quarta-feira, 22 de março de 2023

A PROFECIA

 

Adão de Souza Ribeiro

                        A coruja rasga mortalha (Tyto furcata), pousou na cumeeira da casa e começou a chirriar. Dona Gertrudes, uma anciã de idade avançada, profetizou: “Esse canto é de mau agouro. Breve alguém vai morrer.”. Dito e feito. Coincidência ou não, dias depois o “seu” Carmosino faleceu, vitimado por um enfarto fulminante. A cidade entristeceu e a profecia de  dona Gertrudes se cumpriu.

                        Quem nasceu e viveu lá para as bandas do interior, sabe que o capiau nunca precisou de satélite interplanetário ou aparelho sofisticado, para decifrar as mudanças da natureza ou coisa que valha. Bastava olhar para o céu e ver a movimentação das nuvens, das estrelas ou da lua e já previa a mudança do tempo ou a hora de plantar esta ou aquela lavoura.

                        Não se sabia de onde vinha tanta sabedoria. Raimundo que tinha pino de cirurgia na perna, ao sentir uma dor repentina, já dizia que o tempo iria mudar. Quando os bichos estavam alvoroçados no quintal, diziam que era prenúncio de tempestade. Também quando o galo cantava de dia, isso fora de hora, era sinal de mau agouro, pois significava que vizinho ou parente iria morrer. Por essa razão, o galo era sacrificado (morto) e virava ensopado na panela.

                        A sabedoria caipira se estendia as doenças e aos medicamentos. Quando a criança estava com tiriça (icterícia), era só tomar chá da planta chamada picão preto (Bidens pilosa). Se a criança torcia o pé e tinha luxação, também era só usar salmoura com mastruz no local do inchaço e enfaixar. Não se via os pais endividando em farmácia e intoxicando os filhos com remédios (produtos químicos), os quais, mais prejudicavam do que curavam as doenças.

                        Ao ver aquelas experiências, passadas de geração em geração, fez com que eu aprendesse admirar as pessoas antigas e radicadas no interior. Ao ouvir com carinho e respeito, os conselhos dados por elas, foram fundamentais para minha formação moral. Quantas e quantas vezes, no final tranquilo da tarde, ficava ao lado do avô paterno, para escutar com sua voz serena, os causos contados de fatos acontecidos com ele ou para ouvir suas previsões futuristas.

                        Quando  a televisão ainda gatinhava em passos lentos, meu pai – um homem de pouca cultura - disse: “Vai chegar um tempo, que a televisão será como um quadro na parede”. Hoje isso é uma realidade. Aristides, um homem que andava falando sozinho pela rua e, por isso, tido como louco, disse: “Um dia, a imoralidade vai tomar conta do mundo e as pessoas nada poderão fazer”. Hoje isso é fato e até colocaram uma mordaça na boca do povo, para não se rebelar contra a Sodoma e Gomorra moderna.

                        As fontes de água natural vão secar e as pessoas morrerão de sede. O mundo vai arder em chama. Vai faltar comida na mesa e sobrar violência. A tecnologia vai arrebentar os lares e não haverá mais respeito na casa, isto é, entre filhos e pais”. Desde a tenra idade, eu ouvia os mais velhos profetizarem o fim dos tempos. Os incautos dirão: “É crendice”. Já os cultos, responderão: “Tudo isso, já estava escrito na Sagrada Escritura. É só ler em Apocalipse”.

                        Como pode um capiau iletrado falar tantas coisas futuristas? Essas observações sempre me causaram espanto. Eu pensava com meus botões: “Será que eles recebiam mensagens divinas ou eram apenas belas divagações? ” O que me entristece deveras é saber que pessoas com tamanha sabedoria, não habitam mais entre nós. Quanta falta elas nos fazem!

                        Carrego comigo a sina de ser um ávido pelo conhecimento. Eterno garimpeiro da verdade. Talvez seja por essa razão, que eu gostava de ouvir pessoas idosas, pois, para mim, elas eram uma fonte viva e inesgotável de conhecimento. Lamento que hoje, essa juventude transviada, além de não respeitar os idosos, não presta atenção e nem acata os seus ensinamentos. Por onde andam dona Gertrudes, seu Aristides, meu pai ou seu Raimundo, mestres iletrados da minha infância?

                        O mundo pode ter avançado com a tecnologia, mas regrediu em sabedoria.

 

Peruíbe SP, 22 de março de 2023.

 

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