domingo, 4 de junho de 2023

GERAÇÃO NUTELLA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Fofo, cujo nome de batismo era Astolfo Pereira, era um menino traquino como qualquer um da sua idade. Como o lugar onde os pais fincaram morada, era pequeno e de vida bucólica, Fofo passava o dia inteiro brincando com os coleguinhas. Eles criavam mil diversões para passar o tempo, que por incrível que se pensa, parecia não terminava nunca.

                        Os meninos gostavam de soltar papagaio (empinar pipa), jogar burquinha (bolinha de gude), dono da rua, corrida de carrinho de rolimã, carrinho de carretel, entalhado na madeira. As meninas, por sua vez, brincavam de casinha, com bonecas de pano, de plástico ou feitas de espiga de milho. Outras vezes, brincavam de pular corda, amarelinha, bambolê, esconde-esconde e por aí se vai.

                        De vez em quando, surgia uma arenga entre eles, mas logo, tudo se resolvia e a brincadeira continuava. Ninguém ficava de mal por longo tempo. Enquanto os pais lidavam com a vida diária, os fedelhos brincavam de ser criança. A cidade vestida de inocência, dava um colorido especial aquela infância, que não volta jamais.

                        A turma banhava-se na lagoa perto matadouro, caçava passarinho com estilingue ou armava arapuca para apanhá-los, apertava campainha das casas e saia correndo, ouvia música sertaneja raiz, apanhava goiaba no quintal do vizinho, caia do pé-de-manga e se ralava todo, corria de boi na invernada, montava em burro xucro, levava coice de nula e atiçava o pitbul. Também comia pirão, leite com nata, carne assada, galinha ensopada, tudo feito no fogão à lenha, pela mãe.

                        Fofo sabia dividir muito bem, as brincadeiras e a escola. Ele amava por demais o grupo escolar e até ficava triste, quando não frequentava a aula, por um motivo qualquer. Todos os professores gostavam dele, pois diziam que ele era um menino inteligente, educado e respeitava os mestres. Astolfo era um líder nato.

                        Na escola, berço do saber, os professores eram valorizados e respeitados. Jamais eram insultados ou agredidos. Os alunos viam nos professores, verdadeiros deuses e suas palavras tinham um peso enorme na formação moral dos futuros cidadãos. Nunca um pai questionou as atitudes de um professor, durante uma correição em aula. Os tempos eram outros.

                        Naquela época, o que chamava atenção naquele lugarejo, era o fato de que todos eram conhecidos por apelidos. Se perguntasse por alguém, através do nome de batismo, ninguém conhecia. Então vejamos: “ O senhor sabe onde mora Joaquim da Silva? ”, a resposta era não. Mas se perguntasse: “ O senhor sabe onde mora Lagartixa? ”, a resposta era imediata: “ Ele mora do lado do Pronto Socorro “.

                        As pessoas recebiam o apelido, por razões diversas, ou seja, uma particularidade física, profissão, o lugar de origem, um ato que chamou atenção e por aí se vai. Certo é que a pessoa apelidada, não se sentia humilhada; mas, sim honrada. Ela vestia a roupa do apelido e que se tornava o novo nome de batismo. Naquela cidade interiorana, a amizade e o respeito estava acima de tudo e o apelido era um simples detalhe. O que se sabia lá no sertão, que quanto mais o dono ficava bravo, mais o apelido pegava.

                        Mas, um dia, Astolfo, o Fofo da história, cresceu e se fez homem adulto. Por força do destino, bateu asas e foi voar por outros rincões afora. Antes não tivesse separado de sua terra natal, diga-se de passagem. Lá pelas terras desconhecidas, deparou com mil coisas, as quais, só lhe causaram espanto e medo.

                        Viu que as crianças não mais brincavam de serem crianças. Elas não passavam de robôs manipulados pela mídia e por um falso progresso. Os carrinhos entalhados na madeira, foram trocados por brinquedos eletrônicos. As longas conversas nas calçadas, em noite de lua, foram substituídas por um tal de “zap zap”. Não falavam, não pensavam e nem tinham opinião própria. Para onde foi o calor humano e o olho no olho? Escafedeu-se!

                        Os moleques de hoje, é um tal de “não me toque, não me rele”. Os modernistas criaram um termo chamado “bulling”, que no tempo do Astolfo era chamado de “frescurite” ou “nenhenenhem”. O tal do bule, era um recipiente para colocar café. Imagina se essa geração tivesse nascido e vivido na terra natal de Fofo?

                        Meu Deus, o que será dessa GERAÇÃO NUTELLA? 

Peruíbe SP, 04 de junho de 2023.

Nenhum comentário: