domingo, 28 de agosto de 2022

GERUSA, A DADIVOSA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Não há como falar da infância, sem relacioná-la com ternura e humildade. Ela jamais rimará com maldade ou violência, ainda mais, quando se desenvolve na cidade pequena do interior. É preciso preparar o espírito do assíduo leitor, para que, ao saborear a narrativa, não deturpe o sentido do que se pretende contar. Desta forma, não se frustra o leitor e nem o contador de causos. Certo?

                        Conta a história, que na minha terra natal, num tempo não muito distante, havia um grupo de moleques, com idades entre quatorze e dezesseis anos, que criaram uma Sociedade Secreta. Ela tinha como regra principal, não violar o segredo do que praticavam. Podia-se cortar a mesada, proibir o futebol de fim semana, serem torturados ou mortos, porém, não confessavam. Cidade pequena, sabe como é: a fofoca espalha como tiririca. 

                        O grupo era composto por “Tiziu” – o neguinho pedra noventa-, “Fujiro Kakomby” – o sansei de descendência nipônica, “Canarinho” – o bom de bico, “Bambu” – o magro feito vara de bambu, “Ganso” – por causa do pescoço grande e “Sucuri” – bem servido pela genitália masculina. Eram amigos inseparáveis e pau pra toda obra. O lema da turma era: “Mexeu com um, mexeu com todos”.

                        A cidade pacata e provinciana, não tinha muita atividade e diversão infantil, por isso, eles tinham que inventar. Ora pescavam no córrego, que margeava o lugar; ora caçavam passarinho com estilingue ou arapuca, nas poucas matas ainda existentes; ora jogavam futebol, com bola feita de meia, nos terrenos baldios e ora apostavam corrida, com carrinhos de rolimãs, nas ruas descalças. Era um jeito de passar o dia, até a chegada da noite, que demorava horas para acontecer.

                        Como já disse o narrador, em outras oportunidades, o lugar é carregado de fatos reais e pitorescos. Também é berço de um povo diferenciado, daqueles que habitam a cidade grande. Eles têm estereótipos, que beiram a inocência e a comicidade, por isso, são tão especiais. Os forasteiros que lá aportam, tem dificuldade em se adaptarem.  Uma vez adaptados, apaixonam-se pela vida bucólica do lugar.

                        Um casal de nome Genilson e Gerusa, mudara-se há pouco tempo ali. Vieram com a empresa, para construir a rodovia federal. Ele vigilante noturno das máquinas e do patrimônio da empresa, ela a dona do lar e fixaram moradia próximo ao matadouro municipal. Aos poucos, a história vai ganhando forma e, também, os moleques vão descobrindo as virtudes de Gerusa.

                        Gerusa, uma mulher vistosa e viçosa. Mulher de trinta e cinco anos; morena, da cor do pecado; estatura mediana; rosto fino e delicado; lábios carnudos; olhos esverdeados de felina; seios fartos, em forma de meia taça; cintura fina, de pilão; ancas apetitosas; coxas bem torneadas. cabelos longos, negros e lisos; pele aveludada e voz sedutora. Enfim, uma mulher de fazer padre abandonar a batina em plena missa dominical e cachaceiro esquecer o último trago, no “Bar do Mori”, diante dos requebros dela.

                        A casa era na beira estrada, onde ela contemplava a paisagem, debruçada na janela. De blusa decotada, desfilava o par de seios provocadores abrilhantando a visão de quem passava. Já no início da noite, ao passar por ali, “Sucuri” foi chamado por ela, a fim de criarem amizade e de conversarem. A partir de então, ele descobriu um oásis de felicidade e prazer. Ele foi convidado a entrar na casa e a prosa estendeu até de madrugada.    

                        De baby doll, sem as peças íntimas, estava vestida para matar a presa inocente e “Sucuri”, foi o primeiro a cair na armadilha. Ela, uma mulher experiente e ele, um filhote de homem, entrando na puberdade, tornou-se a química certa. Aquele corpo suado, com cheiro de fêmea no cio, embriagou o menino e fizeram do leito um paraíso. Como pode a natureza ser tão pródiga?

                        Depois da noite inaugural, “Sucuri” e o grupo tiveram motivos de sobra para amarem mais as noites do que os dias, na minha terra natal. Aos poucos Gerusa, mostrou suas garras e habilidades na arte de dar prazer aos meninos. Todas as noites, os meninos rumavam para o ninho daquela messalina, ou melhor, daquela beldade feminina.

                        Noite sim e noite também, Gerusa recebia seus pupilos, exceto nas folgas de Genilson. Enquanto ele cuidava das máquinas na estrada, os meninos davam assistência a máquina dele na casa. O sigilo e a discrição, exigidos por ela, levou a história muito longe. Muito organizada, determinou que todos eram recebidos pela ordem de chegada, para as bênçãos noturnas. Ela fazia de tudo para agradar os infantes e como fazia! 

                        Mas nem tudo são flores. Por chegar tarde ao banquete de luxúrias, “Canarinho”, foi o último a desfrutar dos chamegos da anfitriã. A madrugada se findava e em meio as trocas de carícias, os pombinhos ouviram barulhos na porta da cozinha. “Meu Deus, é meu marido!”, cochichou Gerusa aos ouvidos do varãozinho.

                        Ela estava mais branca do que a bunda do Sivuca. Antes do término da frase dela, “Canarinho” já estava com as roupas na mão e pulando a janela de dois metros de altura. Caiu sobre carrapicho e arranha-gato e, depois, passou sob a cerca de arame farpado. O bichinho chegou em casa todo rasgado e estropiado. Ele parecia ter fugido da guerra da Ucrânia. Era para ter sido mais uma noite de prazer.

                           "Fujiro Kakomby" também debutou, quer dizer, foi inaugurado. Ao ver aquele monumento despida, teve medo e quis fugir. Por ser inexperiente na arte de satisfazer uma mulher, recebeu aulas preliminares da fêmea sedenta de sexo. Aquela mulher viajada pelo mundo das fantasias, tinha mais hora de cama do que urubu de voo. Os meninos da Sociedade Secreta, não viam pecado e nem maldade nos atos de Gerusa. Criança é criança, nada mais.

                        Na outra noite, passado o susto e o medo, lá estava ele e os demais, desfrutando do leito de Gerusa. Ela era uma ave, que sabia proteger muito bem os pintinhos debaixo das asas. Amava agradar os pintinhos! As primas atendiam os marmanjos, num condomínio perto da caixa d`água, que ficava na Rua das Mágoas. Se não fosse ela, quem cuidaria dos meninos? Nem mesmo o Juizado de Menores ligava para eles. Ela era, antes de tudo, uma cuidadora de menores. Gerusa dava tudo de si por eles, ou melhor, para eles.

                        Nada na vida é eterno, nem mesmo a eternidade. Com o tempo, a rodovia ficou pronta. A empresa bateu em retirada e com ela os funcionários. Só ficou a tristeza, pois o casal Genilson e Gerusa, com sina de retirantes, também partiu. A alegria de pobre, ou melhor, de criança dura pouco. Restou apenas saudades dos carinhos e chamegos de Gerusa, uma mulher tão pura e dadivosa!

                       Os meninos, ao se recordarem da silhueta do corpo de Dadivosa, sob o baby doll transparente, gritaram tristes e pesarosos: "Adeus, doce Gerusaaaaaa!'. 

Peruíbe SP, 28 de agosto de 2022

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

O DESERTO

 

Adão de Souza Ribeiro

Se tiver que passar pelo deserto

Passo quantas vezes necessário.

O meu coração e o peito aberto

Se assim for este o meu fadário

 

Se na caminhada eu desanimar

Busco mil forças e alegria na fé

Como presente lá longe o mar,

Vencerei como fez o velho Noé

 

Eu sou forte e não temo desafio

Luto com afinco e não me canso

Conheço todas as curvas do rio,

Desbravo floresta não espanto.

 

Se tiver que enfrentar o mundo

Para eu ser feliz e salvar a alma

Lutarei até o fim e vou a fundo,

Lá no final a vitória bate palma.

 

Peruíbe SP, 24 de agosto de 2022

 

terça-feira, 23 de agosto de 2022

CHEGASTE

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Chegaste calma e dengosa,

Tu fizeste morada em mim.

Teu aroma sedutor de rosa,

És linda flor e eu o jasmim.

 

Dei-te amor e muito afeto

Junto de ti, senti teu calor.

De que me importa o resto

Se me deleito com teu suor.

 

E o teu desejo é como o rio,

Que de felicidade transborda

Sinta meu corpo, pois lá fora

Ainda é noite e faz tanto frio.

 

Com tua respiração ofegante,

Contemplava-me em silêncio

 Dizia: “Quero ser tua amante”

Creio. Teu coração não mente.

 

Calma e sedutora, tu chegaste

Tomaste posse do meu sonho

A atração coroou nosso enlace

E me tornei o homem risonho!

 

Peruíbe SP,23 de agosto de 2022

 

sábado, 20 de agosto de 2022

PADRE NOSSO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Quero te possuir e não posso,

Não posso porque sou pobre.

Vou rezar um “Padre Nosso”,

Que abençoe o gesto nobre.

 

Quero te abraçar e me tremo,

Tremo ao ver tanta formosura.

De um tal gostar tão supremo,

Não mendiga e nem mensura.


Quero te amar e me perco

Me  perco entre tantos ais

A paixão que vem de berço

E nunca adormeça jamais.


Quero te beijar e me deliro

Deliro neste sagrado desejo

Não beijar morro no suspiro

E me salva com só um beijo.

 

“Padre Nosso”, rezo sem fim.

Assim peço e rogo envelhecer

E te ver entregue só para mim.

O corpo é teu, sou tua mulher!

 

Peruíbe SP, 20 de agosto de 2022.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

O AMOR É LIVRE

 

Adão de Souza Ribeiro

 

O amor é o passarinho,

Que voa, canta e chora.

Voa para além do ninho

Longe da solidão gaiola.

 

Voa com as asas abertas

Plana e busca liberdade

Do alto a vida é deserta

Tão repleta de maldade

 

Lá flutua no firmamento

Feliz bem longe de casa,

E vai aonde leva o vento.

O sonho conduz sua asa.

 

E o amor nunca humilha

Deixa o coração tão livre

E então seguir sua trilha

De ser feliz não se prive.

 

Pássaro e amor irmãos,

Bebe o mesmo desejo.

Singram o céu da ilusão

Saciam do mesmo beijo.

 

Peruíbe SP, 18 de agosto de 2022             

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

JARDIM DA INFÂNCIA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Antes de tudo é preciso amar. Este sentimento nobre transforma as pessoas e o mundo ao seu redor. Ele é a mola mestra, que nos impulsiona ao longo da vida, rumo às grandes realizações. Quando sentimos alegria e prazer nos nossos atos é porque o amor se faz presente. Quando se tem uma pitada de amor, a vitória tem um sabor imensurável e gostoso de digerir. Por isso, antes de tudo, é preciso amar, amar e amar.

                        Todas as vezes, que a memória resgata reminiscências do passado, a alma sente-se envaidecida com as doces lembranças de outrora e de um tempo que não volta mais. Quem viveu aqueles períodos áureos da infância, sabe do que se está falando. Recordar é um eterno exercício de reescrever os valores da existência.

                        Nesta busca incansável, a fim de registrar fatos ocorridos em anos longínquos, para que a história não se perca, deparo-me com imagens da praça, que ladeia a Igreja Matriz. O calçamento com pedras portuguesas e de cores variadas, decorava o local como uma verdadeira obra de arte. Os visitantes de outras plagas, maravilham-se com tamanho esplendor.

                        O jardim era dividido em dezenas de canteiros e, em cada um deles, plantava-se flores diferentes. Além das flores, uma infinidade de árvores frondosas compunha o lugar, proporcionando a visão do paraíso. Os bancos de concreto, com logotipo do comércio patrocinador, estavam distribuídos por toda extensão. Um lugar privilegiado para descansar ou contemplar a natureza.

                            No centro e na parte mais alta, lá estava a igreja toda imponente. Dali observava a cidade e contemplava o horizonte.  Ela sentia-se abençoada pela fé de seu povo.  Um povo simples e de uma vida simples. Ao lado, na torre de madeira, o sino badalava e entoava canções sacras, chamando as pessoas pra as longas rezas em latim. O padre octogenário, envergado em sua batina, passeava pela praça, fazendo o sinal da cruz. 

                        Havia o coreto e, também, num ponto estratégico, os bustos dos fundadores da cidade, com uma placa descrevendo suas biografias. Toda iluminada, a praça transforma-se no ponto de eventos comemorativos e, o mais importante, de encontro dos jovens e dos eternos namorados. Aos domingos, depois da santa missa, os fiéis permaneciam ali se interagindo, enquanto as crianças compravam guloseimas dos carrinhos dos ambulantes.

                        Por ser observador e detalhista nato, minha atenção fitava as flores e os encantos que o lugar oferecia. O que hipnotizava eram as plantas viçosas e bem cuidadas, isso além do asseio do ambiente. Não se via uma folha de árvore, papel de bala ou bituca (ponta) de cigarro, caídos no chão. Creio não haver outro lugar, em alguma cidade do planeta, de tamanha beleza. Se existia o paraíso, ele estava ali. Disso não se tinha dúvida.

                        A magia do jardim, tinha uma razão de ser. Graças a dedicação de um senhor de nome Alfeu, que todos os dias, cuidava de cada espaço, de cada flor. De canteiro em canteiro, arrancava as ervas daninhas, as flores murchas, colocava veneno nos formigueiros e ligava as mangueiras para aguar as plantas. Se embriagava com a tarefa de jardineiro, cuja labuta se estendia até altas horas da noite.

                        Eu lembro-me com imensa ternura, de um personagem folclórico e inesquecível de apelido “Caga Sebo”. Um homem de estatura mediana, magro, pardo, cabelos carapinhas, voz de taquara rachada, o qual vestia uma roupa, imitando farda. Ele intitulando-se vigia, percorria toda a praça, cuidando do único ponto turístico.

                        Era temido pela molecada arteira, pois quando via alguém com pés no banco, pisando no canteiro, arrancando flores ou jogando lixo no passeio, virava um bicho. Depois de declamar uma dezena de palavrões, esbravejava: ”Moleque sem vergonha, não tem pai para te dar educação? Tira o pé do banco”. Era temido pelas crianças de minha infância.

                        Ao cair da tarde, uma revoada de pássaros de toda espécie, pousava nos galhos, camuflavam entre as folhas e gorjeavam sem parar. Feitos uma orquestra sinfônica, entoavam hinos melancólicos aos nossos ouvidos, que nos transportavam ao mundo transcendental. Tudo o que ora se narra estava ali, ao alcance dos olhos e dos ouvidos. Naquela época, todos que viveram naquele pedaço do paraíso, foram privilegiados com o presente da mãe natureza.

                         A música "A Praça", de Ronnie Von, retrata fielmente o que se pretendeu aqui descrever: ",,, Sentei naquele banco da pracinha, só porque/ Foi lá que começou o nosso amor/...Senti que os passarinhos todos me reconheceram/... a mesma praça, o mesmo banco/... As mesmas flores, o mesmo jardim/... Tudo é igual, mas estou triste/...Beijei aquela árvore tão linda, onde eu/... Com meu canivete, um coração eu desenhei/... O guarda ainda é o mesmo que um dia me pegou/ Roubando uma rosa amarela pra você/ Ainda tem balanço, tem gangorra, meu amor/ Crianças que não param de correr/ Aquele bom velhinho, pipoqueiro, foi quem viu/ Quando, envergonhado, de namoro eu lhe falei/ Ainda é o mesmo sorveteiro que assistiu/ Ao primeiro beijo que lhe dei/ A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa/ E nunca esquece a felicidade que encontrou/ Sempre eu vou lembrar do nosso banco lá da praça/ Foi lá que começou o nosso amor..."

                        Quantos futuros casamentos nasceram, desabrocharam e floresceram ali. A dedicação do jardineiro Alfeu, descreve ipsis litteris o significado da palavra amor. Ele cuidava do jardim, como se fosse sua casa. O jeito simples como manuseava a terra, para o plantio das mudas, externava o amor pela profissão. Até parecia que conversava com as plantas e flores, bem como,  elas com ele.

                        E foi assim que aprendi amar a minha cidade: Lá no JARDIM DA INFÂNCIA!

 

Peruíbe SP, 17 de agosto de 2022

terça-feira, 16 de agosto de 2022

SE

 Adão de Souza Ribeiro

 

Se eu me deitar meio choroso

Por ter vivido o dia não pleno.

Suave acaricia este meu rosto

Não deixa o sonho ao relento.

 

Se na madrugada o pesadelo,

Povoar a mente de temores.

Abraça-me no teu aconchego

Ou leva-me por onde tu fores.

 

Se ao alvorecer eu tiver medo

Sem saber o que o dia reserva

Não deixa eu sair ainda é cedo

Lá fora o sereno beija a relva.

 

Se eu perder o gosto pela vida,

Numa luta em busca do imortal

Na estrada de mil idas e vindas

No teu colo protege-me do mal.

 

Se ao envelhecer sentir tua falta

E sem perceber me faltar o juízo

Dá-me um abraço e só isso basta  

Contigo durmo em paz no paraíso.

 

Peruíbe SP, 16 de agosto de 2022

domingo, 14 de agosto de 2022

O VILAREJO E O CIRCO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                Nascer e viver nas pequenas cidades do interior tem tantas benesses, que é impossível descrevê-las numa modesta dissertação. A começar pela natureza exuberante e a vida bucólica, tudo conspira para a mais pura felicidade. Quando um capiau, perdido entre arranha-céus da cidade grande, chora copiosamente com saudades do sertão, tem razões de sobra.

                       Nas noites de lua cheia, as casas dormem de janelas abertas, enquanto as corujas chirriam na cumeeira do paiol. As ruas desertas caminham para lá e para cá, desesperadas com medo da solidão. Benjamin, o cachorro vira-lata, evita latir e só age se for extremamente necessário, para não acordar seus donos, por isso, orgulhava-se em ser o eterno guardião do lar.

                     Desde o anoitecer e até a chegada do sono, as pessoas enfurnam em suas casas. À luz de uma lamparina quase apagando e ao som de uma vitrola, que toca músicas sertanejas raízes, os pais e os filhos conversam muitas coisas simples, porque a vida é simples. O cuscuz com carne seca, regado com café de coador, alimenta a conversa prazerosa.

                     As crianças são embaladas pelas brincadeiras de infância. A rotina cotidiana não as deixam enfadonhas, pois são criativas e sempre inventam algo novo. Já os adultos tão atarefados em seus afazeres, nem se dão conta de que a semana passou tão depressa. As diversões se resumem aos dias de domingo, quando vão à missa ou visitar os parentes, bem como, jogar futebol ou baralho entre amigos.

                   .De repente, eis que surge no lugarejo, um circo. A partir daí tudo muda e, por algum tempo, o marasmo dá lugar a agitação. Enquanto ele é montado, a molecada acompanha o árduo trabalho dos funcionários. Antes ele tinha como endereço, o terreno baldio, onde, hoje localiza-se o Hospital Municipal. 

                  Quando chove, para acessar o circo, o público acaba atolando o pé na lama. Feitos ordeiras e laboriosas formiguinhas, os funcionários braçais batem estaca, levantam mastro, esticam lonas, cordas e fios; montam o picadeiro, a arquibancada e o palco; colocam o sistema de som e as luzes. Enfim o circo ganha forma e vida.

                   Chegou o dia da estreia. O carro de som percorre todos os logradouros da cidade, anunciando a boa nova. A euforia é total. Todos preparam as roupas de gala e o dinheiro. As crianças buscam no cofrinho de louça, as moedas juntadas durante o ano. A cidade se enche de graça. A solidão sai de casa e ganha as ruas. “Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor! 

                     O circo todo iluminado e o som do alto falante, dá um ar de encantadora alegria. Já no interior, todos sentados na arquibancada anseiam para o início do espetáculo. Na visão das crianças, tudo é enorme e magnífico. No picadeiro, os palhaços brincam e fazem estripulias, arrancando inocentes gargalhadas das crianças. No alto, presos às cordas, casais executam malabarismo, levando o público aos suspiros. No palco, apresentam um melodrama recheado de muito humor.

                       Enquanto as pessoas ficam inebriadas com as maravilhas circenses, os meninos com seus tabuleiros, percorrem as arquibancadas e vendem guloseimas, confeccionadas pelas mulheres do circo. É uma forma de terem o ingresso franqueado. Assim agem por serem pobres e não terem como comprar os ingressos. Outros aventuram em passarem por debaixo da lona. Muitos não logram êxito e, em razão disso, são escorraçados pelos seguranças. Encabulados voltam chorando para casa.

                    De vez em quando, duplas sertanejas raízes, famosas no rádio, são convidadas para participarem do show. É assim que o povo passa a conhecer Liu & Leo, Zilo & Zalo, Tonico & Tinoco, Tião Carreiro & Pardinho, Duo Glacial, Zé Tapera & Teodoro e tantos outros artistas inesquecíveis. Nesses tempos modernos, só tem lixos musicais e artistas ralés, fabricados pela mídia. Pessoas sem talento algum, frutos da massificação e do consumismo. Meu Deus, que saudades do Flávio Cavalcante! Com ele, os artistas de meia tigela e as letras estapafúrdias não prosperavam.

                        Triste saber, que os circos não permanecem mais do que vinte dias no lugar. Quando começam a desmontar, é como se estivessem arrancando um pedaço dos nossos sonhos e das nossas emoções. O circo nos ensina a viajar no mundo das fantasias. Neste mundo, não é permitido chorar. Sorrir e ser feliz é preciso.

                      Quando a companhia circense parte em retirada, leva consigo momentos de intensa alegria. Então só resta ao vilarejo, recolher-se na solidão de seus lares e sonhar com os espetáculos cotidianos que a vida oferece.

                         Ainda se ouve ao longe, a voz do palhaço Alegria, dizendo: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!”.

 

Peruíbe SP, 14 de agosto de 2022.

sábado, 13 de agosto de 2022

OS MEDOS

 

Adão de Souza Ribeiro

 

De morrer não tenho pressa

Tenho muita pressa de viver

E a vida espreita pela fresta,

O que resta lá do entardecer.

 

De chorar não envergonho.

Envergonho de não sonhar.

Sonho tem poder medonho

De mudar as ondas do mar.

 

De amar eu não tenho medo

Medo tenho de ser misógino

Ódio de amar morrerá cedo.

É segredo:“Hétero, imagino”

 

De fracassar não me assusta

Assusta em ser um covarde.

O fracasso é só de quem luta.

Quando se arrepende é tarde.

 

De envelhecer não me apavora

Apavora passar brancas nuvens

Jovens nuvens lindas de outrora

Que na mente elas ainda surgem.

 

Peruíbe SP, 13 de agosto de 2022.   

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

TUA IMAGEM

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Você não sai da mente

No coração fez morada

Sei, só quem ama sente

A solidão da madrugada.

 

Da infância à vida adulta

A tua imagem persegue,

O teu charme me insulta

É santa, não sou herege.

 

Quantas noites sem sono,

E madrugadas em branco.

Eu só choro, sofro, sonho

Cubra-me com teu manto.

 

A sua voz doce e tão suave

Este rosto lindo e angelical.

Faz flutuar como uma ave,

No teu corpo, lira musical.

 

Mulher, não fuja do olhar.

Não abandona no deserto,

Sinto só nas noites de luar

Sem ti, eu morrerei é certo.

Peruíbe SP, 12 de agosto de 2022.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

NOSSO PAI

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Quisera que os pais fossem eternos,

Não partissem para o desconhecido

E que os vossos amores fraternos,

Soassem como canções ao ouvido.

 

Quisera que rissem das peraltices,

Do filhinho brincando de infância.

Que o amor eterno nunca partisse,

Deixando um rastro de lembrança.

 

Quisera que os dias fossem deles,

Que se renovassem a cada sorriso.

Que a sua felicidade à flor da pele,

Florisse feliz no jardim do paraíso.

 

Quisera que o seu corpo já arcado,

Não sofresse tanto os infortúnios.

E que a incansável luta do passado,

Não tornasse um homem taciturno.

 

De lembranças, não viver sozinho,

Peço à Deus tirar-me desta agonia.

Bradar numa voz de eterno carinho:

Dizer “Dia dos Pais” é todos os dias!

 

Peruíbe SP, 11 de agosto de 2022.