domingo, 28 de agosto de 2022

GERUSA, A DADIVOSA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Não há como falar da infância, sem relacioná-la com ternura e humildade. Ela jamais rimará com maldade ou violência, ainda mais, quando se desenvolve na cidade pequena do interior. É preciso preparar o espírito do assíduo leitor, para que, ao saborear a narrativa, não deturpe o sentido do que se pretende contar. Desta forma, não se frustra o leitor e nem o contador de causos. Certo?

                        Conta a história, que na minha terra natal, num tempo não muito distante, havia um grupo de moleques, com idades entre quatorze e dezesseis anos, que criaram uma Sociedade Secreta. Ela tinha como regra principal, não violar o segredo do que praticavam. Podia-se cortar a mesada, proibir o futebol de fim semana, serem torturados ou mortos, porém, não confessavam. Cidade pequena, sabe como é: a fofoca espalha como tiririca. 

                        O grupo era composto por “Tiziu” – o neguinho pedra noventa-, “Fujiro Kakomby” – o sansei de descendência nipônica, “Canarinho” – o bom de bico, “Bambu” – o magro feito vara de bambu, “Ganso” – por causa do pescoço grande e “Sucuri” – bem servido pela genitália masculina. Eram amigos inseparáveis e pau pra toda obra. O lema da turma era: “Mexeu com um, mexeu com todos”.

                        A cidade pacata e provinciana, não tinha muita atividade e diversão infantil, por isso, eles tinham que inventar. Ora pescavam no córrego, que margeava o lugar; ora caçavam passarinho com estilingue ou arapuca, nas poucas matas ainda existentes; ora jogavam futebol, com bola feita de meia, nos terrenos baldios e ora apostavam corrida, com carrinhos de rolimãs, nas ruas descalças. Era um jeito de passar o dia, até a chegada da noite, que demorava horas para acontecer.

                        Como já disse o narrador, em outras oportunidades, o lugar é carregado de fatos reais e pitorescos. Também é berço de um povo diferenciado, daqueles que habitam a cidade grande. Eles têm estereótipos, que beiram a inocência e a comicidade, por isso, são tão especiais. Os forasteiros que lá aportam, tem dificuldade em se adaptarem.  Uma vez adaptados, apaixonam-se pela vida bucólica do lugar.

                        Um casal de nome Genilson e Gerusa, mudara-se há pouco tempo ali. Vieram com a empresa, para construir a rodovia federal. Ele vigilante noturno das máquinas e do patrimônio da empresa, ela a dona do lar e fixaram moradia próximo ao matadouro municipal. Aos poucos, a história vai ganhando forma e, também, os moleques vão descobrindo as virtudes de Gerusa.

                        Gerusa, uma mulher vistosa e viçosa. Mulher de trinta e cinco anos; morena, da cor do pecado; estatura mediana; rosto fino e delicado; lábios carnudos; olhos esverdeados de felina; seios fartos, em forma de meia taça; cintura fina, de pilão; ancas apetitosas; coxas bem torneadas. cabelos longos, negros e lisos; pele aveludada e voz sedutora. Enfim, uma mulher de fazer padre abandonar a batina em plena missa dominical e cachaceiro esquecer o último trago, no “Bar do Mori”, diante dos requebros dela.

                        A casa era na beira estrada, onde ela contemplava a paisagem, debruçada na janela. De blusa decotada, desfilava o par de seios provocadores abrilhantando a visão de quem passava. Já no início da noite, ao passar por ali, “Sucuri” foi chamado por ela, a fim de criarem amizade e de conversarem. A partir de então, ele descobriu um oásis de felicidade e prazer. Ele foi convidado a entrar na casa e a prosa estendeu até de madrugada.    

                        De baby doll, sem as peças íntimas, estava vestida para matar a presa inocente e “Sucuri”, foi o primeiro a cair na armadilha. Ela, uma mulher experiente e ele, um filhote de homem, entrando na puberdade, tornou-se a química certa. Aquele corpo suado, com cheiro de fêmea no cio, embriagou o menino e fizeram do leito um paraíso. Como pode a natureza ser tão pródiga?

                        Depois da noite inaugural, “Sucuri” e o grupo tiveram motivos de sobra para amarem mais as noites do que os dias, na minha terra natal. Aos poucos Gerusa, mostrou suas garras e habilidades na arte de dar prazer aos meninos. Todas as noites, os meninos rumavam para o ninho daquela messalina, ou melhor, daquela beldade feminina.

                        Noite sim e noite também, Gerusa recebia seus pupilos, exceto nas folgas de Genilson. Enquanto ele cuidava das máquinas na estrada, os meninos davam assistência a máquina dele na casa. O sigilo e a discrição, exigidos por ela, levou a história muito longe. Muito organizada, determinou que todos eram recebidos pela ordem de chegada, para as bênçãos noturnas. Ela fazia de tudo para agradar os infantes e como fazia! 

                        Mas nem tudo são flores. Por chegar tarde ao banquete de luxúrias, “Canarinho”, foi o último a desfrutar dos chamegos da anfitriã. A madrugada se findava e em meio as trocas de carícias, os pombinhos ouviram barulhos na porta da cozinha. “Meu Deus, é meu marido!”, cochichou Gerusa aos ouvidos do varãozinho.

                        Ela estava mais branca do que a bunda do Sivuca. Antes do término da frase dela, “Canarinho” já estava com as roupas na mão e pulando a janela de dois metros de altura. Caiu sobre carrapicho e arranha-gato e, depois, passou sob a cerca de arame farpado. O bichinho chegou em casa todo rasgado e estropiado. Ele parecia ter fugido da guerra da Ucrânia. Era para ter sido mais uma noite de prazer.

                           "Fujiro Kakomby" também debutou, quer dizer, foi inaugurado. Ao ver aquele monumento despida, teve medo e quis fugir. Por ser inexperiente na arte de satisfazer uma mulher, recebeu aulas preliminares da fêmea sedenta de sexo. Aquela mulher viajada pelo mundo das fantasias, tinha mais hora de cama do que urubu de voo. Os meninos da Sociedade Secreta, não viam pecado e nem maldade nos atos de Gerusa. Criança é criança, nada mais.

                        Na outra noite, passado o susto e o medo, lá estava ele e os demais, desfrutando do leito de Gerusa. Ela era uma ave, que sabia proteger muito bem os pintinhos debaixo das asas. Amava agradar os pintinhos! As primas atendiam os marmanjos, num condomínio perto da caixa d`água, que ficava na Rua das Mágoas. Se não fosse ela, quem cuidaria dos meninos? Nem mesmo o Juizado de Menores ligava para eles. Ela era, antes de tudo, uma cuidadora de menores. Gerusa dava tudo de si por eles, ou melhor, para eles.

                        Nada na vida é eterno, nem mesmo a eternidade. Com o tempo, a rodovia ficou pronta. A empresa bateu em retirada e com ela os funcionários. Só ficou a tristeza, pois o casal Genilson e Gerusa, com sina de retirantes, também partiu. A alegria de pobre, ou melhor, de criança dura pouco. Restou apenas saudades dos carinhos e chamegos de Gerusa, uma mulher tão pura e dadivosa!

                       Os meninos, ao se recordarem da silhueta do corpo de Dadivosa, sob o baby doll transparente, gritaram tristes e pesarosos: "Adeus, doce Gerusaaaaaa!'. 

Peruíbe SP, 28 de agosto de 2022

Um comentário:

Lallo disse...

Parabéns dileto amigo excelente conto retrata bem a vida interiorana de quando eramos garotos é também de uma cidadezinha pequena !!