sábado, 25 de agosto de 2018

OS TRES PATETAS ou A TRILOGIA DA AMIZADE

                         Sempre fui apegado a lugares e pessoas. Gosto de estar rodeado de gente e de descobrir o mundo ao meu derredor. Embora a solidão seja familiar para mim, pois é nela que busco energia mental e espiritual, não abro mão de um bate-papo inteligente e descontraído. Um barzinho academia, com uma música suave ao fundo, uma bebida e uma porção de tira-gosto, nada melhor para uma longa conversa.
                                   Desde a infância, trago essa característica. Passava o dia inteiro, brincando pelas ruas descalças da minha cidade bucólica. Outras vezes, ficava na casa de amigos, assistindo televisão, no tempo em que a imagem era preta e branca. E os pais, muito solícitos, nos serviam refrigerantes e guloseimas. Até interagiam conosco, nas nossas peraltices. Eram brincadeiras sadias e, por isso, marcaram para vida toda.
                                   Guardo no baú da memória, relíquias de um tempo que não volta mais. Lá estão os saudosos professores; os amigos que sentavam em carteira dupla; as algazarras na hora do recreio; as reuniões na casa dos amigos, para resolver tarefas escolares; briguinhas por causa de bolinhas de gude e por ai se vai. Esses fragmentos da vida estão encravados na memória, onde nenhuma intempérie há de apagá-los. “Oh que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais!”, dizia o poeta Casemiro de Abreu, em seu poema “Os meus oito anos”.
                                   Não posso esquecer-me do primeiro amor platônico. Lá ficava eu, debruçado na janela do imaginário, sonhando com aquela menina linda. De longe, observava o seu caminhar, como quem baila ao vento. O sorriso adocicado e o olhar tão meigo, despertavam em mim, os primeiros sentimentos de carinho, que me arrastariam para a vida inteira. Não havia fêmea mais divina do que ela, por isso, a coloquei no altar da minha felicidade. A timidez não me permitia aproximar-se. Nisso residia a magia do meu amor.
                                   O tempo envelhece a memória e, maldosamente, rouba-nos o nome e a imagem de amigos tão preciosos da nossa infância. Alguns fatos pitorescos, daqueles tempos longínquos, persistem em aparecer aqui e acolá, como nuvens desgastadas e esparsas, forçando desenhos indecifráveis, no céu da nossa inocência. Lágrimas brotam num canto qualquer do olho, lastimando o que um dia foi realidade. Não há como controlar o saudosismo, que vem do fundo da alma.
                                   Um dia desses, graças à tecnologia do mundo moderno, encontrei um amigo disperso, que há muito tempo, o progresso afastou de mim. Por telefone, conversamos horas a fio. Era uma sede enorme e queríamos beber toda a água da saudade, contida na tina da amizade sincera. Entre um gole e outro daquela água tão saborosa, recordamos, prazerosamente, das nossas peraltices. Aquele velho amigo e eu, só nos completávamos quanto estávamos na companhia do terceiro amigo inseparável.
                                   Entre uma conversa e outra, riamos demasiadamente, de soluçar. De gota em gota, surgiam nomes de colegas esquecidos na memória; lugares da nossa terra natal; pessoas que se foram antes do combinado; namoricos de amigos e amigas em comum; de festas tradicionais; o pároco pedilão e comilão; o jardim bem cuidado da praça matriz; o cinema carcomido pelo tempo; os desfiles de sete de setembro; as folias de reis; os banhos de cachoeira; as arapucas, para apanhar passarinho. Meu Deus, quanta saudade!
                                   E os apelidos carinhosos, que colocávamos nos amigos e amigas. O amigo me fez recordar, que eu era mestre nisso. Até hoje tenho aquela mania, de batizar amigos com codinomes engraçados. Com o passar do tempo e de tanto repetir, ficava incorporado na pessoa. Não vou aqui denominar todos os que foram agraciados com apelidos, pois posso ser injusto e esquecer-se de alguém. Mas, à medida que íamos lembrando, riamos loucamente.
                                   Mas voltando aos tempos de outrora, éramos três amigos inseparáveis. Estávamos ligados eternamente, pelo cordão umbilical da inocência infantil. A nossa terra natal, tão acolhedora, gerou-nos em seu ventre, e nos ensinou o valor imensurável da amizade. Os nossos olhos nunca se voltaram para as diferenças sociais, mas, sim, fitavam para a beleza do amor fraterno e na certeza de que aquele elo não se romperia nunca.
                                   A trilogia da amizade era formada por três meninos felizes e peraltas, a saber: José Antônio Lopes – “Baiu”, o José Carlos de Souza – “Santo” e eu. Quando nos enveredávamos pelas peraltices inconsequentes da infância, parecíamos três patetas, a nos deliciamos com aquilo que fazíamos. De vez em quando, éramos repreendidos pelos nossos pais ou, então, pelo diretor e pelos professores. Depois do puxão de orelhas, riamos até não aguentar mais. Nossa arte virava noticiais por dias a fio.
                                   Hoje, deitado no colo da lembrança, choro copiosamente, ao saber que o tempo cruel, levou para muito distante, a inocência da nossa infância. Ao conversar longamente, via Embratel, com o amigo que foi para o sul, busquei amenizar a tristeza e a saudade. No vídeo-tape da minha memória, passaram filmes gravados na película da nossa história, cujo cenário é a nossa querida Guaimbê SP. Da trilogia, tão pura e tão bela, um anda muito doente, o outro se mudou para um Estado do sul e eu continuo por aqui, contando longas histórias de aventuras, de amor e de saudade.
                                   “Como são belos os dias do despertar da existência! Respira a alma inocência. Como perfumes a flor!” – dizia o poeta Casemiro de Abreu, em seu poema “Meus oito anos”.
Peruíbe SP, 25 de agosto de 2018