Adão de Souza
Ribeiro
Não sei por que deixei o meu pedaço de chão e
saí por aí em busca de aventuras. Feito um caixeiro-viajante, tornei-me um
errante em terras estranhas. Com a esfarrapada desculpa, de que iria procurar o
melhor para mim, fui atrás do desconhecido e enganei-me profundamente. O
orgulho não me deixou abdicar da famigerada decisão, a qual pago caro até hoje.
Eu vi coisas que, até então, a mente
ignorava. Por exemplo: políticos bandidos, travestidos de honestos, julgando
seus próprios pares. Apresentadoras de televisão, sem um pingo de moral em seus
currículos, ensinando às adolescentes atos impróprios para suas idades. A
Suprema Corte deixando de aplicar a lei e abrindo as portas para a sujeira da política.
Eu chorei, confesso que chorei. E como
chorei! Um vulcão revoltado e em erupção, com a língua de fogo, descendo
montanha abaixo. Terremotos, sacudindo os continentes. As enchentes arrastando
tudo que encontrava pela frente. As florestas, ardendo em brasa e pedindo
clemência. Tufões e mais tufões, somados às tempestades de areia. Isso sem
falar nas nuvens de gafanhotos, vindas do sul. Nações contra nações, movidas
pela ganância humana. Confusão climática, deixando os oceanos irados. Uma
doença, a qual em menos de um ano, dizimou milhares de pessoas em todo planeta.
Eu sentei-me na sarjeta de uma esquina
qualquer e perguntei a mim mesmo: - Por que fui deixar o meu lindo rincão? Não
me veio à resposta, mas apenas um silêncio ensurdecedor de tristeza. Um
arrependimento total. Procurei o colo aconchegante de minha mamãe e não
encontrei. Lembrei-me da música de Zezé Di Camargo & Luciano, intitulada:
No dia em que eu saí de casa, qual dizia: “A minha mãe naquele dia/ Me falou do mundo
como ele é/ Parece que ela conhecia/ Cada pedra que iria colocar no pé.”.
Na vida bucólica, lá no meu pedaço de chão,
não havia congestionamento e nem mesmo de charretes. Todos nós éramos
solidários com as dores alheias. Não queríamos muito, apenas o necessário. As
matas da Granja Helvetia e do Bairro Bondade eram muito bem conservadas. As aves fora das gaiolas voavam para a
liberdade e nos presenteavam com seus cantos belíssimos.
Nas noites de lua cheia, sentávamos na
calçada e ficávamos conversando madrugada adentro, porque lá não havia
violência. A delegacia era um prédio figurativo, por isso, o delegado sofria de
eterna solidão. Na igreja, o padre professava a fé e não falava de picuinhas políticas.
E assim a vida seguia seu curso normal, razão pela qual eu era tão feliz.
Eu sentado na sarjeta da esquina de uma rua
qualquer, veio à mente a imagem do apocalipse (revelação ou destruição). Sem me
ater a qualquer segmento religioso ou placa de igreja, vejo que a terra agoniza
e pede socorro. Enquanto os governantes não despirem de seus orgulhos e de um
desejo pelo poder, nada poderá ser feito. Quando acordarem, será tarde demais.
Eles chorarão lágrimas de sangue.
Ah, se eu pudesse voltar atrás, ao ventre de
minha, a terra natal, a tenra infância, a história poderia ter sido outra.
Hoje, depois de levar tantas chibatadas da vida, resta-me lembrar do amor
platônico, das brincadeiras na enxurrada, dos jogos de bolinhas de gude, das
corridas de carrinho de rolimã e muitas outras coisas de moleque. Se na
estação, eu encontrar um trem com destino à infância, eu embarco, sem
pestanejar.
Um dia caí na besteira de escrever sobre
reminiscências do passado e deu no que deu, pois, sem perceber, virei contador de
“causos”. Eu fico horas e horas, tentando encontrar na memória, cenas
inesquecíveis da infância, vividas na terra natal, bem longe das tragédias do
mundo moderno. Acalantam-me saber, que muitos conterrâneos desfrutaram destes mesmos
momentos. Somos do mato... somos capiau... somos caipiras... somos matutos...
Menos mal!
O mundo de hoje, faz-me lembrar de Sodoma e
Gomorra, sem a existência da Arca de Noé, para nos resgatar das tragédias do
planeta e da maldade humana. “Deus animas nostra”, “Dieu sauve nos âmes” e “God
save our souls”. (Deus salve nossas almas).
Peruíbe SP, 16
de outubro de 2021.