segunda-feira, 20 de março de 2023

FOGÃO A LENHA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

                        Lá na roça, perto do bambuzal, havia uma modesta choupana. Quem passava pela estrada de terra, ao ver aquele casebre, não fazia ideia de que ali morava a felicidade. No telhado de sapê, uma chaminé deixava a fumaça desfazer ao sabor do vento. No quintal, as galinhas cacarejavam, enquanto os pássaros gorjeavam no pé de goiabeira. 

                        De longe, quem passava por lá, podia sentir o cheiro do café sendo feito no coador, preso na mariquinha. Comadre Zéfinha reforçava o café matinal com cuscuz. Enquanto Bastião, o esposo matuto, se preparava para mais uma lida na lavoura, ouvia-se no rádio de pilha, uma música sertaneja raiz. Os filhos, por sua vez, preparavam o uniforme e o material, para estudarem na escola, que ficava lá na sede da fazenda. Assim era a vida corriqueira do sertão.

                        Antes de ir para escola, “Mundico” - o filho mais velho -, tinha por obrigação, ordenhar Mimosa, a vaquinha da tabuleta, presa no curral. Aquele povo simples era forjado na vida simples e sem vaidade da cidade grande. Quem visitava aquela casa, não tinha como não se encartar com tamanha receptividade. O café forte torrado no torrador e servido em caneca feita de lata de massa de tomate, tinha um sabor diferenciado dos servidos em xícara esmaltada ou de cristal.

                        Enquanto Bastião cuidava do cafezal e os filhos debruçavam na cartilha “Caminho Suave”, dona Zefinha continuava nos afazeres domésticos, isto é, varria a casa de chão de terra batida, com vassoura de piaçava; passava a roupa com ferro a brasa; lavava a roupa na mina d´água; arrumava a cama de colchão feito de palha-de-milho. A casa era alumiada com chama da lamparina presa na parede.  No canto da sala, o altar de Nossa Senhora do Desterro.

                        Quando as crias chegavam famintas, vindas da escola, era servido o almoço, feito com banha de porco e regado com muito tempero. O varão era baiano e a varoa, mineira.  A refeição era acompanhada de legumes e verduras, colhidos na horta do quintal. Também não faltava um frango ensopado ou uma carne de panela. Para variar, era posto à mesa, um peixe frito, pescado nas tardes de domingo, no rio Pádua Sales, que corria pela propriedade.

                        Quando no fim da tarde, Bastião chegava cansado e suado pelo trabalho pesado da roça, encontrava a roupa cuidadosamente preparada pela esposa amada. Após banhar-se no chuveiro aquecido por serpentina, ele tomava uma dose de cachaça pura, comprada no alambique do vizinho “seu” Manoel. Depois saboreava a janta preparada por Zéfimha. À noite, tinha um chamego, claro!

                        Mas o que dava um jeito campesino ali naquela choupana e o verdadeiro ambiente de simplicidade, era o fogão a lenha. A parede chamuscada de fumaça; o charque pendurado no varal, sobre o fogão, sendo defumado; as panelas de ferro ou de barro, cozendo o alimento; o fogo sendo abastecido com lenha ou graveto; a brasa ardente, assando a batata doce; a chaleira d´água para o café, era tudo de bom.

                        O diferencial no sabor da comida feita no fogão a lenha e não no fogão a gás, estava no preparo feito pelas habilidosas mãos de dona Zéfinha e, também, pelo cozimento lento e pelo uso das panelas de ferro ou de barro.  Tudo aquilo, somado aos temperos caseiros, preparados com carinho. O cheiro de comida, espalhado na cozinha, tinha sabor de quero mais. Até Sultão, o cachorro de estimação e Bigode, o bichano manhoso, não dispensam tal iguaria. Imagina o viajor que caminhava pela estrada, defronte aquela choupana.

                        Até hoje, ao se apreciar a foto de um velho fogão a lenha, não tem como não se lembrar da choupana a beira da estrada, com a fumaça denunciando a existência de um fogão a lenha, com o cheiro convidativo de uma comida caseira e caipira.

                        “Deixa um bule de café em cima do fogão... Fogão de lenha e uma rede na varanda... Arrume tudo mãe querida, o seu filho vai voltar”. A música “Fogão de Lenha”, da dupla sertaneja  Xitãozinho e Xororó, diz tudo, pois traduz o sentimento de um caboclo errante, que trocou a simplicidade do sertão, por um falso conforto da cidade.

                       Fogão a lenha é sinônimo de união, pois, em torno dele, a família se reunia para alimentar ou para as longas e prazerosas conversas junto com os pais. Assim era a vida corriqueira do sertão!

 

Peruíbe SP, 19 de março de 2023.

 

                       

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