domingo, 28 de fevereiro de 2010

SONETO A AGMON

Quem tem um amigo, filho meu, -
Dizia calmamente meu velho pai –
Ganhou um rico presente de Deus
E não é estranho por onde vai!!

O amigo é uma luz na escuridão,
Uma mão a nos tirar de abismos,
Um sim de amor a sobrepor um não
E um irmão sem qualquer lirismo.

Por isso, meu caro amigo Agmon,
Desejo que esta sincera amizade
Perdure ao longo de nossa vida.

Para que na grande adversidade,
Possamos dizer imunes de dúvidas:
“- Fui feliz, tive um amigo bom!”

Campinas SP, 05 de outubro de 1981

FILHA DE IRACEMA

Falar de ti, mulher,
É pronunciar frases inesquecíveis.
Lembrar de ti, fêmea,
É recordar das coisas belas da ida.
Caminhar contigo, companheira,
É trilhar nos passos da humildade.
Sonhar contigo, fada-madrinha,
É reviver as doces ilusões de criança.
Olhar para ti, minha amiga,
É ver a alma dos puros de coração.
Cantar a ti, moça,
É reconquistar a paz que se perdeu.
Poetar em ti, ó minha musa,
É imortalizar uma pedra preciosa.
Abraçar a ti, criança,
É ninar o corpo do futuro.
Chorar por ti, coração feminino,
É banhar a face de eternos júbilos.
Morrer sem ti, minha doce esperança,
É dormir no leito frio do abandono.
Sorrir contigo, aurora da vida,
É espalhar alegria pelo vento.
Amar a ti, minha sereia,
É navegar num mar de felicidade.
E conhecer a ti, Filha de Iracema,
Foi encontrar o verdadeiro amor!

Campinas SP, 25 de novembro de 1982

sábado, 27 de fevereiro de 2010

FIM DOS TEMPOS


Lembro que ainda na infância, ouvia das pessoas mais antigas, que o mundo iria acabar em fogo. No balanço suave da minha inocência, não entendia como as pessoas sabiam das coisas que iriam acontecer no futuro. Pensava comigo: “Isso não passa de devaneios”. Mas, ao mesmo tempo, deixava preocupado. “Já pensou aquela labareda, aquela língua de fogo, surgindo por detrás do morro e devorando tudo que encontrava pela frente?”, pensava assim comigo
Tinha por gosto, isso faz parte do meu perfil, estar entre as pessoas mais velhas, ouvir suas histórias e beber dos seus conhecimentos. Ficava encantado com as lendas contadas por eles, coisas que passavam de pai para filho. Mas essa história de que o mundo iria acabar com fogo, tirava minhas noites de sono. Será que eram histórias contadas apenas para nos amedrontar, como as histórias de assombração?
Não podemos esquecer que o primeiro fim do mundo, foi com água. Já pensou a agonia de Noé, vendo a água subindo e devorando tudo. Só teve tempo de recolher um par de cada espécie. Não deu tempo de recolher as fotos da família e nem pedir desculpas aos amigos dos maus entendidos. De repente, desapareceu o pico da última montanha e percebeu que a terra era só mar. Nem aves, nem plantas, nem nada.
Mas o tempo passou e eu cresci. Vi que o mundo continuava do mesmo jeito. É, pelo jeito tudo não passava de devaneios das pessoas antigas da minha pequena cidade interiorana. Vi a chegada dos carros modernos, sem esquecer do advento das viagens interplanetárias, da Internet, da cura de doença misteriosas. Em eu pese o mundo continuar o mesmo, de vez em quando, voltava na memória a história o mundo acabando em fogo.
Nos bancos escolares, fiquei sabendo que cientistas – pessoas que fica estudando as coisas -, diziam que o mundo estava agonizando. Lá vinha de novo a história do mundo acabando em fogo. Não conseguia entender, porque Deus sendo um ser tão bondoso, que nos deu tudo sem pedir nada em troca, iria acabar com a terra e nos jogar num tacho quente, queimando em brasas.
Em assim, entre perguntas sem respostas e, também, com a mente povoada de histórias da infância, atravessei o segundo milênio. Ao que parece, são e salvo. Se um dia o mundo realmente acabar em fogo, talvez eu não esteja mais vivo. Não devo ficar me preocupando e perder noites de sono, por causa das histórias das pessoas antigas e sem cultura, criadores de lenda.
Hoje, por mais que eu queira taxar de incultas, as pessoas da minha infância, devo admitir que elas tinham razão. Não é que uma labareda impiedosa, feito a língua de um dragão, vai surgir detrás do morro e nos devorar. Na realidade, o fogo é o aquecimento global, fruto da ganância humana e do desrespeito à natureza. É um fogo que vai queimando aos poucos e sem pressa de ver o fim de tudo.
Desta vez, não haverá arca e nem mesmo naves interplanetárias para transportar um par de cada espécie. Já há muito tempo, venho observando a escassez de alimentos e frutas fora de época. As catástrofes são provas de que estamos próximo do fim e que pouco tempo nos resta para tentar salvar o planeta. Não adianta querermos culpar o Grande Arquiteto do Universo e nem a natureza. Culpados somos nós; culpado fui eu por não acreditar nas histórias das pessoas antigas da minha pequena cidade interiorana.
Quem não está mais aqui, para ver suas profecias serem cumpridas, são eles. Eu estou aqui e vou testemunhar tudo o que me disseram e compreender que não me contaram uma lenda ou uma história de assombração. Na realidade, queriam alertar-me que era preciso fazer algo para salvar o planeta, antes que fosse tarde. Agora, é tarde demais.

Peruíbe SP, 04 de fevereiro e 2007

ETERNA MADRUGADA

A madrugada vai se escondendo mansamente, atrás da montanha azul. Num beijo solitário, a lua despede da noite amiga e vai deitar-se na relva molhado do prado e flor. Os pássaros cantoros, entoam melodias divinas ao amanhã, que vem chegando sorrateiramente, por entre a mata verdejante. E, assim, nesta festa madrigal, acordamos sonolentos, para mais um dia que amanhece.
A cama ainda desfeita e o lençol amarrotado, são testemunhas vivas de uma entrega total. O travesseiro guarda um segredo, as juras de amor e as frases desconexas, rabiscadas no caderno de um prazer infinito. O cálice de vinho pela metade, guarda calado os gritos de êxtase, presos na garganta. É tanta felicidade, é felicidade tanta, que nos embriagamos e embriagados de amor, nos entregamos. A luz tímida do abajur, faz de cada momento, um instante infinito.
Depois a entrega total, abraçamo-nos e num silêncio estonteante, ouvimos as vozes de dois corpos saciados da fome da felicidade. O bater compassado dos corações, colados no suor da pele macia, conduz-nos por galáxias distantes e repletas de mistérios. A respiração pesada, não esconde as estadas que percorremos, no dorso de um amor Indomável, na busca da realização total. Na mansidão do leito, só me perco quando te acho.
Os olhares ainda confusos, tentam decifrar o que aconteceu entre nós. Sem querer, compreendemos que as nossas almas gêmeas não querem explicações. Na dança frenética de nossos corpos, compomos a melodia encantadora de uma noite, que insiste partir sem nada dizer. Enquanto a luz do dia expia-nos pela fresta da janela, cantamos a canção de um amor platônico. Não diga nada, deixe o silêncio falar por nós dois.
Dois corpos nus, despidos de preconceitos, encontram naquele altar sacrossanto, a inspiração para compor o poema do amor infinito. Protegidos pela mão do Criador, despertamos felizes para a vida e para o amanhã. Ninguém, nem mesmo o vento frio da madrugada, roubou-nos os instantes dourados de prazer e de plena felicidade.
Depois de descansarmos no cansaço de dois corpos vencidos pela batalha da noite, banhamos-nos despreocupadamente sob o chuveiro da missão cumprida. A água toca lentamente as curvas sensuais do teu corpo e tu, com a leveza de tuas mãos, desliza pelo meu sexo, que a transportou para um mundo de mil loucuras. Na intimidade de nosso mundo, saboreamos a deliciosa fruta do desejo e deleitamos de tanta felicidade.
Assim que o sol da manhã, invadir a soleira da porta, vou abrir as janelas de um mundo novo e gritar aos quatro cantos da terra: “Minha linda mulher, eu te amo!”.

Bauru SP, 30 de novembro de 2003

O ANJO DA GUARDA

Eu tenho um anjo, que gosta muito de mim.
Quando estou triste, assim de fazer dó, ele senta ao meu lado, conta lindas histórias infantis e, enquanto não vê um sorriso nos meus lábios, não sai de perto de mim.
Se estou cansado da vida, pela luta desenfreada do cotidiano, coloca-me no colo e com a mão abençoada, acaricia meu rosto, para que eu compreenda que não estou só.
Mas quando vê que estou alegre, numa felicidade sem fim, segura na minha mão e num bailar transcedental, desperta em mim o prazer de sonhar.
Ele é paciente, pois quando me vê irritado, traz um chazinho caseiro e me dá longos conselhos, de como vencer as procelas da vida.
Nas noites de insônia e de pesadelo, fica acordado, velando meu sono, a espantar os espectros que atormentam o meu precioso descanso noturno.
Antes de conhecer meu anjo, pensava que a vida era um imenso despenhadeiro e o futuro um horizonte inatingível. A estrada do amanhã, era tortuosa e íngreme e, ainda, que faltava aos meus pés, força para vencê-la passo-a-passo. Hoje, não é mais assim!
Outro dia, ao contemplar a imensidão do céu, vi meu anjo revestido de uma candura impar e de uma luz tão penetrante, como a flecha do cupido, atravessando o coração apaixonado. Era poética a viagem dele, no céu da minha ilusão.
De vez em quando, vejo-me ansioso por temer que ele vá embora e me deixe abandonado pelas ruas da solidão. O coração dispara, dá-me um calafrio e perco a noção do tempo. Mas bata ouvir a voz adocicada dele, para que a vida volte ao normal.
Nunca é demais dizer: “Eu tenho um anjo bom, que gosta muito de mim”.
É gostoso ouvir o meu anjo falar. Tem firmeza, quando me dá conselhos; paz, quando faz-me entender a diferença entre o em e o mal; carinho, quando banha-me de prazer, no mar da entrega total; vidência, quando diz-me que o tempo reserva mistérios preciosos a quem acredita na felicidade. Meu anjo é isso: uma mistura de realidade e fantasia.
Na tenra infância, sonhava com ele e acreditava que fosse apenas uma quimera. Com o pincel da inocência, desenhava-o no quadro vivo da imaginação. Um dia, descobri que ele não tinha forma, pois tinha a dimensão da imortalidade.
Gosto dele, porque tem a sabedoria do tempo, a humildade da natureza, o brilho do sol, a beleza da primavera, a paz do crepúsculo, a sensibilidade do vento, a longevidade dos anos, o sorriso inocente de criança, a firmeza da rocha milenar e, acima de tudo, a esperança de quem acredita no amanhã.
Estava desacreditado de tudo e de todos, quando Deus na sua divina bondade, presenteou-me com um anjo bom, compreensivo e carinhoso. Com ele, aprendi a suportar o peso da cruz e a ver que a dor nada mais é do que ume estado de espírito. Meu anjo é muito bom, que ninguém duvide disso.
Tenho feito de tudo para agradar o meu anjo. Faço versos, conto histórias, afago seus cabelos, beijo-lhe o rosto, não deixo suas lágrimas caírem, protege-o dos vendavais da desilusão, abraço-o com ternura, para que sinta que não está só. O meu anjo, muitas vezes, sente-se tão frágil quanto eu. Preciso do calor dele e de do meu.
Aprendi com ele, a redescobrir os valores da vida. Se hoje, tudo faz sentido, é graças ao toque de magia, que ele deu na minha existência e na minha breve passagem por este planeta.
Mostra-se rebelde, por causa das feridas provocadas pela ingratidão da vida. Com paciência procuro ajudá-lo, mas ele insiste em ignorar a sinceridade do meu coração. O amor tudo sofre, suporta e crê.
Dizem que os anjos não têm forma, sexo ou nome. Mas o meu anjo tem um nome... Ah, já sei, ele chama-se MULHER.

Bauru SP, 03 de fevereiro de 2004

A COLHEITA

Aprendi desde a tenra idade, que há tempo para plantar e tempo para colher. Já naquela época, descobri que as fases da lua e as estações do ano exercem uma influência sobre a natureza e, em especial, nas plantações. Juntem-se a essa ciência caipira, a qualidade da terra a e forma de plantio. Qualquer descuido, o prejuízo é certo.
O tempo do plantio é árduo e exige persistência. A qualidade da muda, a formação das leras, o adubo, os insumos, os fungicidas e os pesticidas, a capinação, são detalhes que enriquecem a lida diária de que espera uma boa colheita. De sol a sol, o agricultor tece de esperança o futuro daquilo que sonha realizar.
As secas e as geadas, rondam a plantação e atormentam o sono de quem vive uma quimera. Nada escapa aos olhos de quem zela e ama o labor. Não esmorece diante das dificuldades e das intempéries do dia-a-dia. O tempo de plantio é rude e não perdoa os que esmorecem ao longo do caminho. Se acreditar no sonho, fará uma boa colheita.
Já o tempo da colheita, é prazeiroso e nos enchem de alegria. Quem lutou, embriaga-se com o fruto de tanta luta. O lucro é representado pelo volume da produção e pelos dividendos bancários. O parto da terra, traz abundância aos que nela buscam alento. Todos se regozijam do que se aflora dela. Não há como não cantar e não dançar a melodia da fartura.
O que difere esse tempo do outro, é a certeza de que valeu a pena acreditar. As dúvidas e as angústias, ficaram para trás. O cansaço e o desespero, não passam de um quadro pendurado na parede. Tudo é sonho, tudo é poesia. A tristeza ficou da porta para fora. O mundo gira em torno da alegria e da realização plena de quem lutou e venceu. De quem não fraquejou no meio do caminho.
Mas é preciso lembrar, que se não colher a tempo o fruto produzido, corre-se o risco de perdê-lo. A natureza encarrega-se de apodrecê-lo. Os pássaros famintos e os insetos, vem devorá-los sem piedade. Quando é chegada a hora, desprende-se do galho e a terra beijá-lhe a face. Após secar, a semente faz gerar uma nova planta. Esse é o ciclo natural da vida. Não há tempo de espera, porque ele urge e ruge.
O amor, sentimento mais nobre do ser humano, também tem o seu ciclo. Nele, há tempo para plantar e para colher. De nada adianta uma luta insana para germiná-lo e desenvolvê-lo se, quando da colheita, não o apanharmos no tempo certo. Não há que temer os conceitos e preconceitos da vida; assim como no fruto, não há que temer o apodrecimento ou os pássaros famintos.
Uma vez passado o tempo da colheita, não há que se reclamar do prejuízo causado ao coração e a alma. É certo que o relógio da vida não volta no tempo. Por isso, temos que ser zelosos na vigília, para não ficarmos debruçados na inércia de nossas ações e nem escondidos atrás de justificativas não convincentes. Depois de perdida a oportunidade, não podemos culpar a pessoa amada, pela nossa infelicidade ou pelas nossas frustrações.
Não devemos em hipótese alguma, adiarmos o instante do prazer pelo qual tanto sonhamos. Uma vez ao alcance de nossas mãos, não devemos deixar escapar por entre os dedos. Devemos aprender com a natureza: “Há tempo para plantar e há tempo para colher”.
Peruíbe SP, 20 de setembro de 2006
00:35 horas

A DOR

O que é a dor, senão a expiação do corpo e a lapidação da alma.
Através dela, reconhecemos a nossa fragilidade perante as forças da natureza. Também a infinita presença do Criador; pois é nesse instante, que clamamos a sua piedade e cura. Nada mais reconfortante do que sabermos que somos um pequenino grão de areia em relação ao Universo.
Ora, só a dor tem o dom de despertar a nossa consciência para as coisas simples da vida. Ninguém mais sabe nos conduzir pelos caminhos da humildade. Quando estamos acometidos da dor, tornamo-nos dependentes do próximo e, muitas vezes, daquele que pensávamos não precisar jamais.
Não é o remédio que cura a dor, mas a fé em Deus e o carinho das pessoas que nos cercam. A certeza de que não estamos sós, é o maior antídoto contra todos os males, que assolam nosso corpo, nossa alma e nosso espírito. O bálsamo que nos envolve de ternura, vindo da mão amiga, tem sua essência extraída da dor.
Os longos momentos de felicidade, jamais terão o mesmo sabor do que os instantes de intensa dor. A felicidade, embora de origem abstrata como a dor, têm efeito rápido, como os ventos de leste. Já a dor, com toda sua sutileza, dura uma eternidade, embora, muitas vezes, não passa de fator psicológico.
A dor do parto, da ausência, da saudade, da perda, da decepção, da traição, da hora derradeira e tantas outras, cuja memória não tem desejo de relembrar, escraviza nosso corpo e nos faz redimir perante o próximo. Ensina-nos a pedir perdão, rasgar o manto da vaidade e envergonhar-se da tirania que exercemos contra a natureza e as pessoas à nossa volta. Sempre acreditei que o sofrimento purifica a alma.
Só quem passa pela dor, conhece os íngremes caminhos a serem vencidos, cujo objetivo maior é estar mais próximo da perfeição humana. Não conheço pessoas humildes no meio daqueles que desfrutam as mordomias, que a fortuna lhes proporciona. A humildade creio eu é a filha primogênita da dor. Por isso, quando estou sob égide da dor, sinto que estou mais próximo de ver a face do Criador.
Mas a dor também tem o dom de aproximar os homens, as nações e os ideais. A dor do Tsunami uniu as nações, em torno da reconstrução; a dor do Airton Sena, uniu o país verde-amarelo, para superar um enorme vazio; a dor de Tiradentes, uniu um ideal de liberdade, para sufocar a tirania. Enfim, a dor de um ente querido, une toda uma família, para não perecer a raiz, a tradição.
A beleza da vida, começa com a dor do parto.
Peruíbe SP, 19 de março de 2006

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O BURRO DE CARGA


Chá Preto era o nome de burro, mas não de um burro qualquer e, sim, de um burro pertencente ao meu avô. Trago ainda na memória, a imagem imponente daquele animal, cavalgando por toda a extensão do sítio. A sua crina, cuidadosamente penteada, depois de um banho prolongado, era de dar inveja as freqüentadoras de salão de beleza. O seu trote, firme e compassado, lembrava a disciplina imposta pelo comandante, durante as instruções no quartel.
Era indescritível o amor e a cumplicidade que existia entre ele e meu avô. Um gesto ou um olhar de meu avô era prontamente decodificado por ele. Por outro lado, meu avô também sabia ler o sentimento e as necessidades daquele animal prestativo e zeloso. Quando meu avô retornava da cidade e caia de seu lombo, em razão da embriaguez, Chá Preto seguia na caminhada e avisava meu pai sobre o ocorrido.
Durante o dia, sol a pino, lá estava o burro, puxando um arrastão, transportando os produtos do sitio até o celeiro. Ou então, o arado, no plantio da semente de milho ou arroz. De vez em quando, por complacência de meu avô, parava para tomar uma balde de água. A calda longa, feito batuta, orquestrava a expulsão da mosca que pousava em seu dorso. Mosca insistente, num animal paciente.
O suor corria pela testa e anca, mas nada de reclamação ou sinal qualquer. Tinha orgulho de servir ao meu avô, pois acreditava que seria reconhecido pelo seu trabalho e dedicação. Sonhou que, em sua homenagem, seria construído um busto e colocado na entrada do sítio, quando ele partisse para a morada derradeira. Ambos, Chá Preto e meu avô, tinham o corpo curvado e a pele carcomida pelo tempo. Mas não perdia de vista, a responsabilidade com a vida. Era preciso lutar e vencer.
Já ao cair da tarde e findo o trabalho, lá iam os dois para a sede do sítio, a fim de se desfazerem de suas tralhas. Depois do banho e da comida, meu avô conduzia-o para o curral, protegendo-o da chuva e do vento. Depois era a vez do meu avô, já em casa, tomar seu banho prolongado e relaxante. Dia cansativo e missão cumprida, merecia um trago de cachaça e uma pitada no cigarro de palha, recheado com fumo de corda. Deitado na rede da varanda, pitando o cigarro, ficava um longo tempo, contemplando a natureza, o arrebol.
Embora pequeno, sempre fui um observador. Por isso, adorava acompanhar o dia a dia, a labuta do meu avô e de Chá Preto. Aprendia com eles, o valor da amizade, do respeito e do trabalho honesto. Ainda sem entender muito, procurava ajudá-los naquela lida sem fim. Nas minhas orações, pedia sempre a Deus, saúde a eles e que hora derradeira, fosse tão suave como o pouso de uma coruja na cumeeira do paiol. “Já não bastava o sofrimento em vida!”, pensava comigo.
Á medida que fui crescendo e adquirindo conhecimento da vida, percebi que havia enorme semelhança entre o homem e o burro. Quando novo, portanto, cheio de beleza e energia, o homem é venerado pela família e pessoas que o cercam. Carrega nas costas, a responsabilidade da alimentação e educação dos filhos. Não obstante, a proteção e as luxurias da esposa. Para ele, não importa o peso de ser chefe de família, mas, sim, de poder criá-la com dedicação e orgulho.
Quantas noites mal dormidas e quantos sonhos inacabados. E os leões que tem que matar a cada dia, para continuar sobrevivendo? Enquanto os filhos crescem, ele se embriaga com a ilusão de que tudo é eterno, até mesmo o amor da própria esposa. Ela, de forma sedutora, diz que o ama e o idolatra. Faz promessa de findar a vida com ele e hipnotizado com a voz aveludada da fêmea, acredita nisso.
Sem que ele perceba, o sol da velhice vai queimando suas costas e o peso da vida, dobra a sua coluna. Mas ele segue lentamente sua caminhada, pois não pode demonstrar fraqueza. Assim como Chá Preto, espera ser reconhecido um dia, senão com um busto esculpido no jardim da casa, mas com frases de ternura ou um poema redigido numa folha amarelada do caderno de brochura.
Mas quando as primeiras rugas escrevem no seu rosto, as frases da velhice, começa ouvir em coro, a sinfonia do desprezo e do abandono. Chora triste e desconsolado. Mas de nada adianta filosofar sobre a ingratidão. Ela existe, nua e crua. Numa cadeira de balanço, esquecido na varanda, relembra seus atos heróicos, em prol da família, esquecendo-se de si próprio.
Assim também acontece com o burro de carga: quando novo é cortejado pelo dono, pois de sua energia, depende o progresso da propriedade rural. Mas quando envelhece, recebe como paga, o abandono no fundo do sítio, com pouco feno, água e carinho. Isso quando não é vendido para um frigorífico. O dono, do alto de sua ingratidão, esquece que um dia ele foi útil e que abdicou da juventude e do direito de ser livre do arreio e das traias em seu lombo. O homem e Chá Preto, não passam de animais de carga, transportando em seus lombos o peso da responsabilidade e recebendo como paga, os vinténs da ingratidão. Nos trotes compassados da existência, puxando o arado da ingratidão, não se sabe quem é burro e quem é o homem!