Adão de Souza
Ribeiro
Lá na roça, perto do bambuzal, havia uma modesta
choupana. Quem passava pela estrada de terra, ao ver aquele casebre, não fazia
ideia de que ali morava a felicidade. No telhado de sapê, uma chaminé deixava a
fumaça desfazer ao sabor do vento. No quintal, as galinhas cacarejavam,
enquanto os pássaros gorjeavam no pé de goiabeira.
De longe, quem passava por lá, podia sentir o
cheiro do café sendo feito no coador, preso na mariquinha. Comadre Zéfinha
reforçava o café matinal com cuscuz. Enquanto Bastião, o esposo matuto, se
preparava para mais uma lida na lavoura, ouvia-se no rádio de pilha, uma música
sertaneja raiz. Os filhos, por sua vez, preparavam o uniforme e o material, para estudarem
na escola, que ficava lá na sede da fazenda. Assim era a vida corriqueira do
sertão.
Antes de ir para escola, “Mundico” - o filho
mais velho -, tinha por obrigação, ordenhar Mimosa, a vaquinha da tabuleta, presa no curral.
Aquele povo simples era forjado na vida simples e sem vaidade da cidade grande.
Quem visitava aquela casa, não tinha como não se encartar com tamanha
receptividade. O café forte torrado no torrador e servido em caneca feita de lata de massa de tomate, tinha um sabor diferenciado dos servidos em xícara esmaltada
ou de cristal.
Enquanto Bastião cuidava do cafezal e os
filhos debruçavam na cartilha “Caminho Suave”, dona Zefinha continuava nos
afazeres domésticos, isto é, varria a casa de chão de terra batida, com vassoura de piaçava; passava a
roupa com ferro a brasa; lavava a roupa na mina d´água; arrumava a cama de
colchão feito de palha-de-milho. A casa era alumiada com chama da lamparina
presa na parede. No canto da sala, o
altar de Nossa Senhora do Desterro.
Quando as crias chegavam famintas, vindas da
escola, era servido o almoço, feito com banha de porco e regado com muito
tempero. O varão era baiano e a varoa, mineira. A refeição era acompanhada de legumes e
verduras, colhidos na horta do quintal. Também não faltava um frango ensopado
ou uma carne de panela. Para variar, era posto à mesa, um peixe frito, pescado nas
tardes de domingo, no rio Pádua Sales, que corria pela propriedade.
Quando no fim da tarde, Bastião chegava
cansado e suado pelo trabalho pesado da roça, encontrava a roupa cuidadosamente
preparada pela esposa amada. Após banhar-se no chuveiro aquecido por serpentina,
ele tomava uma dose de cachaça pura, comprada no alambique do vizinho “seu”
Manoel. Depois saboreava a janta preparada por Zéfimha. À noite, tinha um
chamego, claro!
Mas o que dava um jeito campesino ali naquela
choupana e o verdadeiro ambiente de simplicidade, era o fogão a lenha. A parede
chamuscada de fumaça; o charque pendurado no varal, sobre o fogão, sendo
defumado; as panelas de ferro ou de barro, cozendo o alimento; o fogo sendo
abastecido com lenha ou graveto; a brasa ardente, assando a batata doce; a chaleira d´água para o café, era tudo de
bom.
O diferencial no sabor da comida feita no
fogão a lenha e não no fogão a gás, estava no preparo feito pelas habilidosas mãos de dona Zéfinha e, também, pelo cozimento lento e pelo uso das panelas de
ferro ou de barro. Tudo aquilo, somado aos
temperos caseiros, preparados com carinho. O cheiro de comida, espalhado na
cozinha, tinha sabor de quero mais. Até Sultão, o cachorro de estimação e
Bigode, o bichano manhoso, não dispensam tal iguaria. Imagina o viajor que caminhava pela estrada, defronte aquela choupana.
Até hoje, ao se apreciar a foto de um velho fogão
a lenha, não tem como não se lembrar da choupana a beira da estrada, com a
fumaça denunciando a existência de um fogão a lenha, com o cheiro convidativo de
uma comida caseira e caipira.
“Deixa um bule de café em cima do fogão...
Fogão de lenha e uma rede na varanda... Arrume tudo mãe querida, o seu filho vai
voltar”. A música “Fogão de Lenha”, da dupla sertaneja Xitãozinho e Xororó, diz tudo, pois traduz o
sentimento de um caboclo errante, que trocou a simplicidade do sertão, por um falso
conforto da cidade.
Fogão a lenha é sinônimo de união, pois, em
torno dele, a família se reunia para alimentar ou para as longas e prazerosas
conversas junto com os pais. Assim era a vida corriqueira do sertão!
Peruíbe SP, 19 de
março de 2023.