segunda-feira, 11 de abril de 2022

A BIGORNA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                               Ensina a criança no caminho em que deve andar e, ainda quando for velho, não se desviará dele– Provérbios 22:6.

                               No tempo de outrora, que já vai bem longe daqui, as pessoas eram forjadas na bigorna da vida. Ali aprendiam às duras penas, moldarem o bom caráter e arrastá-lo até o fim de suas existências. Não é redundância afirmar, que os ferreiros eram os pais. Por sua vez, os pais preservavam o remoto ofício de seus antepassados e, assim, o elo prosseguia.

                        As crianças que comigo cresceram e conviveram, sabiam definir o que era honestidade, ética, moral e bons costumes. Muito antes de irem á escola, já aplicavam as regras ensinadas pelos seus genitores. É fato que a cidade, por ser pequena e acolhedora, tinha seu quinhão de participação em tudo aquilo.

                        O tratamento de “senhor” ou “senhora”, deferido aos mais velhos; “benção pai...benção mãe’, ao deitar ou levantar; “muito obrigado”, ao receber uma gentileza ou algo; “vai com Deus!”, ao se despedir, eram algumas das regras básicas da boa conivência em sociedade. Agindo assim, os pais e a cidade, estavam preparando os homens do futuro.  

                        Havia três ou quatro televisores na cidade, ainda em preto e branco. E, por isso, era considerado objeto de luxo. Os programas veiculados, não estavam carregados de apelação sexual e nem de apologia ao crime e às drogas. As notícias não eram manipuladas e não tinham viés politico. Não se noticiava tragédia, porque tragédia não tinha.

                        Quando o filho aparecia com algo estranho em casa, os pais ordenavam, que “voltassem em cima do próprio rastro” e colocassem onde achou ou devolvessem a quem de direito. Há uma listagem enorme de boas maneiras, que as crianças educadas naquela época, carregam até hoje. Isso sem contar com a convivência da boa vizinhança.

                        Os brinquedos, masculino ou feminino, eram confeccionados pelas próprias crianças e, por isso, tinham um encanto impar e povoavam a imaginação dos pequerruchos. Nada era pré-fabricado, razão pela qual, aguçavam a mente dos impúberes. Eu vivenciei tudo aquilo e sei de cátedra, como é.

                        O fio de bigode avalizava toda e qualquer palavra empenhada, por isso, dispensava os papéis com assinatura, testemunhas e carimbo. Não era atoa a expressão “Aquele é homem de palavra”. Honestidade não era imposição, mas, sim, dever. Os exemplos começavam com os pais e cidadãos do bem. Cabia à escola, a sagrada missão de ensinar; já aos pais, a de educar. É sábio o dizer: "A educação vem de berço.".

                                   Aquelas crianças, hoje adultas, lançadas na selva de pedra, sentem-se perdidas e fora de seu habitat natural. No entanto sobrevivem, porque são pessoas de fibra. Elas fazem parte de uma geração extinta. Eu, sem qualquer soberba, sinto-me orgulhoso de ter nascido naquela época e de ter sido forjado naquela bigorna, onde, o ferreiro era meu pai.

                        Nós vivemos num mundo, onde, todos os dias, recebemos uma descarga de todo tipo de informação. A mídia quer seja ela escrita, falada ou televisada, nos bombardeia com as mais diversas informações, prejudiciais ou não, a nossa formação. Como a “Velhinha de Taubaté” *, digerimos sem, ao menos, sabermos o sabor. Para elas, pouco importa, se tivermos uma indigestão ou não.

                        Graças à bigorna da vida, hoje sou um homem bom e propenso ao bem!

 

P.S: “A Velhinha de Taubaté”, obra de humor do escritor Luiz Fernando Veríssimo, publicada em 1983, pela Editora Saraiva.

 

 

Peruíbe SP, 11 de abril de 2022.

 

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