sábado, 24 de dezembro de 2016

EMINÊNCIA PARDA


                                          Há os que vivem na luz e o que preferem a sombra. Essa dualidade é que faz o mundo girar. Por isso, não devemos julgar as pessoas, simplesmente pelo fato de pensarem ou agirem diferentemente de nós. O que seria do verde, se todos gostassem do amarelo. A beleza da vida está na diversidade das coisas, que nos cercam. Se compreendermos com ternura a alma e o coração das pessoas, seremos mais felizes.

                                   Mas em que pese nossa humana compreensão, não podemos ser coniventes ou reféns de tudo o que acontece ao nosso derredor. Há uma frase, que sempre causou-se intensa consternação, qual seja: “Toda unanimidade é burra”. Essa filosofia popular acompanhou-me pela vida inteira. Em razão disso, sempre fui um animal desgarrado do rebanho. Solitariamente fui á busca de novos caminhos, porque o desconhecido sempre me atraiu a aguçou minha imaginação. Como dizia no interior: “Não sou Maria vai com as outras”.

                                   Outro dia, andando pelas províncias do Reino Caiçara, deparei-me com toda sorte de pessoas, conversando aqui e acolá. Dissertavam sobre todos os assuntos do cotidiano. O jeito simples de se expressar, de um povo trabalhador e ordeiro, chamava-me a atenção. Não tinham papas na língua e, por isso, elogiavam e criticavam o que vinham na mente. Eles buscavam na ciência milenar, solução para tudo. Desde a infância, eu gostava de ouvir as pessoas simples, nascidas e criadas no mato, longe dos vícios da cidade grande.

                                   Numa dessas conversas, lançadas ao vento, ouvi quando um caboclo disse: “Você sabe que o novo Rei, tem uma eminência parda?”.  Fiquei estarrecido, respirei fundo. “Como pode um caipira, um capiau saber disso?”. Pensei e completei: “Será que ele sabe o que significa eminência parda?” Enquanto ele falava, enrolava um fumo de corda e dava um trago numa cachaça curtida com uma planta, denominada “pau barbado”. Por comentar com firmeza, deu credibilidade no que disse.

                                   Como não costumo prenhar-me pelo ouvido, saí á procura da verdade do que disse o velho sábio lá do interior. Não demorou muito para se confirmar o que eu temia ser verdade. Nem mesmo ascendeu ao trono e já pesa sobre o novo Rei essa desdita. A eminência parda dos governos militares Geisel e Figueiredo, era o General Golbery do Couto e Silva; a do papa João Paulo II, era o cardeal da Baviera Joseph Aloisius Ratzinger; a da nossa rainha a pouco tempo deposta, era o seu Primeiro Ministro.

                                   Mas o que é eminência parda? Vejamos: “Uma éminence grise (francês para eminência parda), um poderoso assessor ou conselheiro que atua “nos bastidores” ou na qualidade não-pública ou não oficial”. Na política, eminência parda é o nome que se dá quando determinado sujeito não é o governante supremo de tal reino ou país, mas é o verdadeiro poderoso, agindo muitas vezes por trás do soberano legítimo (a.k.a. poder por trás do trono), o qual é uma marionete dele, e pode muito bem ser deposto pela eminência parda, caso este não o agrade. A eminência parda ainda pode se utilizar de qualquer tipo de poder para exercer o seu poder, seja ele militar, econômico, religioso e/ou político.

                                   Causa-nos preocupação essa notícia informal, ventilada nas províncias e nas ruas descalças do Reino Caiçara. Embora não seja divulgado pelos tabloides marrons e nem pela mídia paga pelo poder, sabe-se que a eminência parda do novo Rei, é uma pessoa manipuladora e que só procura atender os seus interesses pessoais. Vê-se que ela não se diferencia da eminência parda da Rainha deposta. Não se deve perder de vista que a Rainha foi decapitada, não por uma guilhotina, em praça pública, como se esperava; mas, sim, pelos desmandos do seu Primeiro Ministro (eminência parda).

                                   Tudo leva a crer, que o novo Rei foi picado por um mosquito, não o transmissor da dengue, zika vírus, chikungunya e febre amarela; mas, sim, o mosquito da eminência parda, transmissor da submissão total. Será que a medicina descobriu o DNA do mencionado mosquito? Será que essa doença tem cura? 

 

Peruíbe SP, 24 de dezembro de 2016.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A LISTA DO REI


 
                                   Desde que o mundo é mundo, sempre houve lista para tudo. Começa pela lista de compras no “Armazém do Takada”, em Guaimbê SP, cidade da minha infância. Gostamos de lista e de fila. Lista de espera é a que mais nos incomoda e causa ansiedade. Outras, por suas vezes, nos decepcionam. Engraçado que, sem querer, vamos aos poucos, acostumando com isso. Saí da minha infância com uma lista de responsabilidades e obrigações.

                                   Nem mesmo o Reino Caiçara livrou-se desse costume enraizado na cultura nacional. Embora tenha relutado muito, não escapou dessa contaminação milenar. Confesso que, ao longo dos anos, pude compreender a necessidade dessa instituição chamada carinhosamente de “lista”. É uma forma de organizar e reorganizar a vida cotidiana. Desde que se obedeça á ordem técnica, tudo pode dar certo. Na guerra, chamamos de estratégia militar, mas, para nós, em tempos de paz, chamamos de relação de obrigações, a serem fielmente cumpridas.

                                   Um dia desses, acordei com os tabloides matutinos, noticiando a lista dos ministros, nomeados pelo novo Rei, a fim de ocuparem os assentos no Palácio Real. Durante a circulação, já despertava especulações entres os súditos. Para alguns, causou surpresa e, para outros, indignação. O novo Rei tentou apaziguar os ânimos, onde, em rede nacional, listou os principais projetos para o início de seu reinado. Numa análise ainda prematura, vejo que suas intenções carecem de mais sustança.

                                   Os técnicos e especuladores de plantão, dizem que quatro dos nomeados, já fizeram parte do governo de um reino anterior, deposto pela vontade popular. Em razão disso, não acreditam em mudanças radicais e, o que é pior, vê uma relação pecaminosa com administrações anteriores. Nota-se certa flexibilidade do novo monarca, quando ele não cita, dentro do seu projeto de reinado, a repatriação aos cofres públicos, das patacas (moedas) surrupiadas na calada da noite.

                                   Deu apenas um leve sinal de acabar com a “farra do boi”, quando anunciou a redução de títulos de horarias, às custas do dinheiro público. Na realidade, deveria reduzir a zero as comendas, nascidas de presentes políticos aos aliados. Espera-se que o Parlamento, ao redigir as leis que auxiliam o novo monarca, não sigam diretrizes ditadas por políticos corruptos das gestações (gestões) anteriores. Ao que parece, o novo Parlamento já nasce contaminados por embriões corruptos e mal intencionados.

                                   O que justificou a queda da rainha louca e incompetente e a aclamação de um rei afeiçoado e carismático, foi o desmando do governo anterior e, acima de tudo, a esperança de um futuro melhor. Os súditos buscam na monarquia que se aproxima o acalanto que não teve da monarquia que se foi. Não quer o povo sofrido, trocar seis por meia dúzia. Também, não deve esquecer o novo Rei que: “Todo poder emana do povo e, em seu nome será exercido”. Embriagar-se do poder e dar espaço aos aduladores de plantão será sua derrocada final, assim como aconteceu com a monarca deposta.

                                   Não demora e, em um plebiscito de emergência, o povo fará uma lista pormenorizada das providências essenciais que deverá tomar o no Rei. Todos nós seremos guardiões incansáveis dos interesses do reino; cobrando do Rei e da corte, celeridade na sua execução. Desejamos que o novo Primeiro Ministro traga no seu currículo, o princípio da ética e da moral. E que ele não se envergue aos interesses particulares e escusos, como aconteceu no governo anterior.

                                   A lista, da qual aprendi a lidar desde minha tenra infância, dará o norte político a ser traçado pelo novo Rei. Lembro historicamente da “Lista de Schindler”. Oskar Schindler, um militar polonês que, para salvar centenas de milhares de judeus, dos campos de concentrações da Alemanha, durante a segunda guerra mundial, elaborou uma lista e passou para a Gestapo (polícia alemã). Antes, porém, comprou membros da Gestapo e do alto escalão nazista, com bebidas, mulheres e produtos do mercado negro.

                                   Esperam os súditos do novo Rei que a lista elaborada por ele, seja  de boas novas e de grandes realizações; não a lista de um povo a ser lançado nas câmaras de gás, construídas no holocausto da traição eleitoral.

Peruíbe SP, 18 de dezembro de 2016.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

ADEUS, MINHA RAINHA, ADEUS!


                             Não foi por falta de aviso. Ao invés de ouvir os conselhos de seus súditos fiéis ou dos gritos das ruas, a Rainha preferiu dar ouvidos aos asseclas e bajuladores. Ignorou os pensadores da corte e dormiu no colo dos piratas do reino. Louca pelo poder e despreparada para o comando, deixou-se levar por uma trupe de oportunistas e de péssima índole. Chamou para compor o ministério, uma corja de ladrões e estelionatários. Concedeu títulos de nobreza a quem não merecia.

                        Foi assim que, aos poucos, após a coroação, a monarca acabou caindo em desgraça pessoal e em descrédito perante a nação. A economia naufragou num mar de lama. As províncias nada produziam, gerando desemprego e fome. Havia ruas descalças e buracos aqui e acolá, mais que na camada de ozônio. Falta de iluminação, mato e lixo por toda parte, um reino entregue às moscas. O Palácio Real, com suas paredes opacas, há muito deixou de ser um cartão postal.

                        Não bastasse isso, as perseguições contra as pessoas de bem, por parte de seus asseclas, entristeciam o reino. Não fora atoa que o Reino Caiçara distanciou-se dos reinos vizinhos e além-mar. O povo saudosista não se esqueceu, quando da ascensão da monarca ao trono. Tempos idos aqueles, em que se vendeu um mundo encantado, um conto de fadas. Ao dirigir-se à nação, da sacada do palácio, prometeu cumprir e fazer cumprir as leis, emanadas da constituição. Disse que reergueria das cinzas, um reino falido, deixado pela monarquia anterior.

                        Não foi por falta de aviso. Por diversas vezes, os conselheiros do reino, em razão do descontentamento geral, mostraram o caminho da abdicação do trono. Preferiu dar ouvidos às sanguessugas do poder e caminhar sozinha rumo ao desterro da história por ela escrita. Os bajuladores foram os primeiros a bateram em retirada, como aves de rapina, quando da falta de alimento. Triste fim de uma monarca louca e incompetente. Deixar o palácio pelas portas do fundo era, antes de tudo, uma humilhação sem precedentes na história centenária do reino.

                        Mas nem tudo está perdido. Assim como na natureza, tudo se renova. Se a Rainha não quis abdicar do trono, quando lhe foi dada a oportunidade, agora é tarde. Por força de lei, ela deixará o trono no final do ano, ao apagar das luzes. O povo não mais dorme no berço da ignorância. Basta dizer que o Parlamento, por decisão através do voto universal, foi renovado em oitenta por cento. Embora digam que um terço do novo Parlamento pertence ao grupo do antigo Primeiro-Ministro; outro terço, a um candidato derrotado ao reino e o outro terço, a um rei deposto há muito tempo, a assertiva não prospera.

                        O certo é que já temos um novo rei, eleito e aclamado pelo povo. Mais uma vez, o sonho e a esperança se renovam. Deseja a nação, que o rei eleito não nos jogue no calabouço do desmando administrativo, como fez a rainha, ora deposta pela vontade popular. É certo que de boas intenções, o inferno está cheio. Os tabloides matutinos, já estampam em primeira página, palavras do novo governante, sobre suas intenções como monarca. Algumas de suas primeiras atitudes soam como medidas paliativas, o que nos causam preocupações. Mas isso será debatido depois, num momento oportuno.

                        Não deve esquecer o novo monarca, que os súditos já têm suas convicções pessoais, em razão da convivência num reino sucateado e desacreditado. Vossa majestade não pode estar presa a pessoas inescrupulosas, parlamento corrupto, suprema corte ineficaz. Se assim agir, correrá o risco de ser jogado no mesmo desterro da rainha louca e incompetente. Pode ser banido da história e deixar o reino pelas portas do fundo, numa triste humilhação. A nomeação do primeiro escalão do novo governo delineia a sua trajetória vindoura.

                        Mas quanto à rainha, pouco resta a dizer. Solitária e rejeitada pelo povo, seguirá seu caminho, rumo ao despenhadeiro do esquecimento. Um dia, ao ser deposto pelo congresso, um governante do sistema republicano, disse: “O poder é solitário”. Quando o destino o leva para a guilhotina, o governante irá só, sem seus bajuladores e asseclas.

                        Ao observar uma cena desoladora, vendo a rainha caminhar cabisbaixa pela estrada solitária do reino, só nos resta dizer pesarosos: “Adeus, minha rainha, adeus!”  

Peruíbe SP, 01 de dezembro de 2016

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A SANTA URTIGA


                           Dom Orlando, era uma pessoa carismática e de uma cultura impar. Por isso, ao longo dos anos, conquistou uma imensidão de admiradores e seguidores, em virtude do o que ele falava ou fazia. Isso custou à perda de privacidade e atrapalhava sobremaneira os seus momentos de clausura, que a vida episcopal exigia. Quantas vezes, ele era chamado de madrugada, para o ritual de extrema unção ou para apaziguar desavenças conjugais. Também para festanças, regadas a vinhos e carne de primeira, com aquela gordurinha provocante.

                                   O seu jeito bonachão, físico acima do peso, traços germânicos, sorriso espontâneo, além, é claro, do comportamento gozador (sarrista), colocava-o no topo das pessoas benquistas, no lugarejo. Creio que a batina caíra bem.  O coração propenso ao bem e o espirito alegre, eram pré-requisitos pra transformá-lo no apascentador de ovelhas. Era a primeira pessoa a ser lembrada, para convites em festas particulares e festividades públicas.

                                   Nas horas vagas, dentro dos muros do seminário, Dom Orlando gostava de lidar com plantas ornamentais e hortaliças. Devorava livros sobre botânica e, também, sobre a fauna. Por diversas vezes os amigos de celibato, surpreendia-o conversando demoradamente com as plantas. “Bom dia, meu pé de alface”, “Por que anda triste minha begônia?”, “Como é linda a sua roupa, minha rosa”. Achava lindo as abelhas e os beija-flores, na dança incansável pela busca do pólen.

                                   Aos poucos, o povo do lugarejo descobriu que, além do dom divino de cuidar da fé, também tinha uma queda para o curandeirismo. De vez em quando, longe do altar sagrado da igreja matriz, ele receitava uns remédios caseiros, indicando o uso de plantas medicinais. Não bastasse isso, ensinava algumas simpatias, como por exemplo, para espantar mal olhado (olho gordo), quebranto, asma, “trabalho feito”, etecetera e tal. Que o bispo emérito, seu superior hierárquico, não soubesse disso, pois podia excomunga-lo.

                                   Mas há uma história, não comprovada, de que em virtude destes dons extra paróquia, Dom Orlando teria sido convidado por Vossa Santidade, a fim de visita-lo no Palácio Apostólico, residência oficial do líder da igreja. Havia rumores de que o Papa estava acometido de uma doença não divulgada pelo clero. Chegou aos ouvidos do supremo líder, que Dom Orlando curava tudo E, para isso, usava até métodos não ortodoxos, isto é, não reconhecidos pela Santa Sé. Até hoje, não se sabe se isso é real, mas lenda é lenda, convenhamos.

                                   Mas o que aconteceu no lugarejo e aos nossos olhos, podemos narrar, sem medo de cometermos uma heresia. Vamos ao causo (história). De um jeito discreto, Dom Orlando dava lá suas escapadelas. Durante uma partida de baralho, ele percebeu que um dos participantes demonstrava dificuldade para sentar-se. Ao perceber que se tratava de hemorroidas, Dom Orlando orientou que o enfermo fizesse banho de assento com urtiga, não a folha, mas sim a casca. Por acreditar nos dons religiosos, medicinais e curandeiros do vigário, lá se foi o incomodado para o banho.

                                   Narram as línguas malévolas, que o enfermo, depois da infusão na região afetada, fora socorrido às pressas para o nosocômio (hospital) da cidade mais próxima. Lá permaneceu por cerca de quinze dias, onde, a todo o momento, lembrava-se de Dom Orlando, não mais com simpatia, mas com tristeza, pelo estrago retal, que o conselho medicinal lhe proporcionara. A receita pode não ter proporcionada a cura esperada, mas é certo que Dom Orlando perdeu um parceiro das horas de lazer e um devoto fervoroso.

                                   Mas as histórias pitorescas de Dom Orlando, o pároco do lugarejo, não param por aí. Contam que, em razão do seu amor pelas plantas e por saber dos poderes que delas emanam isso somado às fortíssimas rezas, Dom Orlando passou a fazer uso da urtiga para benzer pessoas e fazer simpatias. Mas o que chamou atenção dos fiéis e, principalmente das beatas, foi o fato de que ele passou a exorcizar demônios das pessoas, cujos corpos que ardiam em pecado.

                                   Foi por isso que, no jardim que circunda a igreja, um artista renomado, construiu o busto de um homem e, do lado dele, a folha da SANTA URTIGA. Credo em cruz!

 
Peruíbe SP, 24 de novembro de 2016 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O REINO ÁS MOSCAS


                                    
                                           É enfadonho olhar o cair da tarde no Reino Caiçara. Lembrar-se dos tempos de outrora, onde tudo era ouro reluzente, dói no fundo da alma. Talvez seja por isso, que sofro por ser um eterno saudosista Dizem que quem gosta de passado é museu, mas eu, particularmente, não concordo com isso. Quando sento preguiçosamente numa cadeira de balanço e fico a viajar pelo passado, causa-me um prazer imensurável. Portanto, lembrar-se do reino de outrora, deveria causar prazer e não asco.

                                    As pompas do reino, envoltas em tradições centenárias, encantavam os olhos dos súditos e de visitantes simpáticos à monarquia. O amor e o respeito à rainha, tinham uma magia indescritível. A imagem da soberana era de uma mãe protetora, cuidando dos filhos desprotegidos e carentes. O andar compassado dela traduzia segurança e serenidade no trato com as nuances do reino. Por isso, era amada e respeitada por todos, isto é, súditos, vassalos e serviçais. Os gestos simples dela imortalizavam-na.

                                   Quando de sua coroação, tudo era esplêndido no reino. As províncias exalavam encanto e esperança. As ruas, vielas, praças, coretos tinham um encanto, pois a conservação era exemplo aos reinos vizinhos e além mar. Os prédios públicos e os patrimônios históricos gozavam de carinho e respeito, tanto da corte, quanto dos súditos. Com o passar do tempo e diante dos desmandos dos asseclas da monarquia, a beleza do reino foi minando e as virtudes da rainha, caíram no descrédito.

                                   Ao dar guarida às aves da rapina, a rainha foi se distanciando do reino e perdendo o respeito dos súditos. Embora alertada por pessoas que a admiravam, ela persistia no erro. Acreditava que os seus assessores, isto é, os detentores dos títulos de nobreza e os ministros eram fiéis aos seus propósitos de conduzir com dignidade a “coisa pública”. Enquanto ela se comprazia com as adulações de seus bajuladores, eles surrupiavam os cofres públicos, na calada da noite.

                                   Hoje, no apagar das luzes, o que se vê é o palácio em total abandono e o lixo tomando conta das ruas, vielas, praças e coretos. A podridão do reino ultrapassou as portas do palácio e contaminou todas as províncias. Não há como esconder o desgoverno de uma monarca ausente e incompetente, a qual, no início de seu reinado, semeou esperança a um povo simples, trabalhador e ordeiro. O cheiro fétido veio acompanhado da inércia do Parlamento e da Suprema Corte. O sentimento de impunidade levou a população às lagrimas.

                                   Mas, como nem tudo está perdido, ao que parece, por força da lei, a monarca deixará o poder, num tempo não muito distante. Há rumores de que não tarda e um monarca assumirá o poder. Mais uma vez, o povo se embriagará de esperança e voltará acreditar em promessas de um futuro promissor. Em que pese o novo monarca, convocar pessoas de conduta ilibada para auxiliá-lo na missão de reerguer o reino, ainda é cedo para avaliar o que será de todos nós.

                                   Primeira providencia do novo monarca e falo como súdito, será uma rigorosa auditoria financeira no reino, devendo punir com prisão, as aves de rapina. E o que é de suma importância, confiscar os bens dos larápios da corte e, acima de tudo, repatriar as patacas (moedas), ao tesouro real (cofres públicos). O monarca não deverá, em momento algum, fazer conchavos com políticos corruptos, para salvar a pele das aves de rapinas, as quais estão partindo em revoada, rumo ao mundo da impunidade.     

                                   O Reino Caiçara fora deixado às moscas. O lixo da imoralidade pode ser visto em cada beco e em cada esquina. O cheiro fétido da impunidade desce forçosamente pela garganta de cada um de nós. Que o novo monarca, não jogue para debaixo do tapete da indiferença, o que fizeram com todas as províncias.

                                   As moscas reinam soberanas, sobre o Reino Caiçara.    

Peruíbe SP, 21 de novembro de 2016  

sábado, 5 de novembro de 2016

A POLICIA DO REINO: ASCENSÃO E QUEDA


                              No apagar das luzes, pouco há que se admirar no Reino Caiçara. O brilho nos olhos da monarca, quando foi coroada, vai se apagando aos poucos. As festas suntuosas e os bailes revestidos de glamour, não mais existem. Os desfiles oficiais, com a monarca em sua carruagem real, não são mais recebidos com reverência e admiração. A coroa dourada e cravejada com pedras preciosas pesa sobre a cabeça da Rainha e não mais representa o poder, que dela emana.

                                   O reino edificado há centenas de anos, sob a égide da defesa do bem comum, foi enlameado pela embriaguez e luxúrias do poder, fazendo corroer as colunas da ética, da moral e dos bons costumes. As negociatas realizadas na calada da noite, nas costas do trono, maculou a imagem da monarquia e desmoronou a longevidade do reino. O Primeiro Ministro sucateou os cofres públicos e, para isso, corrompeu agentes públicos em todas as esferas do poder.

                                   Com as patacas surrupiadas do Tesouro Real, o Primeiro Ministro comprou terras, mansões, carros luxuosos e pessoas. Os membros do Parlamento (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns) rezavam a cartilha do mandatário. “Quem paga o almoço, escolhe o cardápio”, diz o adágio popular. Ele aliou-se ao capô da cidade, um mafioso conhecido como “Quatro Letras”. O braço da corrupção, comandada pelo Primeiro Ministro, alcançou a Suprema Corte e a Policia Real. Atuou como um rolo compressor sobre seus asseclas e desafetos.

                                   A Polícia Real, criada para defender os fracos e oprimidos, passou a defender os interesses escusos da corte e dos malfeitores do reino. Enquanto a Rainha preocupava-se com o bem estar do seu consorte, o “Conde Tupiniquim”, o Primeiro Ministro, fazendo uso de seu poder e influência, determinava a quem o Diretor da Policia Real devia perseguir ou matar. Assim perseguiu jornalistas, agentes policiais não corruptos e cidadãos de pouca posse. Foi um período em que toda espécie de crime cresceu assustadoramente, instalando-se o medo e a insegurança.

                                   O Primeiro Ministro infiltrou nos corredores da Policia Real, pessoas de sua confiança, com o intuito de coibir instauração de processos contra seus atos criminosos. Tinham, dentre outras funções, retardar investigações ou destruir provas de sua corrupção desenfreada. O diretor nada podia fazer, ou seja, apenas cumprir ordens, pois tinha “rabo preso” com o homem mais poderoso do reino. Foi assim que a policia mais respeitada do reino, caiu num descrédito irreversível.

                                   Sem uma polícia, braço direito da ordem e da justiça, guardiã da ordem e da lei, a violência e a desordem tomou conta dos quatro cantos do reino. Qualquer agente público de conduta ilibada, que se opusesse a esquema montada pelo Primeiro Ministro e pelo Diretor da Polícia Real, era perseguido com infâmias contra a sua honra ou morto covardemente. A partir de então, passou a imperar a lei do silêncio para os honestos ou a lei da cumplicidade para os aliados. 

                                   A ganância do reino contaminou a policia (investigativa e montada), pois ali parecia um mercado persa, onde negociava de tudo. Vitima de toda sorte de violência, o povo tinha medo de procurar o amparo da lei. Sabia que para ter o seu direito garantido, precisava pagar um preço. Os infiltrados do Primeiro Ministro tinham mais autoridade do que o Diretor da Policia Real. A polícia se vendeu e caiu num atoleiro sem precedentes. Os súditos reclamaram ao Parlamento e a Suprema Corte, mas de nada adiantava, pois o Primeiro Ministro comprara a todos.

                                   Mas como na vida, nada é eterno e nem mesmo a própria eternidade, um dia ruiu o castelo de corrupção. O peso da Justiça Divina fez ruir os pilares contaminados pela imoralidade. Não ficou pedra sobre pedra, como aconteceu com as muralhas de Jericó.  A lei e a verdade devoraram os malfeitores do reino. Aos poucos, a lei foi restaurada no reino e o povo suspirou aliviado. O direito e a justiça vencem, mesmo que desarmados.

                                   A Rainha louca morreu de inanição, o Primeiro Ministro com a burra cheia, abandonou o reino e o Diretor da Policia Real, com toda máfia, foi expulso á toque de caixa. Hoje os súditos fiéis à Monarquia acordaram de alma lavada e espírito aliviado. De uma forma tranquila, o bem venceu o mal.

                                   “God protect the Kingdom against its malefactors”. (Deus proteja o Reino contra seus malfeitores).

 

Peruíbe SP, 05 de novembro de 2016

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O PALACIO NA PENUMBRA


 
Adão de Souza Ribeiro

 
                                   Andei um tempo meio arredio. Enclausurei-me dentro do meu “eu”, com desejo imenso de fazer uma retrospectiva das minhas caminhadas pela vida, essa vida de eterno retirante. As pressões do mundo externo deixam fragilizados meu coração e espirito. Na solidão, busco alimento para as indagações da mente, que me torturam diuturnamente. Ali quietinho, comprazo-me da felicidade de poder dormir e sonhar em paz.

                                   Mas, de vez em quando, sou compelido a deixar minha clausura e sair por aí sem rumo, sem eira e nem beira. E nessas andanças a contragosto, deparo-me com toda sorte de cenas. Ao retornar para minha clausura, vejo que estou debilitado, física e espiritualmente. Levo longos dias para me recompor e, só assim, percebo que não posso transformar o mundo, num paraíso tão sonhado, desde minha tenra infância.

                                   Numa dessas caminhadas, fui parar no Palácio Caiçara. O jardim exuberante, que agora jardim não era, estava murcho, meio borocoxô. As janelas opacas, já não conseguiam espiar o movimento desenfreado das carruagens e dos súditos, em seu derredor. As dezenas de portas emperradas traduziam o estado de abandono e não se abriam sorridentes aos convivas e visitantes.  É degradante ver os lustres sem os brilhos de outrora.

                                   Senti um aperto no coração, quando vislumbrei a rainha cabisbaixa, num dos cantos de seu aposento, abandonada à própria sorte. Por onde anda o seu esposo, o “Conde Tupiniquim”? Contam os fofoqueiros de plantão, que o Primeiro Ministro, depois de surrupiar os cofres públicos do reino, bateu em revoada, para outra capitania hereditária e com a burra cheia de moedas de ouro. A fome voraz dos membros da corte deixou o reino jogado às traças.

                                   O choramingo de vossa majestade, não mais é ouvido pelos súditos. Cansados da má administração do reino, o povo aguarda com a ansiedade a abdicação do trono. Por não ouvir o clamor do povo, a rainha perdeu força na Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes. Não vai longe à derrocada do poder. Os fiéis escudeiros deram as costas e nem mesmo os soldados da guarda real a reverenciam. No início do reinado, foi orientada a afastar-se das aves de rapina, mas, embriagada pelo poder, não deu ouvidos às pessoas simples.

                                   Naquele dia em que eu passava pelo reino, soube que fora cortada a energia do Palácio Real. Nunca vi tamanha humilhação para um povo trabalhador e ordeiro. Em que pese o palácio estar no escuro, a casa oficial do Primeiro Ministro, parecia o “Titanic”, de tão iluminado que se apresentava. Ao bem da verdade, o Primeiro Ministro é uma pessoa muito iluminada, pois nada acontece com ele, que possa abalar as estruturas do reino.

                                   Os suntuosos banquetes, regados a bebidas caríssimas e longas danças de salão, não existem mais. São apenas velhos quadros empoeirados nas paredes. Hoje, o palácio vive dias de solidão e abandono. Apenas alguns serviçais caminham para lá e para cá, sem saber o que fazer. A rainha esquecida num canto qualquer, vai se definhando aos poucos. Os seus fiéis escudeiros, tornaram seus desafetos e, agora, partem numa busca desesperada de outro reino, a quem possam bajular descaradamente.

                                   Do lado de fora, nos arredores, alheios ao que acontece dentro do muro palaciano, o povo sofre por não saber como será o futuro do Reino Caiçara. A coroa maculada, não desperta mais o encanto dos súditos e vassalos. Quem será o próximo monarca e o que se pode esperar dele? Quem serão as próximas sanguessugas do poder, travestidas de benfeitores? Que terá a nobreza de reerguer a dignidade do palácio e devolver ao povo sofrido, uma gota de esperança?

                                   De uma coisa estou certo: “É triste caminhar pelos corredores do Palácio Real e ver o estado de abandono em que se encontra. A penumbra que o envolve, é de cortar o coração, de quem depositou tanta esperança, numa rainha louca e ausente”. Só me resta dizer: “God save the Queen” (Deus salve a Rainha).
 
Peruíbe SP, 24 de outubro de 2016

 

sábado, 16 de julho de 2016

MILAGREIROS DE PLANTÃO


                                   Já há algum tempo, ando afastado dos assuntos do Reino Caiçara. Enclausurado num canto qualquer do condado, busco tranquilidade para mente e conforto para a alma. Navego num mundo de leitura e conhecimento. Brinco e converso com meus personagens imaginários e, com eles, passo horas e horas filosofando sobre assuntos mais diversos da vida e do universo.

                                   Distante das ruas sofro menos. Não entro em conflito com os oportunistas de uma sociedade hipócrita e nem me apiedo dos menos abastados. O celeiro da minha casa tem o suficiente para passar o longo inverno. A tecnologia permite que eu esteja em sintonia com o mundo, sem sair de casa. Dentro do meu mundo, não corro o risco de me tornar refém de uma violência ensandecida que assola a sociedade.

                                   Das poucas vezes que atravessei a soleira da porta, percebi um alvoroço entre os súditos do reino. Também notei uma preocupação enorme dos asseclas da rainha. Notei que os membros do parlamento e do baixo clero, não se entendem e digladiam entre si. Não acredito que existam outros motivos, senão a busca desesperada pelo poder. Em nome do poder, vendem a própria honra e, por isso, matam e morrem.

                                   Há comentários de que haverá uma troca, não da guarda real, mas, sim, da rainha e de todos que a cercam e bajulam. Nessa troca, uns tentam se segurar no cargo, outros demonstram serem candidatos. Para tanto, vendem uma imaculada imagem de pessoas integras e, sobretudo, de salvadores da pátria. Desenham um reino maravilhoso, livre das mazelas do cotidiano. Pintam um cenário colorido, o qual já há tempos é obscuro.

                                   Os súditos desavisados e desprovidos de cultura acreditam nos milagreiros de plantão. Já cansei de dizer que o povo é apenas massa de manobra. Tenho visto candidatos a primeiro ministro, aliaram-se com o chefe corrupto do serviço secreto. Esse casamento entre políticos e policiais corruptos, coloca em risco a segurança do reino. É certo que todas as províncias estão contaminadas por toda sorte de crime e de violação á lei vigente.

                                   Os assessores diretos da rainha saquearam os cofres públicos, deixando os serviços básicos à mercê da sorte. Abrem licitações fraudulentas e distribuem cargos de confiança aos mafiosos de todas as esferas, como presentes por defenderem de crimes hediondos. Há uma prostituição moral rondando a côrte e destruindo os pilares do palácio real.

                                   Nos bastidores e nos porões imundos da côrte, os milagreiros de plantão, negociam acordos escabrosos, com vista apenas a conquista do poder. Engana-se quem acredita que eles são defensores incansáveis da população e do bem comum. Sei que de boas intensões, até o inferno está cheio. Todos os primeiros ministros, que passaram pelo reino, enriqueceram da noite para o dia, como aconteceu no “milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”.

                                  Não é por acaso, que, nos últimos tempos, ando afastado dos assuntos do reino. Tenho um apreço enorme pela lei e por aqueles que comandam o destino do reino, desprovidos da ganância e da vaidade pessoal. Não posso aceitar, que dirigentes mal intencionados, assenhorem-se do poder e façam do povo humilde, apenas pano de chão. É preciso fazer um levante contra os malfeitores, travestidos de defensores do bem comum.

                                   O povo foge da ignorância, apesar de viver tão perto dela”, dizia o cantor Zé Ramalho. A ignorância cultural é o terreno fértil dos milagreiros de plantão, por isso, prometem um mundo de fartura, onde falta tudo. Quando um deles, de mim se aproximar, oferecendo um céu de falsas promessas, parafrasearei Chico Buarque, dizendo: “Pai, afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue”.  

Peruíbe SP, 16 de julho de 2016

sexta-feira, 8 de julho de 2016

O FEIJÃO E A CRISE


O FEIJÃO E A CRISE

Adão de Souza Ribeiro


                            Sou de um tempo em que a palavra tinha peso e valor. O fio de bigode valia mais que nota promissória. O homem deixava de comer, para honrar os seus compromissos. No armazém do seu Takada, o crédito dos clientes, era anotado numa caderneta. No final do mês, lá estava o cliente “passando a régua”, o que muito alegrava o comerciante.

                            Passou-se o tempo e com ele, marcas indeléveis na minha vida. Lembro-me que as moçoilas, caminhavam faceiras em volta do coreto da praça, com seus vestidos de chita e chuquinha no cabelo. O jardim todo florido, em torno da igreja matriz, tinha o desenho da natureza do lugar. Os trotes compassados dos cavalos, pelas ruas descalças, diziam que a vida não tinha pressa.

                            No lugarejo onde nasci nada acontecia por acaso. As festas juninas retratavam o jeito simples de um povo sem vaidade. No sábado, o povo da roça, vinha fazer a despesa da semana. As ruas pareciam um mercado persa. Automóveis, cavalos arriados, carroças e charretes, cruzavam pelas esquinas movimentadas. Não havia semáforo, mas respeito aos transeuntes, idosos e crianças.

                            Nos bares, entre um trago e outro de cachaça, os caipiras proseavam e contavam causos engraçados. De vez em quando, uma briga transformava num espetáculo à parte. Quando a tarde ia chegando, os roceiros iam embora e a cidade voltava a abraçar o silencio cotidiano. Passou-se o tempo e com ele, a certeza de que um dia, tudo aquilo se transformaria em saudade.

                           Cresci em meio às brincadeiras infantis, regadas com cantigas de roda e histórias contadas pelos meus avós. Nas ondas simplórias de um rádio de válvulas, as modas sertanejas cruzavam o céu do meu povoado. Quando me lembro de tudo aquilo, brota uma lágrima solitária nos meus olhos de eterno saudosista.

                            Já naquele tempo, o meu pai, um homem pouco letrado, porém, de uma sabedoria incontestável, já falava das dificuldades da vida. Reclamava do governo e previa um futuro sóbrio. Criticava o abandono da agricultura e nos alertava para economizar centavo por centavo. Por ser criança, não entendia a sua filosofia de caboclo. Hoje, num tempo tardio, queria ele por perto, para beber o mel da sua sabedoria. Não dá mais, pois ele já partiu para a mansão do desconhecido.

                            O meu torrão de terra, era um lugar muito festeiro. Pouca coisa alegrava meus conterrâneos. Lembro-me de um casamento grã-fino, onde, depois do ritual no altar da igreja matriz, a festa rolou noite adentro. Comes e bebes com fartura e não se sabia quem era convidado e quem era penetra. A sanfona, acompanhada de uma viola “xonada”, animava os festeiros, com jeito ou não para a dança.

                            Achava bonito quando o vigário recitava o maçante compromisso dos noivos: “Eu te recebo como minha esposa (o) e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida”. A troca de alianças e beijo oficial, fechando com chave-de-ouro o ritual do compromisso eterno. A noiva toda de branco, representando a pureza e o noivo num terno engomado, com a gravata apertada e suando frio.

                            Fico imaginando o casamento do arroz e do feijão, no altar do prato do brasileiro. Esse casal da tradição brasileira, que transpôs a barreira dos anos, não conseguiu vencer a batalha de um desgoverno. No final, ao recitar o ritual do enlace matrimonial, disse o feijão para o arroz: “Eu te recebo como minha esposa e prometo ser-te fiel e respeitar-te, na alegria e a tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida, até que a crise nos separe”.    


Peruíbe SP, 09 de julho de 2016.        

sábado, 23 de abril de 2016

DESABAFO

Estou cansado
Cansado de que?
Cansado da vida
Da vida por que?
A vida me cansa.
Ela cansa você?
São tantas andanças
Para onde não sei.
Você não descansa?
Descansar como?
De tantas cobranças
Se perco o sono
Em meio à vingança
Do lobo do mar.
Tudo me cansa
Cansa até pensar
Pensar no que?
Em tanta lambança
Lambança na dança
Na dança do poder.
Estou desgastado
Desgastado de tudo
De tudo do passado
Do passado sombrio
Sombrio sem razão.
Estou enfadonho
Em busca de sonho
Sonhar pra que?

Peruíbe SP, 23 de abril de 2016

sábado, 2 de abril de 2016

O AMOR FUGIU


O meu amor

Fugiu pela janela

Numa tarde daquelas

Para nunca mais.

Eu não sei

Para onde sumiu

Foi nas aguas do rio

Em busca da liberdade.

Partiu para sempre

Ele ganhou asas

A dor um dia passa

Como passa a vida.

Era um prisioneiro

Do próprio sonho

Achava-se tristonho

Fugiu de si mesmo.

O meu amor

Não tem juízo

Sei que preciso

De conselho.

O meu amor

Feriu meu coração

Não teve razão

Mas isso nada muda.

Ele é uma aeronave.

Planando no firmamento

Vai aonde o vento sopra

Até quando não sei.

 

Peruíbe SP, 02 de abril de 2016

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

LA BARCA DA TINA


 
Há um mar revolto
Um coração solto
Nada me anima
Fico no porto
Á espera da Tina.
O sorriso, um olhar
Em noite de luar
Isso me fascina
E me faz calar
Diante da menina
Sei que tem marca
Que não passa
Feito uma sina
Como a La Barca
Da Tina
Nessa minha vida
Desatina
Não sei aonde vai
Diz à Tina
Que a quero demais.
 
Peruíbe SP, 29 de novembro de 2015

sábado, 13 de fevereiro de 2016

REDEAS DA VIDA

É preciso que eu tome as rédeas
As firmes rédeas deste meu eu.
E que não precise correr léguas,
Em busca de algo que se perdeu.

É preciso que tenha o domínio,
Longo domínio do meu futuro.
E que não me perco no fascínio,
De algo assim nebuloso, escuro.

É preciso que eu não me perca,
Numa estrada longa e tortuosa,
Porque pode haver tanta beleza,
Em outras floras, não só na rosa.

É preciso que eu acorde cedo
Bem cedo, antes do alvorecer
Para que reste segredo, medo
Do que um dia pode acontecer.


Peruíbe SP, 29 de outubro de 2013

sábado, 23 de janeiro de 2016


O POETA E O DIVÃ

                                   Sempre andei pelas veredas dos sonhos, das fantasias e de um mundo transcendental. Tenho para mim, que sofro menos e que não fico à mercê de uma realidade violenta e conturbada. A imaginação me leva para universos, dantes navegados. Crio e recrio momentos inesquecíveis. Relaciono-me com pessoas só do meu agrado e expurgo os indesejáveis.

                                   Foi pesando assim, que pela primeira vez, ainda na tenra infância, atrevi-me a rabiscar um poema trôpego. Um menino, um papel e um lápis. Assim nascia um menino solitário, um viajante sem destino, um pensador sem rumo e sonhador. Pela estrada longínqua da vida, caminhei sem medo e sem preconceito. Em razão dessa persistência em busca do belo e da paz, conheci lugares insondáveis. Ganhei adeptos e amigos sinceros.

                                   As pessoas próximas de mim, não compreendiam esse meu jeito de ser, uma pessoa desligada do presente. Sempre gostei do passado e do futuro. Uma coisa que sempre me preocupou, foi a transitoriedade da vida. Não consigo compreender, porque ela é tão breve.  A vida bucólica do campo e os momentos de introversão, fazem muito bem para o meu coração e para a minha alma. Ali recomponho as minhas energias mentais e espirituais.

                                   Mas, como a felicidade, nem sempre é servida na bandeja, fui arremessado para a realidade cruel da vida. Ainda na juventude, deixei minha terra natal e o lar de meus pais, para ser lançado na arena dos leões famintos e devoradores. Aprendi às duras penas, defender o pão nosso de cada dia. A pessoa que sou hoje, foi forjada na bigorna da vida e, em seguida, colocado na moldura, de quem não se desvia do caminho traçado, ainda no ventre sagrado de minha mãe.

                                  Nessas idas e vindas, pelos caminhos silenciosos de uma guerra fria e inescrupulosa, com o corpo já arcado pelo tempo e com a esperança fragilizada, acabei buscando alento no divã de uma psicanalista. Não havia outro caminho a percorrer. Ali derramei minhas lágrimas, frustrações, esperanças, questionamentos, medos, decepções e outras tantas coisas, adquiridas na vida moderna.

                                   Enquanto eu pronunciava palavras e frases desconexas, ela fitava atentamente meus olhos e observava com carinho a movimentação do meu corpo. Sem que eu percebesse, fazia uma leitura analítica de mim e do meu pensamento conturbado. De vez em quando, de um jeito muito dócil, intercalava a minha fala, com frases de conforto e de estímulo. Procurava, através dos seus conhecimentos técnicos e da sua experiência humana, elevar minha autoestima.

                                   E assim, aos poucos, fui mudando o meu foco de visão, diante das coisas que me cercam. Novos horizontes foram se abrindo à minha frente e, por isso, os caminhos se demonstravam menos tortuosos e íngremes. Notei que o rio da minha vida, retomava seu curso normal. Os sonhos e as fantasias, despertados ainda na tenra idade, começavam a fluir com naturalidade. Notei que respirava a liberdade e algo que, há muito tempo, estava sufocado dentro de mim. Descobri que tinha o direito de viver e de mostrar ao mundo meus valores interiores.

                                   Ali, no divã da psicanalista, deixei para trás todas as minhas frustações, questionamentos e medos e me reencontrei. Entendi que nasci com a obrigação de ser feliz. Creio que o poeta e o divã tem algo em comum, isto é, a busca incansável da paz interior e da compreensão da vida.  
 

                                                                                  Peruíbe SP, 24 de novembro de 2015