou a rivalidade entre as famílias de Romeu, os Montecchio e as de Julieta, os Capuleto; eu vou tentar sem o talento do confrade William, narrar a tragédia semelhante, ocorrida lá no meu sertão.

                        Naquele tempo, havia uma grande rivalidade entre as famílias “Silva” e “Fukushima”. Comerciante e dona de grandes posses, a família “Fukushima”, não queria se misturar com a família “Silva”, apenas simples lavradores. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente derrota do povo do Sol Nascente, a animosidade aumentou. O nascedouro de tudo aquilo, foi o amor que Mieko Fukushima despertou por Rubens da Silva.

                        No início, quando tudo estava às escondidas, o amor e o desejo dos pombinhos enamorados, transcorriam na mais santa paz. Mas numa cidade pacata e de costumes arcaicos, não demorou muito para o romance ser descoberto. A partir dali, Rubens e Mieko enfrentara todo tipo de batalha, para que o romance não fosse abalado.

                        O seu Shiguero, pai de Mieko, com ódio no coração, vociferava aos quatro ventos, no sotaque bem nipônico: “Mieko está desonrando nossa família e as nossas tradições. Não é permitido que outras descendências, venham fazer parte da nossa família. Se minha filha insistir neste romance, eu mato os dois”. A história gerou uma comoção no lugarejo e aquilo revoltou o povo. O coração é um mundo intransponível. O amor não tem fronteiras e nem limites.    

                        Ao invés de porem cabo às suas vidas, como Romeu e Julieta, o casal apaixonado da minha terra natal, vencendo todas as barreiras impostas pelas tradições do povo do Sol Nascente, resolveu fugir na calada da noite. A cidade acordou em festa com a notícia tão alvissareira. De gênio forte e ruim, o pai de Mieko não demonstrava estar abalado pela perda da filha, diante da decisão tão nobre dela.

                        Por muitos e muitos anos, não se teve notícias do paradeiro do casal. O que o povo almejava, era felicidade plena para Rubens e Mieko. “O amor venceu o preconceito”, diziam todos os conterrâneos. Para os que desejavam a união do casal, o que se ouvia, era: “O ódio é um veneno que a pessoa prepara e toma, esperando que os outros morram”.

                        O que se imaginava era que o casal gerara filhos, ou seja, mestiços lindos, perpetuando a miscigenação das raças e, diante do desafio e da coragem, unido os povos. Já na tenra idade, vivendo na minha terra natal, eu não conseguia compreender como o ódio e o preconceito, poderiam destruir o sonho e a felicidade das pessoas.                   

                        Ainda bem que Rubens da Silva e Mieko Fukushima não teve um fim trágico, como o de Romeu e Julieta. Assim termina a história romântica lá do meu sertão. O amor indestrutível do casal ficou conhecido e eternizado como: ROMANCE CAIPIRA.

 

Peruíbe SP, 16 de abril de 2022.

                         

                       

quinta-feira, 14 de abril de 2022

OS BÓIAS-FRIAS

 

Adão de Souza Ribeiro

                               Eles lá estavam a postos, todos os dias, com sol ou chuva, para mais uma batalha. Antes do término da ** quarta vigília (Lucas 12:38), isto é, antes das 06:00 horas, já se posicionavam em pontos estratégicos da cidade. Dali os trabalhadores podiam vislumbrar a lua, a qual, lentamente ia se deitar na linha do horizonte. No rosto de cada um, estava estampada a expressão de alegria.

                        Do lado extremo da cidade, partia um caminhão ou trator tracionado por carreta. Os veículos paravam em ponto por ponto, onde embarcavam os guerreiros e guerreiras, conforme já disse todos felizes. Envergados em seus uniformes, isto é, calça e camisa de manga comprida; alpercata nos pés; pano cobrindo o rosto, preso por chapéu aba larga, lá partiam todos felizes.

                        As armas usadas, para vencerem a batalha cotidiana, era a enxada, rastelo, foice e o facão. A comida, cuidadosamente organizada na marmita de alumínio, era composta de arroz e feijão, tendo como mistura, dia sim e dia não, ovo, refogados, mandioca cozida, frango ou batata frita. Uma comida simples, para saciar a fome.

                        Chegando ao campo de batalha, colocavam a marmita à sombra de uma árvore ou debaixo da saia do pé de café. Quando paravam para o almoço, isso por volta das dez horas, a comida guardada no embornal, já estava fria. Os caipiras chamavam a comida de "bóia", razão pela qual, eram chamados de bóias-frias. Do lado, uma moringa de barro ou cabacinha d’água e uma caneca feita de lata de massa de tomate. Os guerreiros almoçam em turma, aquela comida singela, mas eram felizes.  

                        Debaixo de um sol escaldante ou de uma chuva torrencial, lá estavam eles capinando ou apanhando o resultado da plantação, isto é, café, milho, amendoim, laranja, arroz, feijão, melancia, etc e tal. Os calos nas mãos, feitos pelo cabo do guatambu usado na confecção da enxada, rastelo, foice ou facão, marcavam feito ferrão, o árduo trabalho de um povo, que não rejeitavam qualquer empreitada.

                        No fim do dia, depois de mais uma luta vencida e já de volta ao aconchego do lar, os varões tomavam uma dose da “marvada” e pitava um cigarro feito de fumo de corda, enrolado numa palha de milho. As mulheres, por sua vez, preparavam a marmita do dia seguinte. O banho e uma “água de cheiro”, encerrava a rotina daquele povo batalhador. Ainda tinha energia de sobra, para fazer amor, enquanto as crianças dormiam.

                        O salário pago pelos patrões (sitiantes ou fazendeiros) acontecia nos finais de semana, isto é, na sexta-feira, para aqueles que trabalhavam por semana. Não eram registrados e nem gozavam de direitos trabalhistas. Já no sábado, vestiam a melhor roupa e se dirigiam para a cidade, a fim de fazerem compras (despesas) para a semana seguinte.

                        Depois da compra das despesas semanais da casa, as mulheres frequentavam o salão da cabelereira Gertrudes e as lojas de roupas, armarinhos e calçados, dos dois irmãos turcos, o Nagib e o Nassib. Já os homens fanfarrões, rumavam aos bares, na maioria de japoneses, com desejo de tomarem uma cerveja ou cachaça, acompanhadas de porções de torresmo ou ovo com sal.

                        Os encontros com os conterrâneos lavradores ou não, eram regados com as cantorias de violeiros, jogos de sinuca e carteados. As violas e as sanfonas “xonadas” encorajavam os artistas improvisados a cantarem músicas sertanejas raízes, as quais retratavam a vida dura e alegre do sertão. Histórias de decepções e superações amorosas.  

                        O movimento aos sábados, provocado pelos lavradores (bóias-fias), num vai-e-vem de pessoas, cavalos e charretes, transformava a cidade num “Mercado Persa”. O domingo, como de costume, era reservado à Santa Missa na Igreja Matriz, onde o padre sexagenário pregava a homilia. Já se discorreu sobre esse assunto, lembra?

                        Triste lembrar que o progresso introduzido na roça, proporcionou o êxodo rural. As ideias revolucionárias de padre comunista, um falso defensor dos fracos e oprimidos, ajudou a sepultar tudo aquilo. O comércio foi, aos poucos, cerrando as portas. A alegria enfiou a viola no saco e sem rumo partiu, para nunca mais. Hoje tudo parece um cemitério, onde as ruas choram lágrimas de tristeza.

                        No domingo, quando o sol se punha, era anúncio de que o caminhão de bóias-frias os levaria de volta a rotina, na segunda-feira. Eles recomeçavam a dura rotina, porém, felizes!


P,S: ** Para os Romanos, a noite era divididos em quatro períodos, chamados de vigílias. Cada período de três horas, começava às 18:00 horas de um dia e se estendia até às 06:00 horas do dia seguinte. Portanto, a quarta vigília, compreendia das 03:00 horas às 0600 horas.    


Peruíbe SP, 14 de abril de 2022.                  

 

quarta-feira, 13 de abril de 2022

LASCIVIAS

 

Adão de Souza Ribeiro

Um beijo e outro beijo;

Em cada beijo, o desejo.

De loucamente te amar,

Como a onda ama o mar.

 

Um abraço, outro abraço;

E em cada abraço, o laço,

Aperta uma dor, agoniza.

Madrugada busca a brisa.

 

Um olhar e outro olhar;

Em cada olhar, o divagar,

Querer cheio de nuanças.  

Dos amores de crianças.

 

A lascívia e outra lascívia;

Em cada lascívia, se alivia,

Desejo do corpo que arde.

Sacia antes que seja tarde!

 

Peruíbe SP, 13 de abril de 2022.

terça-feira, 12 de abril de 2022

CÚMPLICES

 

Adão de Souza Ribeiro

A canoa sente falta do mar

O canoeiro da canoa chora

Quando saem pra navegar

Tal da tristeza vai embora.

 

E o peão a falta de domar

O cavalo a falta do galope

Mas quando saltam no ar

Tudo passa com o chicote

 

Se o canário a falta do lar

O menino da sua arapuca

Mas quando a ave voltar

Volta a paz, cessa busca.

 

O poeta a falta da amada

A amada falta de carinho

Se amam de madrugada,

A alegria volta ao ninho!

 

Peruíbe SP, 12 de abril de 2022.

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

A BIGORNA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                               Ensina a criança no caminho em que deve andar e, ainda quando for velho, não se desviará dele– Provérbios 22:6.

                               No tempo de outrora, que já vai bem longe daqui, as pessoas eram forjadas na bigorna da vida. Ali aprendiam às duras penas, moldarem o bom caráter e arrastá-lo até o fim de suas existências. Não é redundância afirmar, que os ferreiros eram os pais. Por sua vez, os pais preservavam o remoto ofício de seus antepassados e, assim, o elo prosseguia.

                        As crianças que comigo cresceram e conviveram, sabiam definir o que era honestidade, ética, moral e bons costumes. Muito antes de irem á escola, já aplicavam as regras ensinadas pelos seus genitores. É fato que a cidade, por ser pequena e acolhedora, tinha seu quinhão de participação em tudo aquilo.

                        O tratamento de “senhor” ou “senhora”, deferido aos mais velhos; “benção pai...benção mãe’, ao deitar ou levantar; “muito obrigado”, ao receber uma gentileza ou algo; “vai com Deus!”, ao se despedir, eram algumas das regras básicas da boa conivência em sociedade. Agindo assim, os pais e a cidade, estavam preparando os homens do futuro.  

                        Havia três ou quatro televisores na cidade, ainda em preto e branco. E, por isso, era considerado objeto de luxo. Os programas veiculados, não estavam carregados de apelação sexual e nem de apologia ao crime e às drogas. As notícias não eram manipuladas e não tinham viés politico. Não se noticiava tragédia, porque tragédia não tinha.

                        Quando o filho aparecia com algo estranho em casa, os pais ordenavam, que “voltassem em cima do próprio rastro” e colocassem onde achou ou devolvessem a quem de direito. Há uma listagem enorme de boas maneiras, que as crianças educadas naquela época, carregam até hoje. Isso sem contar com a convivência da boa vizinhança.

                        Os brinquedos, masculino ou feminino, eram confeccionados pelas próprias crianças e, por isso, tinham um encanto impar e povoavam a imaginação dos pequerruchos. Nada era pré-fabricado, razão pela qual, aguçavam a mente dos impúberes. Eu vivenciei tudo aquilo e sei de cátedra, como é.

                        O fio de bigode avalizava toda e qualquer palavra empenhada, por isso, dispensava os papéis com assinatura, testemunhas e carimbo. Não era atoa a expressão “Aquele é homem de palavra”. Honestidade não era imposição, mas, sim, dever. Os exemplos começavam com os pais e cidadãos do bem. Cabia à escola, a sagrada missão de ensinar; já aos pais, a de educar. É sábio o dizer: "A educação vem de berço.".

                                   Aquelas crianças, hoje adultas, lançadas na selva de pedra, sentem-se perdidas e fora de seu habitat natural. No entanto sobrevivem, porque são pessoas de fibra. Elas fazem parte de uma geração extinta. Eu, sem qualquer soberba, sinto-me orgulhoso de ter nascido naquela época e de ter sido forjado naquela bigorna, onde, o ferreiro era meu pai.

                        Nós vivemos num mundo, onde, todos os dias, recebemos uma descarga de todo tipo de informação. A mídia quer seja ela escrita, falada ou televisada, nos bombardeia com as mais diversas informações, prejudiciais ou não, a nossa formação. Como a “Velhinha de Taubaté” *, digerimos sem, ao menos, sabermos o sabor. Para elas, pouco importa, se tivermos uma indigestão ou não.

                        Graças à bigorna da vida, hoje sou um homem bom e propenso ao bem!

 

P.S: “A Velhinha de Taubaté”, obra de humor do escritor Luiz Fernando Veríssimo, publicada em 1983, pela Editora Saraiva.

 

 

Peruíbe SP, 11 de abril de 2022.

 

EH, VIDA DE GADO!

 

Adão de Souza Ribeiro

                   Quando pequeno, ficava observando a boiada passar pela estrada, defronte minha casa. Na frente, o sinoeiro com paciência mostrava o caminho a ser percorrido até outra fazenda, ou, talvez, para o matadouro. O barulho pesaroso do berrante ecoava pelo sertão e eu ficava ali, embriagado por aquela cena campesina.

                        O poeirão deixado pela manada, coloria o passado de saudade. O cachorro mateiro, numa fidelidade invejável, ajudava os peões na condução dos bois e no alerta sobre bichos predadores ou peçonhentos. Em passos lentos e despreocupados, lá ia à boiada e os boiadeiros, rumo ao desconhecido. E eu ali, observando com ternura, pequeninas coisas, que o mundo moderno desconhecia.

                        O tempo passa, a vida passa, mas a saudade permanece. Chamava atenção, quando um boi arredio dispersava do bando. Imediatamente, o peão auxiliado pelo Pitoco, aquele cão fiel, arrebanhava de novo para o grupo. Às vezes, o boi relutava, mas era vencido e obrigado a seguir de cabeça baixa, o destino da manada.

                        E assim, a cena desenvolvia-se diante dos meus olhos, como numa película de cinema. Quando o boi era bravio, ficava atrelado a outro boi condutor, através de uma canga. O outro, pacientemente, arrastava-o. Parece até que dizia: “Calma menino, essa é nossa vida, esse é nosso destino”.

                        Eu ficava imaginando o que se passava na mente de cada boi e olha que eram centenas de cabeças, as quais, vistas de longe, formavam um tapete. Será que eles teriam o amanhã, ou o momento deles era quando? De vez em quando, ouvia-se o mugido triste de um boi revoltado com o destino, mas ele nada podia fazer para mudar o rumo da sua própria história.

                        Seu protesto era engolido pela manada. O tempo passou, a vida passou, mas a saudade não passa. Hoje, passado muitos anos, encontro-me na cidade grande... grande em maldade... grande em tristeza. Da janela do apartamento, vejo um povo triste e solitário, caminhando pelas ruas e vielas, seguindo um destino incerto.

                        Como num toque de mágica, volto aos tempos lá do campo e revejo a manada passando defronte da minha casa. Não há poeira, nem mugido e nem grito de peões. O povo segue calado, rumo ao matadouro ou ao despenhadeiro, talvez. Quando estou no auto-coletivo e vejo aquele monte de velhos e deficientes empastelados ali, antes da catraca; fila de banco que não anda há horas; um trânsito engarrafado, que percebe que nada mudou.

                        Vejo que o homem e o boi são eternamente semelhantes. Vai pacientemente rumo ao aniquilamento total... não se rebelam... não riem e nem levanta a cabeça. Preocupa-me saber que o homem, um boi pensante, segue as ordens de lideres corrupto ou autoritário e digere com naturalidade as determinações recebidas.

                        Já o boi irracional, embriagado com o som do berrante ou com a cantoria dos peões, pensa que a vida segue apenas as pegadas de um destino nebuloso e incerto. Marcado pela espoliação das classes dominantes o homem segue solitário, rumo ao despenhadeiro. Ao final da caminhada, o homem e o boi, cantam a velha canção de um artista, forjada na bigorna da ditadura militar, que diz: “Eh, vida de gado. Povo marcado, povo feliz”.

Peruíbe SP, 19 de setembro de 2005.

domingo, 10 de abril de 2022

MEU AMOR

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                                   Desde que te conheci, tornastes uma pessoa especial para mim. A vida passou a ter um sentido todo especial. Todas as vezes que conversamos, sinto que algo de belo acontece dentro de mim. Só tu tens o dom de mudar meu destino. Ouvir a tua voz é como bálsamo para a alma e para o espírito. 

                                   Estou certo de que logo estaremos juntos e, só então, poderemos desfrutar de momentos prazerosos. Acredita minha pantera, que os nossos corações já se conheciam há muitos anos, pois já tornastes parte de mim. Digo isso, porque não consigo ficar um dia sem falar contigo. Sem perceber, tu tornaste o meu vicio.

                                   À bem da verdade, não vejo a hora de poder acariciá-la, poder sussurrar nos teus ouvidos, tudo o que sinto por ti. Há que vontade louca de tocar teu corpo e poder penetrar no fundo do teu coração. Com meus lábios, tocar os teus lábios ardentes, como que para beber a seiva da tua existência.

                                   Faremos da noite, uma eterna história de amor. Vamos, debaixo do lençol, embriagarmos de tanto prazer. Far-te-ei gozar mil vezes, até alcançar as estrelas e delas buscar a poesia do prazer total. Nos teus seios, tocarei com a delicadeza de uma flor e deitarei no teu ventre acolhedor, como uma criança no sono infantil.

                                   Meu amor não deixe que as sombras da vida, escondam a alegria que brota de teus olhos e que fazem de ti, uma mulher especial. A tua voz, emite sons adocicados, que acalentam os meus sonhos infantis e eróticos. Viajo na ilusão de poder possuir-te no leito da ternura, sem pressa com o dia que pode surgir a qualquer momento.

                                   Quero, no momento de nossas loucuras carnais, poder conduzir-te a um mundo que só a nós pertence. Não há de se importar com os barulhos vindos de fora e nem com a censura daqueles que não sabem o que é felicidade. Quero e, por isso, iriei lutar incansavelmente, para que nunca mais deixes o aconchego dos meus braços e o calor do meu corpo.

                                   Acredite amada minha, que doravante serás uma princesa a reinar no meu mundo de fantasias e loucuras. Não tenhas medo de dizer que sentes desejo de ser possuída pelo seu amado, que queres ser penetrada numa fúria louca, que queres fazer do momento de gozo, um instante infinito. Saibas minha pantera, que serei teu dono e teu escravo, na ânsia louca de ter devolver o direito de ser fêmea, de ser mulher, em toda a tua plenitude.

                                   Quando estivermos cansados de tanto prazer, descasaremos o nosso suor, na tranquilidade do nosso leito, na solidão gostosa de nossas almas e na cadência suave da pulsação de nossos corações, cumplices um do outro. Por tudo isso, amada minha, peço que preserves a tua vida e o teu corpo, para este senhor do teu mundo... do teu futuro... do teu destino. Não tenhas pressa, pois o amanhã é um caminho misterioso a ser percorrido de mãos dadas.

                                   Sei mulher, que a vida reservou para nós, todas as benesses que temos direito, portanto, vamos desfrutá-las sem preconceito e sem medo de sermos felizes.

                                   Mil beijos!

Jardim do Éden, 27 de julho de 2006.

PROPAGANDA: ENTRE O MITO E O MICO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                                               É certo que num país capitalista, o que interessa é o consumo. Antes de tudo, a indústria vê em você, um consumidor em potencial. Para o sistema comercial, não interessa se o produto a ser oferecido é nocivo ou não à sua saúde, se trará ou não resultados positivos no seu dia a dia. Lembre-se que, antes de tudo, você é apenas uma massa de manobra. Por ser um consumidor contumaz, torna-se alvo fácil.

                                               Em nome de um consumismo desenfreado, fabrica-se e vende-se de tudo. Atrás dessa massificação comercial, estão os interesses da indústria nacional e internacional. Todos lucram com produtos benéficos ou maquiados, menos você. Isso se deve a desinformação de quem está comprando e, por conseguinte, consumindo aquilo que é apresentado. Normalmente, a indústria usa os meios de comunicação, para divulgar aquilo que produz e que almejam ser vendido.

                                               Lembro-me que, antes do advento da televisão, eu só tomava conhecimento de algum produto novo no mercado, quando, a pedido de minha mãe, dirigia-me ao “Armazém do Takada”, na “Quitanda do Josias”, no “Bar do Iwai”, no “Bazar do Abraão”, na minha cidade natal. Não havia nos recipientes, que envolviam os produtos, agressividade nos anúncios, quer seja com dizeres ou fotos. Eu, como consumidor, apenas buscava analisar a qualidade. Por ser uma cidade interiorana, tudo era natural, inclusive o que se comprava.

                                               Nos anos setenta, quando a televisão não era colorida e, principalmente, por não dispor de uma tecnologia avançada, os anúncios valorizavam os produtos exibidos. Como poucas pessoas tinham esse aparelho em seus lares, a divulgação de produtos, era muito restrita. Mas, pelo que me lembro do que era exibido na telinha, o foco era o produto e não imagens vãs, que poderiam confundir o telespectador.

                                               Mas com o passar do tempo, tudo mudou. Houve uma propagação daquele meio de comunicação. A televisão foi invadindo os lares simples da minha cidade natal e, por força do progresso, a mudança de comportamento social. Não demorou muito e, com a ajuda de recursos tecnológicos, os produtos anunciados ali, perderam a sua essência e o seu romantismo. Os criadores de propaganda passaram a inserir imagens apelativas, a fim de chamarem a atenção do consumidor.

                                               Aos poucos, ainda na minha infância, vi mulheres seminuas e de corpo escultural lambuzando com creme de beleza, vaqueiros valentes fumando sobre seus alazões, artistas de novela tomando cerveja, atletas famosos conduzindo veículos caríssimos e por aí se vai. Embriagava-me com tudo aquilo, porém, mal sabia que, por traz daquela apelação, havia estudiosos do comportamento humano. Sabiam atingir um público alvo, sem muito esforço.

                                               Hoje, por não ser tão abestalhado, como naqueles tempos pretéritos, tomo conhecimento que existe um estudo chamado “neuromarketing”. Os cientistas procuram estudar o comportamento do cérebro, diante de uma imagem ou de uma mensagem recebida. Debruçados nessa tal pesquisa, na clausura de seus laboratórios, passaram a esmiuçar o cérebro, a fim de entenderem o que se passa na cabeça dos homens e mulheres, bem como, o efeito da propaganda, quando visualizada.

                                               Os cientistas loucos descobriram que o cérebro é dividido em três regiões, quais sejam: neocortex (ligado à razão), sistema repitilico (relacionado aos instintos) e límbico (que processa as emoções). Esse estudo permite que, ao descer no subconsciente da pessoa, a indústria saiba o que consumidor percebe e sente, ao entrar em contrato com o produto a ser consumido. Diante do estudo, notou-se que há quatro mitos sobre o cérebro, quanto à vinculação de anúncios, a saber: 1) sexo vende, 2) fazendo merchandising em programas de televisão é sempre um bom negócio, 3) imagens trágicas desestimulam comportamentos e 4) estatísticas são os melhores argumentos.

                                               Diante do que a indústria capitalista produz, do mito descoberto pelos cientistas, em ajuda as empresas de propaganda, só não quero pagar mico, ao consumir aquilo que me é empurrado goela abaixo.

 

Peruíbe SP, 03 de maio de 2018.

ELEGIA A VIDA

                                                                                              Adão de Souza Ribeiro

 

Quando o Grande Arquiteto do Universo,

Permitir que eu respire o último fôlego.

Quero só rabiscar em prosa e em verso,

Todos os sonhos, lutas e desassossego.

 

Hei de relembrar o caminho percorrido,

Durante os vendavais que foram tantos.

Mas que fez de um sonho mais garrido,

Marca escrita nos meus cabelos brancos.

 

Quando a morte, bela amada sorrateira,

Beijar suavemente o rosto já enrugado.

Eu vou brincar de ser feliz à noite inteira,

Voltar a ser criança, como era no passado.

 

Se o brilho destes olhos fechar de repente

E meu corpo dormir na mansão do amanhã,

Vou escrever que amei a vida e tanta gente

E que fiz da poesia de amor, meu doce divã.

 

Se o Grande Arquiteto do Universo permitir,

Que eu permaneça por aqui, um pouco mais.

Quero viver, brincar, sonhar, amar e sorrir,

Feito criança, pelas ruas, praças e quintais.

 

Peruíbe SP, 12 de janeiro de 2010.

 

 

 

 

O DRAMA DA FAMÍLIA JAMBOLÃO

 


Adão de Souza Ribeiro

 

                                   Somos uma família centenária. Os nossos tataravós tinham o sobrenome de Syzygium Jambolanum. Contam os pesquisadores, que as sementes de nossa família Myrtaceae, vieram da Índia, em época não declarada. Aqui, no “Reino Caiçara”, somos tratados como Jambolão, mas em outros reinos, somos conhecidos como: azeitona-preta, oliveira, jamelão, brinco-de-viúva, guape, etc e tal. No meu país de origem, i.e, a Índia, além do consumo natural, os nossos frutos, são usados na confecção de doces e tortas.

                                   Eu, José Jambolão, minha esposa Maria Jambolão e minha filha Florisbela Jambolão, nascemos há centenas de anos, numa esquina qualquer do “Reino Caiçara”. Quando nascemos, o reino nem existia. Ao nosso lado, havia outras espécies de árvores e de plantas. Os animais, insetos e pássaros, acompanharam o nosso crescimento e a nossa infância. Dali, podíamos contemplar o mar, porque não havia árvores de concreto para ofuscarem a nossa visão. Os bichos de lata e que soltavam “pum” (peido) fedorentos, não existiam nem mesmo em nossas mentes.

                                   À medida que ganhávamos forma adulta, vinham abrigar-se entre nossos galhos e folhas, os bichos e os pássaros. Nós nos encantávamos com os filhotes nascendo em ninhos, confeccionados em nossos galhos e camuflados por nossas folhas. As nossas sedes eram saciadas por chuvas abundantes, que, além de banhar nossos galhos, folhas e caules, penetravam suavemente no solo, proporcionando a energia necessária que tanto precisávamos para sobreviver.

                                   Trouxemos em nosso DNA, a altura imponente de cerca de dez metros de altura, sendo chamadas pelas demais plantas, de árvore frondosa. O nosso fruto, medindo entre dois e três cm de comprimento, envolto em polpa carnosa e apesar de sabor adstringente, era agradável ao paladar. A casca do nosso caule era usada na cura de hemorragia, leucorreia e desenteria. Já o pó da nossa semente era usado contra diabetes e prisão de ventre.

                                   Eu, minha esposa e minha filha, vivíamos numa felicidade plena. Embora estáticas ali, brincávamos com o vento, o qual assoviava ao passar entre nós. À noite comtemplávamos a beleza do céu estrelado e da luz da lua. Já durante o dia, suportávamos o sol escaldante e nos regozijamos em proporcionar sombra aos transeuntes (animais, aves e insetos). Rezámos para não sermos atingidos pelos raios, durante longas tempestades. Nas noites enluaradas, eu, minha esposa e minha filha, ficávamos conversando sobre assuntos diversos, como por exemplo, a fauna e a flora.

                                   Mas os anos passaram, a vida passou, até que um dia, um padre vindo de outro continente, aportou por aqui, onde nem “Reino Caiçara” ainda era. Não foi bendito o dia, pois, a partir dali, o nosso destino seria selado. A fome e a ganância do bicho-homem seriam plantadas em nossa terra. Em nome da ganância, criou-se um desmatamento incontrolável. Atrás dele, as construções de taperas, formando povoados. Os índios, seres nativos, não nos atacavam, pois, tirava de nós, o suficiente para sobreviverem. É certo que de lá para cá, não tivemos mais sossego.

                                   A nossa vida bucólica, foi violentada e, de forma selvagem, perdemos o encanto pela vida. De lá para cá, durante as noites enluaradas, gastamos nosso tempo, não mais com assuntos diversos, mas, sim, com lamúrias sobre um futuro incerto. A velhice chegou, mas continuávamos firmes, pois as grossuras de nossos caules permitiam a ousadia de resistirmos ao tempo. Não havia dúvidas de que teríamos outras centenas de anos pela frente, se não fossemos afrontados. Os nossos frutos saciavam a fome dos viajores que por aqui passavam.

                                   Um dia, sem que se esperasse, o progresso bateu á nossa porta. Como um amante intruso, violou nosso mundo, roubando nossa paz familiar. Matou todas as árvores de menos porte, nossas vizinhas. Os seres viventes (animais, aves e insetos), desapareceram como num toque de mágica. Os rios caudalosos foram encobertos por um material duro (asfalto), secando assim, nossa esperança de sobrevivência. Por sermos fortes, como as rochas, conseguimos sobreviver. Sentimos saudade do canto dos pássaros, da canção da chuva, do frescor do rio, do rugir das jaguatiricas, do zinir das abelhas. O progresso expulsou o clima tropical e o calor ficou cada vez mais escaldante.

                                   Florisbela Jambolão, nossa filha única, na sua inocência vegetal e já desencantada da vida, profetizou: “Um dia, o bicho-homem vai nos matar”. Retruquei; “Matar por que, não fazemos nenhum mal a ele ou a natureza?”. Maria Jambolão, minha eterna companheira, com lágrimas escorrendo pelos galhos, resmungou em voz alta: “A voracidade do progresso e a ganância do bicho-homem, forma um veneno letal”.

                                   Não tardou e fomos surpreendidos por serviçais do reino, os quais, munidos de motosserra, machados, serrotes e correntes, caminhões-guinchos, vieram nos assassinar. Não adiantou o nosso clamor, pois o som ensurdecedor dos motosserras feriu de morte nossos corações. As pancadas dos machados afiados sangraram nossas artérias. Fomos esquartejados ali e nossos membros, arrastados por correntes e colocados nas carrocerias dos caminhões. Gritar por socorro, para que? Não mais havia árvores vizinhas para nos esconder e nem mesmo os animais ferozes, para afugentar o bicho-homem. 

                                   Triste saber que a ordem de execução, partiu do vice-Rei, o qual nem mesmo havia sido empossado no trono do Reino Caiçara. Consta que ele era dono de uma construtora de taperas e, por isso, tinha interesse imobiliário na construção de um arranha-céu, no lugar onde nascemos. Dada a ordem imperial, nada mais restou senão cumprir a ordem, desrespeitando a Lei do Idoso (somos centenários). Não houve cortejo fúnebre, pois ninguém deu importância aos nossos corpos esquartejados, sobre a carroceria dura de um caminhão oficial, pelas ruas silenciosas do reino.

                                   Havia uma árvore no meio do caminho. No meio do caminho havia uma árvore.

 

Peruíbe SP, 16 de janeiro de 2016.

UM NEGÓCIO DA CHINA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Mohamed Nagib Salim Abraão há anos fincou morada na cidadezinha do interior. Casou, constituiu família, criou filhos e tornou-se patrimônio do município. Para sobreviver, logo após a chegada, montou uma loja de armarinho. Com uma linguagem enrolada, fruto da origem turca, conquistou a simpatia de todos os moradores do lugarejo. Tinha um “feeling” para o comércio. A pessoa não saia do seu armarinho, sem comprar algo. Se o cliente não tinha dinheiro, ele parcelava em suaves prestações, até perder de vista.

                        “Salim do Armarinho”, como era carinhosamente chamado, gostava de negociar os produtos. Nas prateleiras, expunha tecidos, os quais, a pedido dos clientes, eram cortados por metro. Ficavam enrolados em pranchas retangulares, conhecidas como fazenda. Também vendia aviamentos de costura e miudezas em geral. Roupas masculinas e femininas, para adultos e crianças. Tudo que as costureiras e donas de casa precisavam, bastava ir no “Armarinho do Salim”, que encontrava. Se por descuido, não tinha o produto, Salim providenciava com urgência.

                        Quando não tinha cliente gastante, no interior da loja, danava prosear com os amigos e a contar histórias saudosas da Turquia e de outros países das bandas do Oriente Médio. Um grande apreciador de Raki e Muhallebi. Admirador da dança do ventre e do som dos instrumentos saz, davul e zuma. Até hoje ele não entende, como pode se apaixonar por uma mulata, de raízes nordestinas, de nome Edileuza Maria. Repartiu o amor às danças folclóricas turcas com o forró nordestino.

                        Com passar dos anos, foi se adaptando aos costumes da terra além-mar. Não demorou, para tornar-se parte da história daquela pequenina cidade, encravada no interior do Estado paulistano. Só não perdeu a graça e a habilidade para o comércio. Comprar e vender eram com ele mesmo. À bem da verdade gostava mesmo era de vender. Se brincasse, vendia até o Cristo Redentor. Era um murruga... um mão-de-vaca, quando se tratava em comprar algo. Tinha hábito de pechinchar tanto, que acabava adquirindo o produto a baixo custo ou até levava gratuitamente.

                        Não há registro nos livros do lugarejo, a história de que algum matuto tenha conseguido levar vantagem econômica em cima de esperteza do “Salim do Armarinho”. Se tentasse, seria uma luta inglória. Ainda corria o risco de ser alvo de chacotas, diante da derrota nos negócios travados com o velho e esperto turco, o “seu” Salim. Certa feita fizeram apostas entre os botequeiros de plantão, frequentadores do “Bar do Zé Mané”, de quem conseguiria engambelá-lo. Como não teve ganhador, o dinheiro foi doado à igreja matriz, para santa padroeira.

                        Lembranças arquivadas na memória do tempo faziam reviver o comércio local, nos finais de semana. Tudo recordava o comércio persa. Os sitiantes e lavradores, vinham aos montes, ora a pé e ora em carretas de trator, carroças e charretes e lombos de cavalo, a fim de realizarem a compra da semana. Os bares cheios de cachaceiros e violeiros, os armazéns atarefados em atenderem os clientes, os desfiles das cabrochas na praça matriz. As ruas num vai e vem danado de pessoas apressadas e felizes, dava um colorido especial aquele lugar.

                        Em meio ao turbilhão de pessoas, andando para lá e para cá, estava o “seu” Salim. Vendendo produtos e espalhando alegria, lá estava ele sorrindo à toa. Edileuza Maria, a nordestina arretada, ajudava no caixa, pois, como turco que era, desconfiava de tudo e de todos. “Um olho no padre e outro na missa”, dizia ele. E arrematava: “O olho do dono é que engorda o porco”. Em meio à correria, esquecia até de comer um pedacinho de baklava. Já a esposa, uma mulata por demais de bonita, de vez em quando, sem cliente na loja, lançava mão de um pedaço de mungunzá e comia até lambuzar o beiço.

                        A loja, que ficava na Rua Rui Barbosa, era tida como ponto turístico. Visitar a cidade e não entrar no “Armarinho do Salim” era como ir à feira e não comer pastel. Especulava-se que a Câmara Municipal, tombaria a loja como patrimônio histórico. Verdade é que, o que ora se narra, fez e fará sempre parte, das doces lembranças de que vivenciou um tempo maravilhoso, na pacata cidade de nossa infância. Há outras histórias a serem contadas, mas ficam para outra oportunidade não muito distante.

                        Encabula, sobremaneira, o fato de que, quando alguém conseguia fazer um bom negócio com “seu” Salim, isto é, adquirir mercadoria por um preço bom, sem levar vantagem com ele, pois aquilo era impossível, sempre diziam: “Fiz um negócio da China”. Por que não diziam: “Fiz um negócio das Arábias”, o que era correto. Sorte de quem viveu naquela época e presenciou os tempos bons de outrora. Pelo que se sabem, naqueles anos dourados, a China exportava quinquilharias, de razoável qualidade e a preço de banana, mas não doenças e vírus criados em laboratório.

                        Crê-se que era por isso, que todos gostavam de fazer negócios com o “seu” Salim. Embora murruga e uma mão-de-vaca, sabia cativar as pessoas e que, por aquela razão, espalhava alegria a todos os habitantes da pacata cidade interiorana.

                        O velho e querido Salim, espalhava felicidade e não o medo.

 

Peruíbe SP, 20 de março de 2010. 

 

sábado, 9 de abril de 2022

OS DOIS LEÕES

 Adão de Souza Ribeiro

 

                                   Há dentro de nós, desde que nascemos dois seres antagônicos.

                                   Por terem personalidades próprias, vivem em eterno conflito, buscando cada um a seu modo, demarcar o território e impor seus gostos e suas ideias. Numa luta desenfreada, sem visão futura de conciliação, ferem-se e se magoam, como se não houvesse uma solução de paz entre si.

                                   Um desses seres é responsável pelas grandes tragédias, que assolam a humanidade, desde o início da criação. É implacável nas suas decisões, não se importando com o resultado pernicioso de suas ações. Pela sua mão, nações foram dizimadas, animais extintos, inocentes padeceram em cadafalsos, o pecado faz-se presente, a corrupção ganhou forma, etc e tal.

                                   Já o outro ser, aparentando fragilidade, faz com que pela sua mão, o mundo seja mais belo, as pessoas mais compreensivas, a natureza menos sombria. Este age pela emoção e poucas vezes pela razão. Embora seja taxado como ingênuo, carrega sobre seus ombros, a responsabilidade de uma vida repleta de felicidade, para os homens e para a natureza.

                                   Enquanto eles se digladiam dentro de nós, feitos leões bravios, na arena da incompreensão, sofremos demasiadamente. Longas noites de pesadelos fazem com que percamos noção do tempo e do espaço. Somos apenas marionetes nas mãos do desconhecido, frágeis seres em busca da perfeição.

                                   Se nascermos com livre arbítrio, para decidirmos sobre nossos destinos, que façamos à luz da razão. Que as colunas da sabedoria, da força e da beleza, protejam-nos com suas bases seculares e não nos deixem cair nas garras das tentações mundanas! O sol que nasce no oriente, conduza-nos para o desenvolvimento do espírito e da alma. O olho que tudo vê, não há de nos perder de vista.

                                   Não devemos temer os desafios impostos pela vida, nem os despenhadeiros existentes nos caminhos do futuro. Vencer as paixões, fruto da alma e enaltecer a beleza, vinda do coração, faz com que sentimo-nos mais leves, mais humanos e eternos. A imortalidade da alma é fruto da compreensão humana. Por isso, os dois seres que habitam dentro de nós, devem ser amainados e conduzidos pelas veredas do amor e da justiça.

                                   É certo que um gerou sucessores, tais como a inveja, usura, ganância, mentira, gula, ódio, pecado, violência e toda sorte de mazela; já o outro, benevolência, amor, paz, verdade, sonho, felicidade e tudo que possa redundar em prosperidade para o homem e para a humanidade. Estes dois seres, de que tanto falamos, são o vício e a virtude.

                                   Ao final, no silêncio do nosso “eu”, devemos indagar: “Qual dos dois seres, há de ser sacrificado na arena da paz interior, para que possamos desfrutar do prazer de ver a beleza do rosto do Grande Arquiteto do Universo?”. Cremos que a resposta é o maior segredo, que cada um de nós guardaremos sob sete chaves, no fundo do nosso coração.

 

Peruíbe SP, 22 de março de 2006

sexta-feira, 8 de abril de 2022

CORAÇÃO DE MENINO

 

Adão de Souza Ribeiro

Vejo que meu coração de menino

Mora eternamente dentro de mim

Tudo é sempre sonho e um hino,

Navegando nas asas do querubim.

 

O coração infantil, juízo não têm.

E maldade no peito, menos ainda.

As brincadeiras de amor vão além,

Da mansidão da tarde que se finda.

 

A velha saudade espia pela fresta,

A felicidade que se foi e não volta

Do sonho infantil, nada mais resta.

A tênue lembrança, atrás da porta.

 

Na rua descalça e sob a lua cheia,

Desfila o seu amor, toda dengosa.

Instigando a doce fantasia alheia,

E por onde passa o cheiro de rosa.

 

Não aprende o menino sonhador,

Que tudo é frágil e, um dia, passa.

E só fica o cheiro da menina flor,

A povoar o sonho e fazer pirraça.

Peruíbe SP, 09 de fevereiro de 2010.