Adão de Souza
Ribeiro
Numa dessas tardes chuvosas, sentado na
espreguiçadeira, estrategicamente colocada na varanda da casa grande da fazenda,
coroné Saturnino danou-se a pensar nas coisas do passado. Do lado esquerdo, uma
escarradeira, onde depositava a saliva pegajosa, fruto do cigarro de palha,
feito com fumo de corda. Do lado direto, uma banqueta, que sustentava uma
garrafa e uma xícara de café.
Dali podia contemplar a imensidão de suas
terras e a majestosa natureza que, ao longe, presenteava com o rio, a mata
fechada e as aves bailando aqui e acolá. Nada o incomodava, pois o único som
era de um quero-quero, que protegia o ninho contra um teiú. Uma cobra sucuri, passou rastejando
perto dele e nem se assustou, pois estava acostumado com ela. Do interior da casa, vinha o cheiro das quitutes
cuidadosamente preparadas por Carmosina, sua inseparável companheira. “Diabo
de mulé por demais arretada, sô!”, pensava ele, entre suas uma divagações.
Nas viagens que a memória fazia, durante aquela
tarde chuvosa, lembrou-se saudosamente das cartas que escrevia ou recebia
de Carmosina, durante os flertes da infância. Ela morava lá pelas bandas da “Serra
do Rola-Moça”, no Estado de Minas Gerais. Uma formosura de menina, que se
engraçou por ele, quando o pai esteve na região, a fim de fazer contratação
de trabalhadores para fazenda e levou o menino.
No início do namorico, escrevia cartas para pretendente.
À noite, sob a luz do candeeiro, lançava mão de uma caneta esferográfica e
danava a escrever para menina. Ele era de um romantismo invejável e, por isso,
usava as palavras certas e aquilo cativava a mineirinha cada vez mais. “Ao
escrever essas maus traçadas linhas, debruço-me na saudade de você, minha amada.
Não imagina o quanto padeço distante da mulher, que aprendi amar...”,
assim dizia ele.
Depois de redigir a carta, cheia de dengos,
envelopava e endereçava para a pretendente que, um dia, quis o destino,
tornaria a sua mulé arretada. Em seguida, entregava ao seu capataz, com a
incumbência de levar até a cidade e postar no Correio. A partir dali, ficava na
ansiedade em receber a resposta. Contava os segundos, as horas e os dias, por
notícias. Às vezes, na dura labuta do dia-a-dia, perdia em pensamentos,
lembrando da menina lá das bandas da “Serra do Rola-Moça”.
Quanta beleza e ternura, havia naquele tempo,
onde a vida acontecia sem pressa. As coisas aconteciam aos poucos e devagar.
Eram como as frutas nos pés. E, uma vez amadurecidas, tinham um sabor
indiscutível. Por isso, crê-se que a união do casal, vai para mais de sessenta
anos. Saturnino e Carmosina orgulham-se disso, pois geraram os filhos, netos e
bisnetos. Ela nunca arredou os pés e sempre esteve ao lado do esposo.
Hoje, a modernidade criou o telefone e uma
tal de rede social. O bicho chamado Whatsapp encurtou o tempo e a distância e,
por isso, perdeu-se o romantismo e o sabor da espera. Os casais não sabem o que
é saudade e o que é pior, desaprenderam como escrever. Eles usam gírias, palavras
abreviadas, erros de português e termos estrangeiros. O mundo descambou e acabou caindo no
despenhadeiro da mesmice do modernismo.
Enquanto estava perdido em pensamentos, o coroné
Saturnino deu um forte trago no cigarro de fumo corda e deixou escapar uma
lágrima no canto dos olhos. A lágrima misturou com as gotas da chuva, que
tocavam na grama ao derredor. O pigarro na garganta, jogou na escarradeira
para, depois, tomar um gole de café feito pela querida Carmosina.
“Vá pro inferno esse maldito de modernismo!”,
esbravejou sozinho, com seus botões, o velho coroné Saturnino.
Peruíbe SP, 29 de
março de 2024.
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