Adão de Souza
Ribeiro
Eles lá estavam a postos, todos
os dias, com sol ou chuva, para mais uma batalha. Antes
do término da ** quarta vigília (Lucas
12:38), isto é, antes das 06:00 horas, já se posicionavam em pontos estratégicos da
cidade. Dali os trabalhadores podiam vislumbrar a lua, a qual, lentamente ia se deitar na linha
do horizonte. No rosto de cada um, estava estampada a expressão de alegria.
Do lado extremo da cidade, partia um caminhão
ou trator tracionado por carreta. Os veículos paravam em ponto por ponto, onde
embarcavam os guerreiros e guerreiras, conforme já disse todos felizes. Envergados
em seus uniformes, isto é, calça e camisa de manga comprida; alpercata nos pés;
pano cobrindo o rosto, preso por chapéu aba larga, lá partiam todos felizes.
As armas usadas, para vencerem a batalha cotidiana,
era a enxada, rastelo, foice e o facão. A comida, cuidadosamente organizada na
marmita de alumínio, era composta de arroz e feijão, tendo como mistura, dia
sim e dia não, ovo, refogados, mandioca cozida, frango ou batata frita. Uma
comida simples, para saciar a fome.
Chegando ao campo de batalha, colocavam a
marmita à sombra de uma árvore ou debaixo da saia do pé de café. Quando paravam
para o almoço, isso por volta das dez horas, a comida guardada no embornal, já
estava fria. Os caipiras chamavam a comida de "bóia", razão pela qual, eram chamados de bóias-frias. Do lado, uma moringa de barro ou
cabacinha d’água e uma caneca feita de lata de massa de tomate. Os guerreiros
almoçam em turma, aquela comida singela, mas eram felizes.
Debaixo de um sol escaldante ou de uma chuva
torrencial, lá estavam eles capinando ou apanhando o resultado da plantação,
isto é, café, milho, amendoim, laranja, arroz, feijão, melancia, etc e tal. Os
calos nas mãos, feitos pelo cabo do guatambu usado na confecção da enxada, rastelo,
foice ou facão, marcavam feito ferrão, o árduo trabalho de um povo, que não
rejeitavam qualquer empreitada.
No fim do dia, depois de mais uma luta vencida
e já de volta ao aconchego do lar, os varões tomavam uma dose da “marvada” e
pitava um cigarro feito de fumo de corda, enrolado numa palha de milho. As
mulheres, por sua vez, preparavam a marmita do dia seguinte. O banho e uma “água
de cheiro”, encerrava a rotina daquele povo batalhador. Ainda tinha energia de
sobra, para fazer amor, enquanto as crianças dormiam.
O salário pago pelos patrões (sitiantes ou
fazendeiros) acontecia nos finais de semana, isto é, na sexta-feira, para aqueles
que trabalhavam por semana. Não eram registrados e nem gozavam de direitos
trabalhistas. Já no sábado, vestiam a melhor roupa e se dirigiam para a cidade,
a fim de fazerem compras (despesas) para a semana seguinte.
Depois da compra das despesas semanais da
casa, as mulheres frequentavam o salão da cabelereira Gertrudes e as lojas de roupas, armarinhos e calçados, dos dois irmãos turcos, o Nagib e o Nassib. Já os homens
fanfarrões, rumavam aos bares, na maioria de japoneses, com desejo de tomarem
uma cerveja ou cachaça, acompanhadas de porções de torresmo ou ovo com sal.
Os encontros com os conterrâneos lavradores
ou não, eram regados com as cantorias de violeiros, jogos de sinuca e carteados.
As violas e as sanfonas “xonadas” encorajavam os artistas improvisados a
cantarem músicas sertanejas raízes, as quais retratavam a vida dura e alegre do
sertão. Histórias de decepções e superações amorosas.
O movimento aos sábados, provocado pelos
lavradores (bóias-fias), num vai-e-vem de pessoas, cavalos e charretes, transformava
a cidade num “Mercado Persa”. O domingo, como de costume, era reservado à Santa
Missa na Igreja Matriz, onde o padre sexagenário pregava a homilia. Já se
discorreu sobre esse assunto, lembra?
Triste lembrar que o progresso introduzido na
roça, proporcionou o êxodo rural. As ideias revolucionárias de padre comunista,
um falso defensor dos fracos e oprimidos, ajudou a sepultar tudo aquilo. O
comércio foi, aos poucos, cerrando as portas. A alegria enfiou a viola no saco e sem rumo partiu, para nunca mais. Hoje tudo parece um cemitério, onde as ruas choram
lágrimas de tristeza.
No domingo, quando o sol se punha, era
anúncio de que o caminhão de bóias-frias os levaria de volta a rotina, na
segunda-feira. Eles recomeçavam a dura rotina, porém, felizes!
P,S: ** Para os Romanos, a noite era divididos em quatro períodos, chamados de vigílias. Cada período de três horas, começava às 18:00 horas de um dia e se estendia até às 06:00 horas do dia seguinte. Portanto, a quarta vigília, compreendia das 03:00 horas às 0600 horas.
Peruíbe SP, 14
de abril de 2022.
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