Adão de Souza
Ribeiro
Já passava das dezesseis horas, quando uma
tragédia assolou a sagrada Terrinha. Como pode um lugar tão pacato e acolhedor,
ser palco de tamanho infortúnio? A cidade dormia e acordava com a paz de sempre
e a mesmice do dia-a-dia, dava o ritmo aos conterrâneos, que não queriam mudar
o andar da carruagem.
O comércio abria a porta e ficava horas e
horas esperando o escasso freguês; a rua descalça caminhava lenta, de uma
esquina a outra, sem pressa de chegar; o ébrio cambaleava para lá e para cá,
sob o efeito dos goles de cachaça; o vento assoviava a canção da natureza; o
menino dirigia-se à venda, a fim de comprar manjubinha para o almoço, a mando
da mãe. Assim era o cotidiano do lugarejo.
Manoel Clemente dos Santos, o “Manézinho, que
passava o dia inteiro brincando na rua, foi testemunha do estampido, vindo do interior
da caminhoneta Pickup F-75 Willys 1967. Ele não deu importância para a cena,
que aconteceu na Rua Rui Barbosa, defronte o número 118, pois era apenas um
menino. Passado um tempo do ocorrido, começou o corre-corre. “Meu
Deus, mataram o Vavá!”
Valdecir José da Silva, o “Vavá”, era um
rapaz bem quisto por todos. Trabalhava de pedreiro, gostava de jogar sinuca e
de pescaria. Todos sabiam que era homem respeitador e tinha o coração do
tamanho do mundo. No boteco era bom de prosa e pagava dose de bebida a todos os
presentes. Vavá tinha um timbre de voz afinada e cantava música sertaneja, como
ninguém, por isso, era muito solicitado nas rodas de violeiros.
Logo depois do tiro fatal, acharam o corpo no
meio do cafezal, perto do grupo escolar. Notou-se um tiro no lado direito da
cabeça, que o vitimou. A cidade vestiu-se de luto e o “Bar do Iwai” se
entristeceu. Armelinda, a merendeira do grupo escolar, vivia arrastando as asas
para o lado dele. A pergunta comum entre todos, era: “Mas por que mataram Vavá? Um
homem tão bom e amigo de todos?”.
As especulações eram de praxe. Seria por
causa de dívida, de cachaça, de jogo ou de mulher? Num lugar pequeno, como a
Terrinha, todos se conheciam e nada se sabia que o desabonasse. A Delegacia de
Polícia que vivia vazia e os policiais sem ter o que fazer, tiveram que
debruçar sobre o fato e esclarecer o motivo e a autoria.
Por longos e longos dias, não se falava em
outra coisa, a não ser o assassinato do coitado do “Vavá”. O alcaide exigiu da
polícia, total empenho na elucidação do crime, pois, segundo ele, a Terrinha
não era um lugar sem lei. No local onde sucedeu o tiro, isso é, na Rua Rui
Barbosa, foram depositadas flores e as beatas juramentadas, organizaram uma
linda procissão em louvor ao de cujus.
A
família do falecido, deu poucas informações aos investigadores, pois, apesar de
ser muito querido e extrovertido, ele também era muito reservado na vida
pessoal. No trabalho de formiguinha, os policiais levantaram a vida pregressa
do rapaz, isto é, dívidas, amizades e possíveis desafetos. Tudo mantido em
sigilo, para não contaminar as investigações.
“Manézinho”, a testemunha do tiro, afirmou
que o barulho foi dentro de uma caminhoneta, de cor azul claro, com amassado na
porta direita. Minutos antes do ocorrido, Vavá” tomava cachaça no “Bar do Iwai”, em companhia de amigos e de dois estranhos. Embora não houvesse briga
ou discussão, descobriu-se que os estranhos, eram funcionários de uma empresa,
que instalava a rede de energia no município.
Uma vez identificados os suspeitos, descobriu-se
que, um ano atrás, ’Vavá” teve desentendimento com eles, na “Casa das Primas”, localizada
na Rua das Mágoas, por causa de cerveja. Ele mal sabia, que ali estava traçado
seu destino. Como ele tinha o coração propenso à bondade, achava que todo mundo
era bom.
De lá para cá, Pedro, o “Preá” e Francisco, o
“Pitbull”, foram conquistando aos poucos, a amizade de “Vavá”. Um plano
sórdido, que resultou na tragédia ora narrada. O rapaz humilde e sem maldade,
nada desconfiou. Porém, uma vez identificados os autores, foram capturados e
presos.
Temendo um linchamento por parte da população
revoltada, a polícia levou os criminosos para cadeia da cidade vizinha. Depois
daquele horrendo episódio, o delegado de polícia resolveu cuidar mais da
cidade, identificando forasteiros recém-chegados.
Até hoje, as pessoas não se conformam com a
morte trágica de Valdecir José da Silva. De vez em quando, Armelinda ainda tem
uma crise de choro, por causa da partida repentina e trágica de “Vavá”. Descanse
em paz, saudoso “Vavá”. Amém!
Peruíbe SP, 09 de
abril de 2024.