Adão de Souza
Ribeiro
Na redondeza contam que Rita tinha uma
periquita lindíssima. As fofoqueiras juramentadas gostavam de dar um tom jocoso
ao comentário. Ali no vilarejo, o povo tinha por hobby, ou seja, passatempo,
criar um bichinho de estimação, fosse para adorno ou para alegrar o ambiente. Por
isso, Rita não haveria de ser diferente. Ela nutria um afeto descomunal, por
animais delicados ou exóticos.
Não fazia distinção entre uma pantera negra ou
um gato siamês. “São todos criaturinhas de Deus”, dizia com uma voz tão terna,
que comovia a todos. Na sua concepção, até falavam, quando estavam alegres ou
tristes. A adentrar na casa, notava-se a oração de São Francisco de Assis,
pendurada na parede da sala, surrada pelo tempo. Ao lado, uma foto de
Jesuscristinho, montado no lombo do jumento. “Lá vai São Francisco/Pelo
caminho/Levando ao colo Jesuscristinho/Fazendo festa/No menininho/Contando
histórias/Pros passarinhos.” – Marcus Vinicius de Mello Morais.
Mas Rita era um caso à parte. Tinha a ave
desde filhote, quando apanhou de um ninho abandonado pela mãe/fêmea, para
criar. Peladinha e sem penugem, a quem dispensou toda atenção e carinho. Tinha um
ciúme doentio e não deixava as pessoas pôr as mãos. Sabia da maldade e da
cobiça do mundo. Uma ave indefesa, necessitando de proteção e amor. Era dela a
periquita, razão pela qual, podia fazer o que bem entendesse. Não aceitava
palpites e nem conselhos. Um menino traquina passou a mão na periquita, então, apanhou
e sofreu feito sovaco de aleijado.
Certa feita enlouqueceu, quando quiseram comer
a periquita. Uns malucos e “loucos de pedra”, propuseram cozinhar e temperar
sua periquita à moda cabidela. Aquele dia foi o maior furdunço e deu até
polícia. Os moradores solidários fizeram até passeata em apoio a Rita. Com
cartazes, banda marcial, discurso com megafone e coreografia de feministas em
defesa da mulher fizeram a cidade descer do salto.
Quando a periquita ganhou corpo e passou a
ter a plumagem de fazer inveja a outros pássaros canoros, todo mundo se dispôs ajudar.
Com desculpa de ouvir o canto, a população queria ver o bico da periquita da
Rita. “Vá para o inferno. Vá ver a da sua mãe.”, esbravejava entre
tantos palavrões de baixo calão. Em defesa
de sua periquita, sacrificava a própria vida e não temia a morte. “Dou a
minha própria vida pela bichinha. Mato a cobra que atacá-la e mostro o pau.”,
ela completou sem titubear.
Ninguém se importava com a cobra urutu
cruzeiro do Bastião, o peixe piraru do Chico, a coleirinha da Zéfinha. A graça
estava na periquita da Rita. “Severino Bago-Mole” compôs um poema de cordel e “Zé
Gaiteiro”, uma música sertaneja em ritmo catira, para a avezinha. Até o alcaide
queria transformar a casa de Rita, em ponto turístico, por causa da periquita.
No dia em que Rita, por um descuido
imperdoável, esqueceu a porta da sua gaiola aberta, deixando a periquita fugir,
a cidade entrou em pânico. O chefe do executivo decretou feriado municipal e
aprovado pelo legislativo, a fim de que todos fossem à caça, ou melhor, à
procura da periquita fugitiva. Enquanto Rita desmaiava nos braços da
solidariedade local, uns caboclos mateiros, lograram êxito e localizar sua
periquita, a qual, toda faceira, pousara no pau, desculpa, no galho do
abacateiro da casa vizinha.
A rua, antes denominada Rua Desterro Eterno, passou
a ser popularmente chamada de Rua Periquita da Rita. Isso com placa nominativa;
localização no Google, Waze, GPS e tudo o que tem direito. Rita envelheceu,
enrugou-se e se foi com o tempo, porém, crê-se que o mesmo aconteceu com a periquita.
Até porque, Rita não se separava dela, nem morta.
Podem até acharem graça, mas tudo foi real. Tanto é que na entrada da cidade, vislumbrava-se do alto, a estátua de Rita abraçada à sua inseparável periquita. É fato!
Peruíbe SP, 27 de fevereiro de 2021.