Adão de Souza
Ribeiro
A coruja rasga
mortalha (Tyto furcata), pousou na cumeeira da casa e começou a chirriar.
Dona Gertrudes, uma anciã de idade avançada, profetizou: “Esse canto é de mau agouro. Breve
alguém vai morrer.”. Dito e feito. Coincidência ou não, dias depois o
“seu” Carmosino faleceu, vitimado por um enfarto fulminante. A cidade
entristeceu e a profecia de dona Gertrudes
se cumpriu.
Quem nasceu e viveu lá para as bandas do
interior, sabe que o capiau nunca precisou de satélite interplanetário ou
aparelho sofisticado, para decifrar as mudanças da natureza ou coisa que valha.
Bastava olhar para o céu e ver a movimentação das nuvens, das estrelas ou da
lua e já previa a mudança do tempo ou a hora de plantar esta ou aquela lavoura.
Não se sabia de onde vinha tanta sabedoria.
Raimundo que tinha pino de cirurgia na perna, ao sentir uma dor repentina, já dizia
que o tempo iria mudar. Quando os bichos estavam alvoroçados no quintal, diziam
que era prenúncio de tempestade. Também quando o galo cantava de dia, isso fora
de hora, era sinal de mau agouro, pois significava que vizinho ou parente iria
morrer. Por essa razão, o galo era sacrificado (morto) e virava ensopado na
panela.
A sabedoria caipira se estendia as doenças e aos
medicamentos. Quando a criança estava com tiriça (icterícia), era só tomar chá da
planta chamada picão preto (Bidens pilosa). Se a criança torcia o pé e tinha
luxação, também era só usar salmoura com mastruz no local do inchaço e enfaixar. Não se
via os pais endividando em farmácia e intoxicando os filhos com remédios (produtos
químicos), os quais, mais prejudicavam do que curavam as doenças.
Ao ver aquelas experiências, passadas de
geração em geração, fez com que eu aprendesse admirar as pessoas antigas e
radicadas no interior. Ao ouvir com carinho e respeito, os conselhos dados por
elas, foram fundamentais para minha formação moral. Quantas e quantas vezes, no
final tranquilo da tarde, ficava ao lado do avô paterno, para escutar com sua
voz serena, os causos contados de fatos acontecidos com ele ou para ouvir suas previsões
futuristas.
Quando a televisão ainda gatinhava em passos
lentos, meu pai – um homem de pouca cultura - disse: “Vai chegar um tempo, que a
televisão será como um quadro na parede”. Hoje isso é uma realidade.
Aristides, um homem que andava falando sozinho pela rua e, por isso, tido como louco,
disse: “Um dia, a imoralidade vai tomar conta do mundo e as pessoas nada
poderão fazer”. Hoje isso é fato e até colocaram uma mordaça na boca do
povo, para não se rebelar contra a Sodoma e Gomorra moderna.
“As fontes de água natural vão secar e as
pessoas morrerão de sede. O mundo vai arder em chama. Vai faltar comida na mesa
e sobrar violência. A tecnologia vai arrebentar os lares e não haverá mais respeito na casa, isto é, entre filhos e pais”. Desde a tenra idade, eu ouvia os mais velhos
profetizarem o fim dos tempos. Os incautos dirão: “É crendice”. Já os
cultos, responderão: “Tudo isso, já estava escrito na Sagrada
Escritura. É só ler em Apocalipse”.
Como pode um capiau iletrado falar tantas
coisas futuristas? Essas observações sempre me causaram espanto. Eu pensava com
meus botões: “Será que eles recebiam mensagens divinas ou eram apenas belas divagações?
” O que me entristece deveras é saber que pessoas com tamanha sabedoria, não
habitam mais entre nós. Quanta falta elas nos fazem!
Carrego comigo a sina de ser um ávido
pelo conhecimento. Eterno garimpeiro da verdade. Talvez seja por essa razão, que eu gostava de ouvir pessoas
idosas, pois, para mim, elas eram uma fonte viva e inesgotável de conhecimento.
Lamento que hoje, essa juventude transviada, além de não respeitar os idosos,
não presta atenção e nem acata os seus ensinamentos. Por onde andam dona
Gertrudes, seu Aristides, meu pai ou seu Raimundo, mestres iletrados da minha infância?
O mundo pode ter avançado com a tecnologia,
mas regrediu em sabedoria.
Peruíbe SP, 22 de
março de 2023.
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