domingo, 31 de março de 2024

FABRICIO, O PENSADOR

 

Adão de Souza Ribeiro

                              Penso, logo existo.” – René Descartes.

                        Desde muito cedo, isto é, da tenra infância, Fabrício se diferenciava dos demais de sua época. Ele era pobre, desprovido de beleza física e introvertido, por isso, passou despercebido, durante o tempo que viveu na sagrada Terrinha. Gostava de brincar e de fazer peraltice, como toda criança e, para isso, tinha muita criatividade. Pelas suas atitudes, sem querer ou perceber, demonstrava ser muito inteligente.

                        Nos intervalos das viagens pelo seu mundo infantil, costumava ler tudo que vinha às suas mãos. Fabrício era um curioso nato e tinha sede de saber. Para ele, o que impulsionava e mudava o mundo, eram as perguntas e não as respostas. A sua mente vivia carregada de por quês. O menino gostava de dividir suas descobertas com os coleguinhas de traquinagens. Por isso, era visível vê-lo rodeado de crianças sentadas a seu lado, prestando atenção as suas histórias sérias ou hilariantes.

                        Muitas vezes, os professores se espantavam com perguntas ou comentários de Fabrício, sobre assuntos incomuns para idade. O menino não entendia o fato de pessoas aceitarem com passividade, determinadas imposições da sociedade sobre os menos esclarecidos. Para ele, aquilo torturava a alma e aviltava os preceitos da vida. Talvez fosse por isso, que ele se afundava em leituras de cientistas e filósofos renomados.

                         Ele tinha uma paixão doentia por Aristóteles, Platão, René Descartes, Thomas Hobbes, Arthur Shopenhauer, Friedrich Wilhelm Nietzchice, Ludvig Wittgenstein, Fredrich Hegel, Immanuel Kant, Sócrates, K’ung Chung-ni (Confúcio), Charles-Louis de Secondat (Montesquieu), Carl Gustav Jung e por aí se vai. Vê-se que o menino era um autodidata.

                        Quanto mais estudava em busca de conhecimento, mais se embriagava na leitura e parafraseava Sócrates, dizendo: “Só sei que não sei”. Uma das grandes características de Fabrício, era ser desprovido de vaidade. Não gostava de ostentar roupas espalhafatosas e era comedido na alimentação. Não fazia distinção das pessoas e tratava todos de meus queridos amigos. Em razão da sua empatia, vivia angariando amizade e simpatia dos amiguinhos, fossem eles abastados ou não.

                        O que mais se podia admirar no menino prodígio, nascido na santa Terrinha, era sua preocupação com o progresso desenfreado, arrastado por um futuro incerto. Aquilo era notório nas suas escritas. Por isso, era gritante quando ele deixava transparecer o seu apego ao saudosismo. Até parecia que o passado lhe proporcionava um grande conforto, isto é, acalentava a alma e o coração. Havia quem gostava ou não, daquilo que ele falava ou escrevia.

                        O menino falava e escrevia muito bem. Ele adorava dissertar sobre suas ideias, fossem elas bem digeridas ou não pelos leitores. “Depois de publicada, ela não mais lhe pertencia e, sim, ao mundo”, pensava ele. Os elogios ou críticas, eram inevitáveis. Fabrício tinha um desejo incontrolável em escrever e, para ele, aquilo era um vício. Era como beber água, pois, matava a sede.   

                        Certa feita, ao deparar com a crítica maldosa de um leitor, não se abateu. Pelo contrário, lembrou-se da célebre frase do filósofo Carl Gustav Jung: “Pensar é difícil. Por isso a maioria das pessoas prefere julgar”.

                        Um dia, quis o destino, que Fabrício, assim como os demais coleguinhas de infância, partisse em busca de novos mundos. Ao vagar por lugares desconhecidos, viu que não foi em vão, aquilo que aprendeu durante a convivência simples e suas incansáveis leituras. O mundo disse: “Vai ser alguém na vida. Um fazer de justiça ou um contador de causos, talvez!”.

                        Bendita a santa Terrinha que gerou aquele menino!

                        Saudades dele.          

 

Peruíbe SP, 31 de março de 2024.

 

                                                                                                        

sábado, 30 de março de 2024

O CRISTO FORA DOS TEMPLOS

 

Fábio José da Silva

 

Cristo é uma constituição de princípios,

que os humanos sub-repticios,

em seus templos desacreditam

Criando uma realidade paralela

Pra quem reza

Para aqueles que em oração

São os dignos da salvação

Levantam aos mãos e louvam

Se esquecem dos irmãos

Samaritanos não são bons...

Se dizem cristãos

Cultuam déspotas,

Bradam por execução

Manejam a religião

No propósito da alienação

O Cristo é misericórdia para eles,

Para os outros punição

Não se fale em desigualdade,

Nestes templos das cidades

Para eles

todos têm as mesmas oportunidades

Brotam campanhas de prosperidade

Deus esteve entre os pobres

Contestou os Reinados

O Império

Professou a igualdade

Exércitos não servem a humanidade

Foi a mensagem

Ensinou o senso de justiça

Repugnou a cobiça

Foi verdade

Perdão

Solidariedade

O caminho da conversão

O Cristo desta gente,

dos templos

Longe está da realidade

Eles querem arma na mão

Trabalhadores submissos

Justificam genocídios

Mulheres em servidão

E recitam

Versículos bíblicos

Sem reflexão

Vaidade, egocentrismo

Imposição

A palavra final é sua versão

Cristo desafiou autoridades eclesiásticas

Os sábios daqueles tempos,

Dos templos

Estava no meio do povo,

curando doentes,

moradores de rua,

Leprosos

Seus discípulos, seguidores,

Sofreram os mesmos horrores

Eram homens simples, pescadores,

E a discípula, fora estigmatizada

A mulher não honrada

Convertida

Esquecida nas homilias

É a prova

Da fé manipulada...

 

 

 

sexta-feira, 29 de março de 2024

A CARTA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Numa dessas tardes chuvosas, sentado na espreguiçadeira, estrategicamente colocada na varanda da casa grande da fazenda, coroné Saturnino danou-se a pensar nas coisas do passado. Do lado esquerdo, uma escarradeira, onde depositava a saliva pegajosa, fruto do cigarro de palha, feito com fumo de corda. Do lado direto, uma banqueta, que sustentava uma garrafa e uma xícara de café.

                        Dali podia contemplar a imensidão de suas terras e a majestosa natureza que, ao longe, presenteava com o rio, a mata fechada e as aves bailando aqui e acolá. Nada o incomodava, pois o único som era de um quero-quero, que protegia o ninho contra  um teiú. Uma cobra sucuri, passou rastejando perto dele e nem se assustou, pois estava acostumado com ela. Do interior da casa, vinha o cheiro das quitutes cuidadosamente preparadas por Carmosina, sua inseparável companheira. “Diabo de mulé por demais arretada, sô!”, pensava ele, entre suas uma divagações.

                        Nas viagens que a memória fazia, durante aquela tarde chuvosa, lembrou-se saudosamente das cartas que escrevia ou recebia de Carmosina, durante os flertes da infância. Ela morava lá pelas bandas da “Serra do Rola-Moça”, no Estado de Minas Gerais. Uma formosura de menina, que se engraçou por ele, quando o pai esteve na região, a fim de fazer contratação de trabalhadores para fazenda e levou o menino.

                        No início do namorico, escrevia cartas para pretendente. À noite, sob a luz do candeeiro, lançava mão de uma caneta esferográfica e danava a escrever para menina. Ele era de um romantismo invejável e, por isso, usava as palavras certas e aquilo cativava a mineirinha cada vez mais. “Ao escrever essas maus traçadas linhas, debruço-me na saudade de você, minha amada. Não imagina o quanto padeço distante da mulher, que aprendi amar...”, assim dizia ele.

                        Depois de redigir a carta, cheia de dengos, envelopava e endereçava para a pretendente que, um dia, quis o destino, tornaria a sua mulé arretada. Em seguida, entregava ao seu capataz, com a incumbência de levar até a cidade e postar no Correio. A partir dali, ficava na ansiedade em receber a resposta. Contava os segundos, as horas e os dias, por notícias. Às vezes, na dura labuta do dia-a-dia, perdia em pensamentos, lembrando da menina lá das bandas da “Serra do Rola-Moça”.

                        Quanta beleza e ternura, havia naquele tempo, onde a vida acontecia sem pressa. As coisas aconteciam aos poucos e devagar. Eram como as frutas nos pés. E, uma vez amadurecidas, tinham um sabor indiscutível. Por isso, crê-se que a união do casal, vai para mais de sessenta anos. Saturnino e Carmosina orgulham-se disso, pois geraram os filhos, netos e bisnetos. Ela nunca arredou os pés e sempre esteve ao lado do esposo.

                        Hoje, a modernidade criou o telefone e uma tal de rede social. O bicho chamado Whatsapp encurtou o tempo e a distância e, por isso, perdeu-se o romantismo e o sabor da espera. Os casais não sabem o que é saudade e o que é pior, desaprenderam como escrever. Eles usam gírias, palavras abreviadas, erros de português e termos estrangeiros. O mundo descambou e acabou caindo no despenhadeiro da mesmice do modernismo.

                        Enquanto estava perdido em pensamentos, o coroné Saturnino deu um forte trago no cigarro de fumo corda e deixou escapar uma lágrima no canto dos olhos. A lágrima misturou com as gotas da chuva, que tocavam na grama ao derredor. O pigarro na garganta, jogou na escarradeira para, depois, tomar um gole de café feito pela querida Carmosina.      

                        Vá pro inferno esse maldito de modernismo!”, esbravejou sozinho, com seus botões, o velho coroné Saturnino.

 

Peruíbe SP, 29 de março de 2024.

quinta-feira, 28 de março de 2024

SONHAR TALVEZ!

 

Adão de Souza Ribeiro

Quantas vezes te desejei

Eu até já perdi as contas.

Se o amor tem a sua lei,

O querer só nos apronta.

 

A vida foi só de espera,

Tempo passou e fiquei.

Tocar-te quem me dera

A timidez tem lá sua lei.                                                                                                      

 

Tu casaste num belo dia

E feliz cobriste com véu.

Envolto em melancolia,

Eu vivo vagando ao léu.

 

A tua imagem singela,

Que desfila pela mente.

A pintura em aquarela,

Do amor eternamente.

 

Amor, deixas eu sonhar

O sonhar não é pecado.

Há de existir um lugar,

Onde guarda o passado.

 

Solteira estás no sonho,

Desfila na minha ilusão.

Permaneces onde ponho

E vives no meu coração!

 

Peruíbe SP, 28 de março de 2024.

domingo, 24 de março de 2024

AS MÃOS

 

Adão de Souza Ribeiro

Mãos vós sois benditas

Que acenam ao adeus

O caminho certo indica

Aquele que se perdeu.

 

Mãos vós sois sagradas

A todos tendes o afago.

Não abandona por nada

Da vida o peso do fardo.

 

Mãos vós sois o espelho

Que bem conduz o filho

E escreve bom conselho

Cada verso um estribilho

 

Mãos só vós sois a cura,

Que sara uma dura ferida

E pinta com a formosura

Beleza no quadro da vida.

 

Benditas sois vós mãos,

Que sepulta o moribundo

Não fosse vosso quinhão

O que seria deste mundo?

 

Peruíbe SP, 24 de março de 2024.

quarta-feira, 20 de março de 2024

CONSELHOS

 

Adão de Souza Ribeiro

Se eu errar, perdoa

E não se erra à-toa

Erra para aprender

Isso vem lá do ser.

 

Se eu chorar, canta

Um choro acalanta.

Ele foge a tristeza,

Vai na correnteza.

 

Se eu morrer, reze

A morte é a prece.

Desta imortalidade

Não olha sua idade.

 

Se eu escrever, leia

Escrito só delineia.

O que sente a alma                         

O coração acalma.

 

Perdoa se eu errar.

E perdoar é fugaz

Ele é algo divino,

É belo... é menino!

 

Peruíbe SP, 20 de março de 2024.

sábado, 16 de março de 2024

SEU PEREIRA

 

Adão de Souza Ribeiro

                               Seu Pereira era um galo robusto, másculo e pomposo. Todas as galinhas e frangas do terreiro, arrastavam suas asas para o lado dele. Sempre educado e charmoso, procurava contentar todas as penosas. A plumagem exuberante e de tons multicores, era um atrativo natural. Soma-se a isso a calda longa,  de cores diferenciadas das asas, uma bela extensão do corpo.

                        Tudo nele impunha autoridade e charme. As esporas longas e afiadas, o bico adunco, a crista avermelhada em forma de coroa, o cacarejar forte e os passos firmes e compassados, demonstravam ser ele o rei do terreiro. No seu harém, haviam dezenas de galinhas a seu dispor. Como sempre, feito um sultão, procurava saciá-las, sem medo de pecar.

                        Era bonito vê-lo caminhando para lá e para cá, ciscando à procura de sementes e insetos, para o sustento das esposas. Aonde seu Pereira ia, lá estavam elas, felizes e obedientes. Ele era um verdadeiro guardião do terreiro e da casa como um todo. Ai de um macho intruso, que invadisse o espaço territorial. Apanhava tanto, saia dali todo quebrado e de dar dó. Era tanta pena que voava. Tem pena de quem tem pena!

                        Os quintais vizinhos, eram separados por arame farpado e, para reforçar, havia arranha gato e muito carrapicho. Ninguém se atrevia invadir o território alheio. Até porque, no terreiro de seu Pereira tinha o Duque, um cachorro feroz, de pouca amizade e conversa. Para ele (cão), tudo se resolvia na brutalidade e ignorância.

                        Seu Pereira tinha um olhar especial para as galinhas/mães, enquanto chocavam os ovos e, por isso, estava sempre atento aos ninhos, contra bichos predadores. Ao cair da tarde, todos se aninhavam nos galhos da goiabeira. Enfileiradas e ocupando todos os espaços, dormiam o sono dos anjos, ou melhor, das aves. Sentadas ali, ao lado de seu Pereira, elas se sentiam empoleiradas. Eu disse empoleiradas e não empodeiradas.

                        Já de madrugada, para espantar os espectros da noite, seu Pereira, com todas as forças da garganta, soltava a voz e cantava alto, para que toda vizinhança pudesse ouvir. As suas fêmeas não davam sequer um pio, durante a execução do hino. O som era tão afinado, que mais parecia a “Quinta Sinfonia” de Ludvig van Beethoven.

                        Em razão do talento, quis registrá-lo com o nome de John Ono Lenon. Mas como o cartorário tropeçou nas letras e, ainda, sabendo que as pessoas não saberiam pronunciar as palavras, resolvi sacramentá-lo com o nome de Pereira. Então Pereira assim ficou. Lá na sagrada Terrinha, ele ganhou notoriedade, onde ficou conhecido como cantor da madrugada. No concurso de “Mister Galo do Universo”, ganhou de lavada.

                        E eu, um abestalhado de carteirinha, ficava sentado numa pilha de tijolos, lá no fundo do quintal, observando a vida corriqueira de seu Pereira. As galinhas Caipira, Carijó, Garnizé, D´Angola e Pescoço Pelado, embelezavam o terreiro, ou melhor, o harém de seu Pereira e ele se orgulhava de ser reconhecido como o grande garanhão e reprodutor no galinheiro, isso para deleite das galináceas.

                        A vida é uma caixinha de surpresas. Ao chegar em casa para o jantar, Sianinha – a dedicada dona do lar, agraciou-me com a suculenta galinhada. Depois de receber meus calorosos elogios, surpreendeu-me ao dizer que a galinhada fora preparada com a carne de seu Pereira. Eu confesso que fiquei estarrecido, chorei e quase desmaiei. Como seria o terreiro, dali em diante?

                        Aquela atitude deixara o quintal desprotegido, enviuvara mais de cinquenta galinhas e órfãos outro tanto de pintainhos. Nas madrugadas, eu não mais ouviria a sinfonia de seu Pereira, espantando os espectros da noite, o quintal perdera o encanto e magia. Eu sei que Sianinha não fizera aquilo por maldade, pois apenas queria me agradar. Ela não tinha conhecimento da minha admiração por ele e pelo jeito charmoso de desfilar pelo terreiro, ou melhor, pelo seu harém.

                        Como aquela criatura inofensiva, que alegrava a todos, inclusive, as penosas, pode ter um fim tão trágico, ou seja, dentro de uma panela com muito tempero e cozimento? Que seu Pereira, o cantor da madrugada, descanse em paz!

                        Per omnia saecula et saecula. Amém!” (Por todos os séculos e séculos. Amém!)

 

Peruíbe SP, 15 de março de 2024.

 

 

 

 

 

sexta-feira, 15 de março de 2024

AS MARIAS

 

Adão de Souza Ribeiro

Há tantas Marias

A Maria de Deus.

Cada uma brilha

Nos olhos meus.

 

A Maria de Jesus,

A todos se apieda

Tira peso da cruz,

Ser boa é a regra.

 

Maria da Graça,

Ela e o requebro

Por onde passa,

A rua vira verso.

 

Maria das Dores

Toca meu peito

Cheio de amores

Eu perco o jeito.

 

Maria do Socorro

Ela cuida de mim

Se triste eu choro

Não fico sozinho.

 

Maria de Lourdes

Mulher tão santa.

Com nada se ilude

Seu jeito encanta!

 

Peruíbe SP, 15 de março de 2024.

 

domingo, 10 de março de 2024

DONA DE MIM

 

Adão de Souza Ribeiro

Ela chegou depressa,

Aqui no meu coração

E por mais que peça.

Eu não a deixarei não

 

Fez morada em mim

Apossou do meu eu,

Vi que foi bem assim

Que tudo aconteceu.

 

Ela tornou-se mulher

Casou-se um belo dia

E nesse bem-me-quer

Eu vivo minha agonia.

 

Quando os seus olhos

Com ternura me olha,

Sinto peito em choro

O amor não tem hora.

 

Ela é dona do desejo,

Faz de mim o escravo

Então assim me vejo,

Perdido no seu afago.

 

Peruíbe SP, 10 de março de 2024.