terça-feira, 9 de abril de 2024

O ASSASSINATO DE VAVÁ

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Já passava das dezesseis horas, quando uma tragédia assolou a sagrada Terrinha. Como pode um lugar tão pacato e acolhedor, ser palco de tamanho infortúnio? A cidade dormia e acordava com a paz de sempre e a mesmice do dia-a-dia, dava o ritmo aos conterrâneos, que não queriam mudar o andar da carruagem.

                        O comércio abria a porta e ficava horas e horas esperando o escasso freguês; a rua descalça caminhava lenta, de uma esquina a outra, sem pressa de chegar; o ébrio cambaleava para lá e para cá, sob o efeito dos goles de cachaça; o vento assoviava a canção da natureza; o menino dirigia-se à venda, a fim de comprar manjubinha para o almoço, a mando da mãe. Assim era o cotidiano do lugarejo.

                        Manoel Clemente dos Santos, o “Manézinho, que passava o dia inteiro brincando na rua, foi testemunha do estampido, vindo do interior da caminhoneta Pickup F-75 Willys 1967. Ele não deu importância para a cena, que aconteceu na Rua Rui Barbosa, defronte o número 118, pois era apenas um menino. Passado um tempo do ocorrido, começou o corre-corre. “Meu Deus, mataram o Vavá!

                        Valdecir José da Silva, o “Vavá”, era um rapaz bem quisto por todos. Trabalhava de pedreiro, gostava de jogar sinuca e de pescaria. Todos sabiam que era homem respeitador e tinha o coração do tamanho do mundo. No boteco era bom de prosa e pagava dose de bebida a todos os presentes. Vavá tinha um timbre de voz afinada e cantava música sertaneja, como ninguém, por isso, era muito solicitado nas rodas de violeiros.

                        Logo depois do tiro fatal, acharam o corpo no meio do cafezal, perto do grupo escolar. Notou-se um tiro no lado direito da cabeça, que o vitimou. A cidade vestiu-se de luto e o “Bar do Iwai” se entristeceu. Armelinda, a merendeira do grupo escolar, vivia arrastando as asas para o lado dele. A pergunta comum entre todos, era: “Mas por que mataram Vavá? Um homem tão bom e amigo de todos?”.

                        As especulações eram de praxe. Seria por causa de dívida, de cachaça, de jogo ou de mulher? Num lugar pequeno, como a Terrinha, todos se conheciam e nada se sabia que o desabonasse. A Delegacia de Polícia que vivia vazia e os policiais sem ter o que fazer, tiveram que debruçar sobre o fato e esclarecer o motivo e a autoria.

                        Por longos e longos dias, não se falava em outra coisa, a não ser o assassinato do coitado do “Vavá”. O alcaide exigiu da polícia, total empenho na elucidação do crime, pois, segundo ele, a Terrinha não era um lugar sem lei. No local onde sucedeu o tiro, isso é, na Rua Rui Barbosa, foram depositadas flores e as beatas juramentadas, organizaram uma linda procissão em louvor ao de cujus.

                        A família do falecido, deu poucas informações aos investigadores, pois, apesar de ser muito querido e extrovertido, ele também era muito reservado na vida pessoal. No trabalho de formiguinha, os policiais levantaram a vida pregressa do rapaz, isto é, dívidas, amizades e possíveis desafetos. Tudo mantido em sigilo, para não contaminar as investigações.

                        “Manézinho”, a testemunha do tiro, afirmou que o barulho foi dentro de uma caminhoneta, de cor azul claro, com amassado na porta direita. Minutos antes do ocorrido, Vavá” tomava cachaça no “Bar do Iwai”, em companhia de amigos e de dois estranhos. Embora não houvesse briga ou discussão, descobriu-se que os estranhos, eram funcionários de uma empresa, que instalava a rede de energia no município.

                        Uma vez identificados os suspeitos, descobriu-se que, um ano atrás, ’Vavá” teve desentendimento com eles, na “Casa das Primas”, localizada na Rua das Mágoas, por causa de cerveja. Ele mal sabia, que ali estava traçado seu destino. Como ele tinha o coração propenso à bondade, achava que todo mundo era bom.

                        De lá para cá, Pedro, o “Preá” e Francisco, o “Pitbull”, foram conquistando aos poucos, a amizade de “Vavá”. Um plano sórdido, que resultou na tragédia ora narrada. O rapaz humilde e sem maldade, nada desconfiou. Porém, uma vez identificados os autores, foram capturados e presos.

                        Temendo um linchamento por parte da população revoltada, a polícia levou os criminosos para cadeia da cidade vizinha. Depois daquele horrendo episódio, o delegado de polícia resolveu cuidar mais da cidade, identificando forasteiros recém-chegados.

                        Até hoje, as pessoas não se conformam com a morte trágica de Valdecir José da Silva. De vez em quando, Armelinda ainda tem uma crise de choro, por causa da partida repentina e trágica de “Vavá”. Descanse em paz, saudoso “Vavá”. Amém!

 

Peruíbe SP, 09 de abril de 2024.

 

                         

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