Adão de Souza
Ribeiro
Fofo, cujo nome de batismo era Astolfo
Pereira, era um menino traquino como qualquer um da sua idade. Como o lugar
onde os pais fincaram morada, era pequeno e de vida bucólica, Fofo passava o
dia inteiro brincando com os coleguinhas. Eles criavam mil diversões para
passar o tempo, que por incrível que se pensa, parecia não terminava nunca.
Os meninos gostavam de soltar papagaio
(empinar pipa), jogar burquinha (bolinha de gude), dono da rua, corrida de
carrinho de rolimã, carrinho de carretel, entalhado na madeira. As meninas, por sua vez,
brincavam de casinha, com bonecas de pano, de plástico ou feitas de espiga de
milho. Outras vezes, brincavam de pular corda, amarelinha, bambolê,
esconde-esconde e por aí se vai.
De vez em quando, surgia uma arenga entre
eles, mas logo, tudo se resolvia e a brincadeira continuava. Ninguém ficava de
mal por longo tempo. Enquanto os pais lidavam com a vida diária, os fedelhos brincavam
de ser criança. A cidade vestida de inocência, dava um colorido especial aquela
infância, que não volta jamais.
A turma banhava-se na lagoa perto matadouro,
caçava passarinho com estilingue ou armava arapuca para apanhá-los, apertava
campainha das casas e saia correndo, ouvia música sertaneja raiz, apanhava
goiaba no quintal do vizinho, caia do pé-de-manga e se ralava todo, corria de
boi na invernada, montava em burro xucro, levava coice de nula e atiçava o pitbul. Também comia pirão, leite com nata, carne assada, galinha
ensopada, tudo feito no fogão à lenha, pela mãe.
Fofo sabia dividir muito bem, as brincadeiras
e a escola. Ele amava por demais o grupo escolar e até ficava triste, quando
não frequentava a aula, por um motivo qualquer. Todos os professores gostavam
dele, pois diziam que ele era um menino inteligente, educado e respeitava os
mestres. Astolfo era um líder nato.
Na escola, berço do saber, os professores
eram valorizados e respeitados. Jamais eram insultados ou agredidos. Os alunos
viam nos professores, verdadeiros deuses e suas palavras tinham um peso enorme
na formação moral dos futuros cidadãos. Nunca um pai questionou as atitudes de
um professor, durante uma correição em aula. Os tempos eram outros.
Naquela época, o que chamava atenção naquele
lugarejo, era o fato de que todos eram conhecidos por apelidos. Se perguntasse
por alguém, através do nome de batismo, ninguém conhecia. Então vejamos: “ O
senhor sabe onde mora Joaquim da Silva? ”, a resposta era não. Mas se
perguntasse: “ O senhor sabe onde mora Lagartixa? ”, a resposta era imediata:
“ Ele
mora do lado do Pronto Socorro “.
As pessoas recebiam o apelido, por razões
diversas, ou seja, uma particularidade física, profissão, o lugar de origem, um
ato que chamou atenção e por aí se vai. Certo é que a pessoa apelidada, não se
sentia humilhada; mas, sim honrada. Ela vestia a roupa do apelido e que se
tornava o novo nome de batismo. Naquela cidade interiorana, a amizade e o
respeito estava acima de tudo e o apelido era um simples detalhe. O que se sabia lá no sertão, que quanto mais o dono ficava bravo, mais o apelido pegava.
Mas, um dia, Astolfo, o Fofo da história,
cresceu e se fez homem adulto. Por força do destino, bateu asas e foi voar por
outros rincões afora. Antes não tivesse separado de sua terra natal, diga-se de
passagem. Lá pelas terras desconhecidas, deparou com mil coisas, as quais, só
lhe causaram espanto e medo.
Viu que as crianças não mais brincavam de
serem crianças. Elas não passavam de robôs manipulados pela mídia e por um
falso progresso. Os carrinhos entalhados na madeira, foram trocados por
brinquedos eletrônicos. As longas conversas nas calçadas, em noite de lua,
foram substituídas por um tal de “zap zap”. Não falavam, não pensavam e nem
tinham opinião própria. Para onde foi o calor humano e o olho no olho?
Escafedeu-se!
Os moleques de hoje, é um tal de “não me
toque, não me rele”. Os modernistas criaram um termo chamado “bulling”, que
no tempo do Astolfo era chamado de “frescurite” ou “nenhenenhem”. O tal do bule, era um recipiente para colocar café. Imagina se
essa geração tivesse nascido e vivido na terra natal de Fofo?
Meu Deus, o que será dessa GERAÇÃO NUTELLA?
Peruíbe SP, 04 de
junho de 2023.