sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A SANTA URTIGA


                           Dom Orlando, era uma pessoa carismática e de uma cultura impar. Por isso, ao longo dos anos, conquistou uma imensidão de admiradores e seguidores, em virtude do o que ele falava ou fazia. Isso custou à perda de privacidade e atrapalhava sobremaneira os seus momentos de clausura, que a vida episcopal exigia. Quantas vezes, ele era chamado de madrugada, para o ritual de extrema unção ou para apaziguar desavenças conjugais. Também para festanças, regadas a vinhos e carne de primeira, com aquela gordurinha provocante.

                                   O seu jeito bonachão, físico acima do peso, traços germânicos, sorriso espontâneo, além, é claro, do comportamento gozador (sarrista), colocava-o no topo das pessoas benquistas, no lugarejo. Creio que a batina caíra bem.  O coração propenso ao bem e o espirito alegre, eram pré-requisitos pra transformá-lo no apascentador de ovelhas. Era a primeira pessoa a ser lembrada, para convites em festas particulares e festividades públicas.

                                   Nas horas vagas, dentro dos muros do seminário, Dom Orlando gostava de lidar com plantas ornamentais e hortaliças. Devorava livros sobre botânica e, também, sobre a fauna. Por diversas vezes os amigos de celibato, surpreendia-o conversando demoradamente com as plantas. “Bom dia, meu pé de alface”, “Por que anda triste minha begônia?”, “Como é linda a sua roupa, minha rosa”. Achava lindo as abelhas e os beija-flores, na dança incansável pela busca do pólen.

                                   Aos poucos, o povo do lugarejo descobriu que, além do dom divino de cuidar da fé, também tinha uma queda para o curandeirismo. De vez em quando, longe do altar sagrado da igreja matriz, ele receitava uns remédios caseiros, indicando o uso de plantas medicinais. Não bastasse isso, ensinava algumas simpatias, como por exemplo, para espantar mal olhado (olho gordo), quebranto, asma, “trabalho feito”, etecetera e tal. Que o bispo emérito, seu superior hierárquico, não soubesse disso, pois podia excomunga-lo.

                                   Mas há uma história, não comprovada, de que em virtude destes dons extra paróquia, Dom Orlando teria sido convidado por Vossa Santidade, a fim de visita-lo no Palácio Apostólico, residência oficial do líder da igreja. Havia rumores de que o Papa estava acometido de uma doença não divulgada pelo clero. Chegou aos ouvidos do supremo líder, que Dom Orlando curava tudo E, para isso, usava até métodos não ortodoxos, isto é, não reconhecidos pela Santa Sé. Até hoje, não se sabe se isso é real, mas lenda é lenda, convenhamos.

                                   Mas o que aconteceu no lugarejo e aos nossos olhos, podemos narrar, sem medo de cometermos uma heresia. Vamos ao causo (história). De um jeito discreto, Dom Orlando dava lá suas escapadelas. Durante uma partida de baralho, ele percebeu que um dos participantes demonstrava dificuldade para sentar-se. Ao perceber que se tratava de hemorroidas, Dom Orlando orientou que o enfermo fizesse banho de assento com urtiga, não a folha, mas sim a casca. Por acreditar nos dons religiosos, medicinais e curandeiros do vigário, lá se foi o incomodado para o banho.

                                   Narram as línguas malévolas, que o enfermo, depois da infusão na região afetada, fora socorrido às pressas para o nosocômio (hospital) da cidade mais próxima. Lá permaneceu por cerca de quinze dias, onde, a todo o momento, lembrava-se de Dom Orlando, não mais com simpatia, mas com tristeza, pelo estrago retal, que o conselho medicinal lhe proporcionara. A receita pode não ter proporcionada a cura esperada, mas é certo que Dom Orlando perdeu um parceiro das horas de lazer e um devoto fervoroso.

                                   Mas as histórias pitorescas de Dom Orlando, o pároco do lugarejo, não param por aí. Contam que, em razão do seu amor pelas plantas e por saber dos poderes que delas emanam isso somado às fortíssimas rezas, Dom Orlando passou a fazer uso da urtiga para benzer pessoas e fazer simpatias. Mas o que chamou atenção dos fiéis e, principalmente das beatas, foi o fato de que ele passou a exorcizar demônios das pessoas, cujos corpos que ardiam em pecado.

                                   Foi por isso que, no jardim que circunda a igreja, um artista renomado, construiu o busto de um homem e, do lado dele, a folha da SANTA URTIGA. Credo em cruz!

 
Peruíbe SP, 24 de novembro de 2016 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O REINO ÁS MOSCAS


                                    
                                           É enfadonho olhar o cair da tarde no Reino Caiçara. Lembrar-se dos tempos de outrora, onde tudo era ouro reluzente, dói no fundo da alma. Talvez seja por isso, que sofro por ser um eterno saudosista Dizem que quem gosta de passado é museu, mas eu, particularmente, não concordo com isso. Quando sento preguiçosamente numa cadeira de balanço e fico a viajar pelo passado, causa-me um prazer imensurável. Portanto, lembrar-se do reino de outrora, deveria causar prazer e não asco.

                                    As pompas do reino, envoltas em tradições centenárias, encantavam os olhos dos súditos e de visitantes simpáticos à monarquia. O amor e o respeito à rainha, tinham uma magia indescritível. A imagem da soberana era de uma mãe protetora, cuidando dos filhos desprotegidos e carentes. O andar compassado dela traduzia segurança e serenidade no trato com as nuances do reino. Por isso, era amada e respeitada por todos, isto é, súditos, vassalos e serviçais. Os gestos simples dela imortalizavam-na.

                                   Quando de sua coroação, tudo era esplêndido no reino. As províncias exalavam encanto e esperança. As ruas, vielas, praças, coretos tinham um encanto, pois a conservação era exemplo aos reinos vizinhos e além mar. Os prédios públicos e os patrimônios históricos gozavam de carinho e respeito, tanto da corte, quanto dos súditos. Com o passar do tempo e diante dos desmandos dos asseclas da monarquia, a beleza do reino foi minando e as virtudes da rainha, caíram no descrédito.

                                   Ao dar guarida às aves da rapina, a rainha foi se distanciando do reino e perdendo o respeito dos súditos. Embora alertada por pessoas que a admiravam, ela persistia no erro. Acreditava que os seus assessores, isto é, os detentores dos títulos de nobreza e os ministros eram fiéis aos seus propósitos de conduzir com dignidade a “coisa pública”. Enquanto ela se comprazia com as adulações de seus bajuladores, eles surrupiavam os cofres públicos, na calada da noite.

                                   Hoje, no apagar das luzes, o que se vê é o palácio em total abandono e o lixo tomando conta das ruas, vielas, praças e coretos. A podridão do reino ultrapassou as portas do palácio e contaminou todas as províncias. Não há como esconder o desgoverno de uma monarca ausente e incompetente, a qual, no início de seu reinado, semeou esperança a um povo simples, trabalhador e ordeiro. O cheiro fétido veio acompanhado da inércia do Parlamento e da Suprema Corte. O sentimento de impunidade levou a população às lagrimas.

                                   Mas, como nem tudo está perdido, ao que parece, por força da lei, a monarca deixará o poder, num tempo não muito distante. Há rumores de que não tarda e um monarca assumirá o poder. Mais uma vez, o povo se embriagará de esperança e voltará acreditar em promessas de um futuro promissor. Em que pese o novo monarca, convocar pessoas de conduta ilibada para auxiliá-lo na missão de reerguer o reino, ainda é cedo para avaliar o que será de todos nós.

                                   Primeira providencia do novo monarca e falo como súdito, será uma rigorosa auditoria financeira no reino, devendo punir com prisão, as aves de rapina. E o que é de suma importância, confiscar os bens dos larápios da corte e, acima de tudo, repatriar as patacas (moedas), ao tesouro real (cofres públicos). O monarca não deverá, em momento algum, fazer conchavos com políticos corruptos, para salvar a pele das aves de rapinas, as quais estão partindo em revoada, rumo ao mundo da impunidade.     

                                   O Reino Caiçara fora deixado às moscas. O lixo da imoralidade pode ser visto em cada beco e em cada esquina. O cheiro fétido da impunidade desce forçosamente pela garganta de cada um de nós. Que o novo monarca, não jogue para debaixo do tapete da indiferença, o que fizeram com todas as províncias.

                                   As moscas reinam soberanas, sobre o Reino Caiçara.    

Peruíbe SP, 21 de novembro de 2016  

sábado, 5 de novembro de 2016

A POLICIA DO REINO: ASCENSÃO E QUEDA


                              No apagar das luzes, pouco há que se admirar no Reino Caiçara. O brilho nos olhos da monarca, quando foi coroada, vai se apagando aos poucos. As festas suntuosas e os bailes revestidos de glamour, não mais existem. Os desfiles oficiais, com a monarca em sua carruagem real, não são mais recebidos com reverência e admiração. A coroa dourada e cravejada com pedras preciosas pesa sobre a cabeça da Rainha e não mais representa o poder, que dela emana.

                                   O reino edificado há centenas de anos, sob a égide da defesa do bem comum, foi enlameado pela embriaguez e luxúrias do poder, fazendo corroer as colunas da ética, da moral e dos bons costumes. As negociatas realizadas na calada da noite, nas costas do trono, maculou a imagem da monarquia e desmoronou a longevidade do reino. O Primeiro Ministro sucateou os cofres públicos e, para isso, corrompeu agentes públicos em todas as esferas do poder.

                                   Com as patacas surrupiadas do Tesouro Real, o Primeiro Ministro comprou terras, mansões, carros luxuosos e pessoas. Os membros do Parlamento (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns) rezavam a cartilha do mandatário. “Quem paga o almoço, escolhe o cardápio”, diz o adágio popular. Ele aliou-se ao capô da cidade, um mafioso conhecido como “Quatro Letras”. O braço da corrupção, comandada pelo Primeiro Ministro, alcançou a Suprema Corte e a Policia Real. Atuou como um rolo compressor sobre seus asseclas e desafetos.

                                   A Polícia Real, criada para defender os fracos e oprimidos, passou a defender os interesses escusos da corte e dos malfeitores do reino. Enquanto a Rainha preocupava-se com o bem estar do seu consorte, o “Conde Tupiniquim”, o Primeiro Ministro, fazendo uso de seu poder e influência, determinava a quem o Diretor da Policia Real devia perseguir ou matar. Assim perseguiu jornalistas, agentes policiais não corruptos e cidadãos de pouca posse. Foi um período em que toda espécie de crime cresceu assustadoramente, instalando-se o medo e a insegurança.

                                   O Primeiro Ministro infiltrou nos corredores da Policia Real, pessoas de sua confiança, com o intuito de coibir instauração de processos contra seus atos criminosos. Tinham, dentre outras funções, retardar investigações ou destruir provas de sua corrupção desenfreada. O diretor nada podia fazer, ou seja, apenas cumprir ordens, pois tinha “rabo preso” com o homem mais poderoso do reino. Foi assim que a policia mais respeitada do reino, caiu num descrédito irreversível.

                                   Sem uma polícia, braço direito da ordem e da justiça, guardiã da ordem e da lei, a violência e a desordem tomou conta dos quatro cantos do reino. Qualquer agente público de conduta ilibada, que se opusesse a esquema montada pelo Primeiro Ministro e pelo Diretor da Polícia Real, era perseguido com infâmias contra a sua honra ou morto covardemente. A partir de então, passou a imperar a lei do silêncio para os honestos ou a lei da cumplicidade para os aliados. 

                                   A ganância do reino contaminou a policia (investigativa e montada), pois ali parecia um mercado persa, onde negociava de tudo. Vitima de toda sorte de violência, o povo tinha medo de procurar o amparo da lei. Sabia que para ter o seu direito garantido, precisava pagar um preço. Os infiltrados do Primeiro Ministro tinham mais autoridade do que o Diretor da Policia Real. A polícia se vendeu e caiu num atoleiro sem precedentes. Os súditos reclamaram ao Parlamento e a Suprema Corte, mas de nada adiantava, pois o Primeiro Ministro comprara a todos.

                                   Mas como na vida, nada é eterno e nem mesmo a própria eternidade, um dia ruiu o castelo de corrupção. O peso da Justiça Divina fez ruir os pilares contaminados pela imoralidade. Não ficou pedra sobre pedra, como aconteceu com as muralhas de Jericó.  A lei e a verdade devoraram os malfeitores do reino. Aos poucos, a lei foi restaurada no reino e o povo suspirou aliviado. O direito e a justiça vencem, mesmo que desarmados.

                                   A Rainha louca morreu de inanição, o Primeiro Ministro com a burra cheia, abandonou o reino e o Diretor da Policia Real, com toda máfia, foi expulso á toque de caixa. Hoje os súditos fiéis à Monarquia acordaram de alma lavada e espírito aliviado. De uma forma tranquila, o bem venceu o mal.

                                   “God protect the Kingdom against its malefactors”. (Deus proteja o Reino contra seus malfeitores).

 

Peruíbe SP, 05 de novembro de 2016