Adão de Souza
Ribeiro
Nascer
e viver nas pequenas cidades do interior tem tantas benesses, que é impossível descrevê-las
numa modesta dissertação. A começar pela natureza exuberante e a vida bucólica,
tudo conspira para a mais pura felicidade. Quando um capiau, perdido entre
arranha-céus da cidade grande, chora copiosamente com saudades do sertão, tem razões
de sobra.
Nas noites de lua cheia, as casas dormem de
janelas abertas, enquanto as corujas chirriam na cumeeira do paiol. As ruas
desertas caminham para lá e para cá, desesperadas com medo da solidão.
Benjamin, o cachorro vira-lata, evita latir e só age se for extremamente
necessário, para não acordar seus donos, por isso, orgulhava-se em ser o eterno
guardião do lar.
Desde o anoitecer e até a chegada do sono, as
pessoas enfurnam em suas casas. À luz de uma lamparina quase apagando e ao som
de uma vitrola, que toca músicas sertanejas raízes, os pais e os filhos conversam
muitas coisas simples, porque a vida é simples. O cuscuz com carne seca, regado
com café de coador, alimenta a conversa prazerosa.
As crianças são embaladas pelas brincadeiras
de infância. A rotina cotidiana não as deixam enfadonhas, pois são criativas e
sempre inventam algo novo. Já os adultos tão atarefados em seus afazeres, nem se
dão conta de que a semana passou tão depressa. As diversões se resumem aos dias
de domingo, quando vão à missa ou visitar os parentes, bem como, jogar futebol ou
baralho entre amigos.
.De repente, eis que surge no lugarejo, um circo. A partir daí tudo muda e, por algum tempo, o marasmo dá lugar a agitação. Enquanto ele é montado, a molecada acompanha o árduo trabalho dos funcionários. Antes ele tinha como endereço, o terreno baldio, onde, hoje localiza-se o Hospital Municipal.
Quando chove, para acessar o circo, o público acaba atolando o pé na lama. Feitos ordeiras e laboriosas formiguinhas, os funcionários braçais batem estaca, levantam mastro, esticam lonas, cordas e fios; montam o picadeiro, a arquibancada e o palco; colocam o sistema de som e as luzes. Enfim o circo ganha forma e vida.
Chegou o dia da estreia. O carro de som percorre
todos os logradouros da cidade, anunciando a boa nova. A euforia é total. Todos
preparam as roupas de gala e o dinheiro. As crianças buscam no cofrinho de louça, as moedas
juntadas durante o ano. A cidade se enche de graça. A solidão sai de casa e
ganha as ruas. “Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor!”
O circo
todo iluminado e o som do alto falante, dá um ar de encantadora alegria. Já no
interior, todos sentados na arquibancada anseiam para o início do espetáculo. Na
visão das crianças, tudo é enorme e magnífico. No picadeiro, os palhaços
brincam e fazem estripulias, arrancando inocentes gargalhadas das crianças. No
alto, presos às cordas, casais executam malabarismo, levando o público aos
suspiros. No palco, apresentam um melodrama recheado de muito humor.
Enquanto as pessoas ficam inebriadas com as maravilhas circenses, os meninos com seus tabuleiros, percorrem as arquibancadas e vendem guloseimas, confeccionadas pelas mulheres do circo. É uma forma de terem o ingresso franqueado. Assim agem por serem pobres e não terem como comprar os ingressos. Outros aventuram em passarem por debaixo da lona. Muitos não logram êxito e, em razão disso, são escorraçados pelos seguranças. Encabulados voltam chorando para casa.
De vez em quando, duplas sertanejas raízes, famosas
no rádio, são convidadas para participarem do show. É assim que o povo passa a conhecer
Liu & Leo, Zilo & Zalo, Tonico & Tinoco, Tião Carreiro & Pardinho,
Duo Glacial, Zé Tapera & Teodoro e tantos outros artistas inesquecíveis. Nesses tempos modernos, só tem lixos musicais e
artistas ralés, fabricados pela mídia. Pessoas sem talento algum, frutos da
massificação e do consumismo. Meu Deus, que saudades do Flávio Cavalcante! Com ele, os artistas de meia tigela e as letras estapafúrdias não prosperavam.
Triste saber, que os circos não permanecem
mais do que vinte dias no lugar. Quando começam a desmontar, é como se estivessem
arrancando um pedaço dos nossos sonhos e das nossas emoções. O circo nos ensina
a viajar no mundo das fantasias. Neste mundo, não é permitido chorar. Sorrir e
ser feliz é preciso.
Quando a companhia circense parte em retirada,
leva consigo momentos de intensa alegria. Então só resta ao vilarejo, recolher-se
na solidão de seus lares e sonhar com os espetáculos cotidianos que a vida
oferece.
Ainda se ouve ao longe, a voz do palhaço Alegria, dizendo: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor!”.
Peruíbe SP, 14 de
agosto de 2022.
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