Adão de Souza Ribeiro
Andei um tempo meio arredio.
Enclausurei-me dentro do meu “eu”, com desejo imenso de fazer uma retrospectiva
das minhas caminhadas pela vida, essa vida de eterno retirante. As pressões do
mundo externo deixam fragilizados meu coração e espirito. Na solidão, busco
alimento para as indagações da mente, que me torturam diuturnamente. Ali
quietinho, comprazo-me da felicidade de poder dormir e sonhar em paz.
Mas, de vez em quando, sou
compelido a deixar minha clausura e sair por aí sem rumo, sem eira e nem beira.
E nessas andanças a contragosto, deparo-me com toda sorte de cenas. Ao retornar
para minha clausura, vejo que estou debilitado, física e espiritualmente. Levo
longos dias para me recompor e, só assim, percebo que não posso transformar o
mundo, num paraíso tão sonhado, desde minha tenra infância.
Numa dessas caminhadas, fui parar
no Palácio Caiçara. O jardim exuberante, que agora jardim não era, estava
murcho, meio borocoxô. As janelas opacas, já não conseguiam espiar o movimento
desenfreado das carruagens e dos súditos, em seu derredor. As dezenas de portas
emperradas traduziam o estado de abandono e não se abriam sorridentes aos
convivas e visitantes. É degradante ver
os lustres sem os brilhos de outrora.
Senti um aperto no coração, quando
vislumbrei a rainha cabisbaixa, num dos cantos de seu aposento, abandonada à
própria sorte. Por onde anda o seu esposo, o “Conde Tupiniquim”? Contam os
fofoqueiros de plantão, que o Primeiro Ministro, depois de surrupiar os cofres
públicos do reino, bateu em revoada, para outra capitania hereditária e com a
burra cheia de moedas de ouro. A fome voraz dos membros da corte deixou o reino
jogado às traças.
O choramingo de vossa majestade,
não mais é ouvido pelos súditos. Cansados da má administração do reino, o povo
aguarda com a ansiedade a abdicação do trono. Por não ouvir o clamor do povo, a
rainha perdeu força na Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes. Não vai longe à
derrocada do poder. Os fiéis escudeiros deram as costas e nem mesmo os soldados
da guarda real a reverenciam. No início do reinado, foi orientada a afastar-se
das aves de rapina, mas, embriagada pelo poder, não deu ouvidos às pessoas
simples.
Naquele dia em que eu passava pelo
reino, soube que fora cortada a energia do Palácio Real. Nunca vi tamanha
humilhação para um povo trabalhador e ordeiro. Em que pese o palácio estar no
escuro, a casa oficial do Primeiro Ministro, parecia o “Titanic”, de tão
iluminado que se apresentava. Ao bem da verdade, o Primeiro Ministro é uma
pessoa muito iluminada, pois nada acontece com ele, que possa abalar as
estruturas do reino.
Os suntuosos banquetes, regados a
bebidas caríssimas e longas danças de salão, não existem mais. São apenas
velhos quadros empoeirados nas paredes. Hoje, o palácio vive dias de solidão e
abandono. Apenas alguns serviçais caminham para lá e para cá, sem saber o que fazer.
A rainha esquecida num canto qualquer, vai se definhando aos poucos. Os seus
fiéis escudeiros, tornaram seus desafetos e, agora, partem numa busca
desesperada de outro reino, a quem possam bajular descaradamente.
Do lado de fora, nos arredores,
alheios ao que acontece dentro do muro palaciano, o povo sofre por não saber
como será o futuro do Reino Caiçara. A coroa maculada, não desperta mais o
encanto dos súditos e vassalos. Quem será o próximo monarca e o que se pode
esperar dele? Quem serão as próximas sanguessugas do poder, travestidas de benfeitores?
Que terá a nobreza de reerguer a dignidade do palácio e devolver ao povo
sofrido, uma gota de esperança?
De uma coisa estou certo: “É
triste caminhar pelos corredores do Palácio Real e ver o estado de abandono em
que se encontra. A penumbra que o envolve, é de cortar o coração, de quem
depositou tanta esperança, numa rainha louca e ausente”. Só me resta dizer: “God
save the Queen” (Deus salve a Rainha).
Peruíbe SP, 24 de outubro de 2016