Sempre fui
apegado a lugares e pessoas. Gosto de estar rodeado de gente e de descobrir o
mundo ao meu derredor. Embora a solidão seja familiar para mim, pois é nela que
busco energia mental e espiritual, não abro mão de um bate-papo inteligente e descontraído.
Um barzinho academia, com uma música suave ao fundo, uma bebida e uma porção de
tira-gosto, nada melhor para uma longa conversa.
Desde a infância, trago essa
característica. Passava o dia inteiro, brincando pelas ruas descalças da minha
cidade bucólica. Outras vezes, ficava na casa de amigos, assistindo televisão,
no tempo em que a imagem era preta e branca. E os pais, muito solícitos, nos
serviam refrigerantes e guloseimas. Até interagiam conosco, nas nossas
peraltices. Eram brincadeiras sadias e, por isso, marcaram para vida toda.
Guardo no baú da memória,
relíquias de um tempo que não volta mais. Lá estão os saudosos professores; os
amigos que sentavam em carteira dupla; as algazarras na hora do recreio; as
reuniões na casa dos amigos, para resolver tarefas escolares; briguinhas por
causa de bolinhas de gude e por ai se vai. Esses fragmentos da vida estão
encravados na memória, onde nenhuma intempérie há de apagá-los. “Oh que
saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que
os anos não trazem mais!”, dizia o poeta Casemiro de Abreu, em seu poema “Os
meus oito anos”.
Não posso esquecer-me do primeiro amor
platônico. Lá ficava eu, debruçado na janela do imaginário, sonhando com aquela
menina linda. De longe, observava o seu caminhar, como quem baila ao vento. O
sorriso adocicado e o olhar tão meigo, despertavam em mim, os primeiros
sentimentos de carinho, que me arrastariam para a vida inteira. Não havia fêmea
mais divina do que ela, por isso, a coloquei no altar da minha felicidade. A
timidez não me permitia aproximar-se. Nisso residia a magia do meu amor.
O tempo envelhece a memória e,
maldosamente, rouba-nos o nome e a imagem de amigos tão preciosos da nossa
infância. Alguns fatos pitorescos, daqueles tempos longínquos, persistem em
aparecer aqui e acolá, como nuvens desgastadas e esparsas, forçando desenhos
indecifráveis, no céu da nossa inocência. Lágrimas brotam num canto qualquer do
olho, lastimando o que um dia foi realidade. Não há como controlar o
saudosismo, que vem do fundo da alma.
Um dia desses, graças à tecnologia
do mundo moderno, encontrei um amigo disperso, que há muito tempo, o progresso
afastou de mim. Por telefone, conversamos horas a fio. Era uma sede enorme e
queríamos beber toda a água da saudade, contida na tina da amizade sincera.
Entre um gole e outro daquela água tão saborosa, recordamos, prazerosamente,
das nossas peraltices. Aquele velho amigo e eu, só nos completávamos quanto
estávamos na companhia do terceiro amigo inseparável.
Entre uma conversa e outra, riamos
demasiadamente, de soluçar. De gota em gota, surgiam nomes de colegas esquecidos
na memória; lugares da nossa terra natal; pessoas que se foram antes do
combinado; namoricos de amigos e amigas em comum; de festas tradicionais; o
pároco pedilão e comilão; o jardim bem cuidado da praça matriz; o cinema
carcomido pelo tempo; os desfiles de sete de setembro; as folias de reis; os
banhos de cachoeira; as arapucas, para apanhar passarinho. Meu Deus, quanta
saudade!
E os apelidos carinhosos, que
colocávamos nos amigos e amigas. O amigo me fez recordar, que eu era mestre
nisso. Até hoje tenho aquela mania, de batizar amigos com codinomes engraçados.
Com o passar do tempo e de tanto repetir, ficava incorporado na pessoa. Não vou
aqui denominar todos os que foram agraciados com apelidos, pois posso ser
injusto e esquecer-se de alguém. Mas, à medida que íamos lembrando, riamos
loucamente.
Mas voltando aos tempos de
outrora, éramos três amigos inseparáveis. Estávamos ligados eternamente, pelo
cordão umbilical da inocência infantil. A nossa terra natal, tão acolhedora,
gerou-nos em seu ventre, e nos ensinou o valor imensurável da amizade. Os
nossos olhos nunca se voltaram para as diferenças sociais, mas, sim, fitavam
para a beleza do amor fraterno e na certeza de que aquele elo não se romperia
nunca.
A trilogia da amizade era formada
por três meninos felizes e peraltas, a saber: José Antônio Lopes – “Baiu”, o
José Carlos de Souza – “Santo” e eu. Quando nos enveredávamos pelas peraltices
inconsequentes da infância, parecíamos três patetas, a nos deliciamos com
aquilo que fazíamos. De vez em quando, éramos repreendidos pelos nossos pais
ou, então, pelo diretor e pelos professores. Depois do puxão de orelhas, riamos
até não aguentar mais. Nossa arte virava noticiais por dias a fio.
Hoje, deitado no colo da
lembrança, choro copiosamente, ao saber que o tempo cruel, levou para muito
distante, a inocência da nossa infância. Ao conversar longamente, via Embratel,
com o amigo que foi para o sul, busquei amenizar a tristeza e a saudade. No
vídeo-tape da minha memória, passaram filmes gravados na película da nossa
história, cujo cenário é a nossa querida Guaimbê SP. Da trilogia, tão pura e
tão bela, um anda muito doente, o outro se mudou para um Estado do sul e eu
continuo por aqui, contando longas histórias de aventuras, de amor e de
saudade.
“Como são belos os dias do
despertar da existência! Respira a alma inocência. Como perfumes a flor!” –
dizia o poeta Casemiro de Abreu, em seu poema “Meus oito anos”.
Peruíbe SP, 25 de
agosto de 2018