quarta-feira, 17 de agosto de 2022

JARDIM DA INFÂNCIA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Antes de tudo é preciso amar. Este sentimento nobre transforma as pessoas e o mundo ao seu redor. Ele é a mola mestra, que nos impulsiona ao longo da vida, rumo às grandes realizações. Quando sentimos alegria e prazer nos nossos atos é porque o amor se faz presente. Quando se tem uma pitada de amor, a vitória tem um sabor imensurável e gostoso de digerir. Por isso, antes de tudo, é preciso amar, amar e amar.

                        Todas as vezes, que a memória resgata reminiscências do passado, a alma sente-se envaidecida com as doces lembranças de outrora e de um tempo que não volta mais. Quem viveu aqueles períodos áureos da infância, sabe do que se está falando. Recordar é um eterno exercício de reescrever os valores da existência.

                        Nesta busca incansável, a fim de registrar fatos ocorridos em anos longínquos, para que a história não se perca, deparo-me com imagens da praça, que ladeia a Igreja Matriz. O calçamento com pedras portuguesas e de cores variadas, decorava o local como uma verdadeira obra de arte. Os visitantes de outras plagas, maravilham-se com tamanho esplendor.

                        O jardim era dividido em dezenas de canteiros e, em cada um deles, plantava-se flores diferentes. Além das flores, uma infinidade de árvores frondosas compunha o lugar, proporcionando a visão do paraíso. Os bancos de concreto, com logotipo do comércio patrocinador, estavam distribuídos por toda extensão. Um lugar privilegiado para descansar ou contemplar a natureza.

                            No centro e na parte mais alta, lá estava a igreja toda imponente. Dali observava a cidade e contemplava o horizonte.  Ela sentia-se abençoada pela fé de seu povo.  Um povo simples e de uma vida simples. Ao lado, na torre de madeira, o sino badalava e entoava canções sacras, chamando as pessoas pra as longas rezas em latim. O padre octogenário, envergado em sua batina, passeava pela praça, fazendo o sinal da cruz. 

                        Havia o coreto e, também, num ponto estratégico, os bustos dos fundadores da cidade, com uma placa descrevendo suas biografias. Toda iluminada, a praça transforma-se no ponto de eventos comemorativos e, o mais importante, de encontro dos jovens e dos eternos namorados. Aos domingos, depois da santa missa, os fiéis permaneciam ali se interagindo, enquanto as crianças compravam guloseimas dos carrinhos dos ambulantes.

                        Por ser observador e detalhista nato, minha atenção fitava as flores e os encantos que o lugar oferecia. O que hipnotizava eram as plantas viçosas e bem cuidadas, isso além do asseio do ambiente. Não se via uma folha de árvore, papel de bala ou bituca (ponta) de cigarro, caídos no chão. Creio não haver outro lugar, em alguma cidade do planeta, de tamanha beleza. Se existia o paraíso, ele estava ali. Disso não se tinha dúvida.

                        A magia do jardim, tinha uma razão de ser. Graças a dedicação de um senhor de nome Alfeu, que todos os dias, cuidava de cada espaço, de cada flor. De canteiro em canteiro, arrancava as ervas daninhas, as flores murchas, colocava veneno nos formigueiros e ligava as mangueiras para aguar as plantas. Se embriagava com a tarefa de jardineiro, cuja labuta se estendia até altas horas da noite.

                        Eu lembro-me com imensa ternura, de um personagem folclórico e inesquecível de apelido “Caga Sebo”. Um homem de estatura mediana, magro, pardo, cabelos carapinhas, voz de taquara rachada, o qual vestia uma roupa, imitando farda. Ele intitulando-se vigia, percorria toda a praça, cuidando do único ponto turístico.

                        Era temido pela molecada arteira, pois quando via alguém com pés no banco, pisando no canteiro, arrancando flores ou jogando lixo no passeio, virava um bicho. Depois de declamar uma dezena de palavrões, esbravejava: ”Moleque sem vergonha, não tem pai para te dar educação? Tira o pé do banco”. Era temido pelas crianças de minha infância.

                        Ao cair da tarde, uma revoada de pássaros de toda espécie, pousava nos galhos, camuflavam entre as folhas e gorjeavam sem parar. Feitos uma orquestra sinfônica, entoavam hinos melancólicos aos nossos ouvidos, que nos transportavam ao mundo transcendental. Tudo o que ora se narra estava ali, ao alcance dos olhos e dos ouvidos. Naquela época, todos que viveram naquele pedaço do paraíso, foram privilegiados com o presente da mãe natureza.

                         A música "A Praça", de Ronnie Von, retrata fielmente o que se pretendeu aqui descrever: ",,, Sentei naquele banco da pracinha, só porque/ Foi lá que começou o nosso amor/...Senti que os passarinhos todos me reconheceram/... a mesma praça, o mesmo banco/... As mesmas flores, o mesmo jardim/... Tudo é igual, mas estou triste/...Beijei aquela árvore tão linda, onde eu/... Com meu canivete, um coração eu desenhei/... O guarda ainda é o mesmo que um dia me pegou/ Roubando uma rosa amarela pra você/ Ainda tem balanço, tem gangorra, meu amor/ Crianças que não param de correr/ Aquele bom velhinho, pipoqueiro, foi quem viu/ Quando, envergonhado, de namoro eu lhe falei/ Ainda é o mesmo sorveteiro que assistiu/ Ao primeiro beijo que lhe dei/ A gente vai crescendo, vai crescendo e o tempo passa/ E nunca esquece a felicidade que encontrou/ Sempre eu vou lembrar do nosso banco lá da praça/ Foi lá que começou o nosso amor..."

                        Quantos futuros casamentos nasceram, desabrocharam e floresceram ali. A dedicação do jardineiro Alfeu, descreve ipsis litteris o significado da palavra amor. Ele cuidava do jardim, como se fosse sua casa. O jeito simples como manuseava a terra, para o plantio das mudas, externava o amor pela profissão. Até parecia que conversava com as plantas e flores, bem como,  elas com ele.

                        E foi assim que aprendi amar a minha cidade: Lá no JARDIM DA INFÂNCIA!

 

Peruíbe SP, 17 de agosto de 2022

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