sábado, 24 de dezembro de 2016

EMINÊNCIA PARDA


                                          Há os que vivem na luz e o que preferem a sombra. Essa dualidade é que faz o mundo girar. Por isso, não devemos julgar as pessoas, simplesmente pelo fato de pensarem ou agirem diferentemente de nós. O que seria do verde, se todos gostassem do amarelo. A beleza da vida está na diversidade das coisas, que nos cercam. Se compreendermos com ternura a alma e o coração das pessoas, seremos mais felizes.

                                   Mas em que pese nossa humana compreensão, não podemos ser coniventes ou reféns de tudo o que acontece ao nosso derredor. Há uma frase, que sempre causou-se intensa consternação, qual seja: “Toda unanimidade é burra”. Essa filosofia popular acompanhou-me pela vida inteira. Em razão disso, sempre fui um animal desgarrado do rebanho. Solitariamente fui á busca de novos caminhos, porque o desconhecido sempre me atraiu a aguçou minha imaginação. Como dizia no interior: “Não sou Maria vai com as outras”.

                                   Outro dia, andando pelas províncias do Reino Caiçara, deparei-me com toda sorte de pessoas, conversando aqui e acolá. Dissertavam sobre todos os assuntos do cotidiano. O jeito simples de se expressar, de um povo trabalhador e ordeiro, chamava-me a atenção. Não tinham papas na língua e, por isso, elogiavam e criticavam o que vinham na mente. Eles buscavam na ciência milenar, solução para tudo. Desde a infância, eu gostava de ouvir as pessoas simples, nascidas e criadas no mato, longe dos vícios da cidade grande.

                                   Numa dessas conversas, lançadas ao vento, ouvi quando um caboclo disse: “Você sabe que o novo Rei, tem uma eminência parda?”.  Fiquei estarrecido, respirei fundo. “Como pode um caipira, um capiau saber disso?”. Pensei e completei: “Será que ele sabe o que significa eminência parda?” Enquanto ele falava, enrolava um fumo de corda e dava um trago numa cachaça curtida com uma planta, denominada “pau barbado”. Por comentar com firmeza, deu credibilidade no que disse.

                                   Como não costumo prenhar-me pelo ouvido, saí á procura da verdade do que disse o velho sábio lá do interior. Não demorou muito para se confirmar o que eu temia ser verdade. Nem mesmo ascendeu ao trono e já pesa sobre o novo Rei essa desdita. A eminência parda dos governos militares Geisel e Figueiredo, era o General Golbery do Couto e Silva; a do papa João Paulo II, era o cardeal da Baviera Joseph Aloisius Ratzinger; a da nossa rainha a pouco tempo deposta, era o seu Primeiro Ministro.

                                   Mas o que é eminência parda? Vejamos: “Uma éminence grise (francês para eminência parda), um poderoso assessor ou conselheiro que atua “nos bastidores” ou na qualidade não-pública ou não oficial”. Na política, eminência parda é o nome que se dá quando determinado sujeito não é o governante supremo de tal reino ou país, mas é o verdadeiro poderoso, agindo muitas vezes por trás do soberano legítimo (a.k.a. poder por trás do trono), o qual é uma marionete dele, e pode muito bem ser deposto pela eminência parda, caso este não o agrade. A eminência parda ainda pode se utilizar de qualquer tipo de poder para exercer o seu poder, seja ele militar, econômico, religioso e/ou político.

                                   Causa-nos preocupação essa notícia informal, ventilada nas províncias e nas ruas descalças do Reino Caiçara. Embora não seja divulgado pelos tabloides marrons e nem pela mídia paga pelo poder, sabe-se que a eminência parda do novo Rei, é uma pessoa manipuladora e que só procura atender os seus interesses pessoais. Vê-se que ela não se diferencia da eminência parda da Rainha deposta. Não se deve perder de vista que a Rainha foi decapitada, não por uma guilhotina, em praça pública, como se esperava; mas, sim, pelos desmandos do seu Primeiro Ministro (eminência parda).

                                   Tudo leva a crer, que o novo Rei foi picado por um mosquito, não o transmissor da dengue, zika vírus, chikungunya e febre amarela; mas, sim, o mosquito da eminência parda, transmissor da submissão total. Será que a medicina descobriu o DNA do mencionado mosquito? Será que essa doença tem cura? 

 

Peruíbe SP, 24 de dezembro de 2016.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A LISTA DO REI


 
                                   Desde que o mundo é mundo, sempre houve lista para tudo. Começa pela lista de compras no “Armazém do Takada”, em Guaimbê SP, cidade da minha infância. Gostamos de lista e de fila. Lista de espera é a que mais nos incomoda e causa ansiedade. Outras, por suas vezes, nos decepcionam. Engraçado que, sem querer, vamos aos poucos, acostumando com isso. Saí da minha infância com uma lista de responsabilidades e obrigações.

                                   Nem mesmo o Reino Caiçara livrou-se desse costume enraizado na cultura nacional. Embora tenha relutado muito, não escapou dessa contaminação milenar. Confesso que, ao longo dos anos, pude compreender a necessidade dessa instituição chamada carinhosamente de “lista”. É uma forma de organizar e reorganizar a vida cotidiana. Desde que se obedeça á ordem técnica, tudo pode dar certo. Na guerra, chamamos de estratégia militar, mas, para nós, em tempos de paz, chamamos de relação de obrigações, a serem fielmente cumpridas.

                                   Um dia desses, acordei com os tabloides matutinos, noticiando a lista dos ministros, nomeados pelo novo Rei, a fim de ocuparem os assentos no Palácio Real. Durante a circulação, já despertava especulações entres os súditos. Para alguns, causou surpresa e, para outros, indignação. O novo Rei tentou apaziguar os ânimos, onde, em rede nacional, listou os principais projetos para o início de seu reinado. Numa análise ainda prematura, vejo que suas intenções carecem de mais sustança.

                                   Os técnicos e especuladores de plantão, dizem que quatro dos nomeados, já fizeram parte do governo de um reino anterior, deposto pela vontade popular. Em razão disso, não acreditam em mudanças radicais e, o que é pior, vê uma relação pecaminosa com administrações anteriores. Nota-se certa flexibilidade do novo monarca, quando ele não cita, dentro do seu projeto de reinado, a repatriação aos cofres públicos, das patacas (moedas) surrupiadas na calada da noite.

                                   Deu apenas um leve sinal de acabar com a “farra do boi”, quando anunciou a redução de títulos de horarias, às custas do dinheiro público. Na realidade, deveria reduzir a zero as comendas, nascidas de presentes políticos aos aliados. Espera-se que o Parlamento, ao redigir as leis que auxiliam o novo monarca, não sigam diretrizes ditadas por políticos corruptos das gestações (gestões) anteriores. Ao que parece, o novo Parlamento já nasce contaminados por embriões corruptos e mal intencionados.

                                   O que justificou a queda da rainha louca e incompetente e a aclamação de um rei afeiçoado e carismático, foi o desmando do governo anterior e, acima de tudo, a esperança de um futuro melhor. Os súditos buscam na monarquia que se aproxima o acalanto que não teve da monarquia que se foi. Não quer o povo sofrido, trocar seis por meia dúzia. Também, não deve esquecer o novo Rei que: “Todo poder emana do povo e, em seu nome será exercido”. Embriagar-se do poder e dar espaço aos aduladores de plantão será sua derrocada final, assim como aconteceu com a monarca deposta.

                                   Não demora e, em um plebiscito de emergência, o povo fará uma lista pormenorizada das providências essenciais que deverá tomar o no Rei. Todos nós seremos guardiões incansáveis dos interesses do reino; cobrando do Rei e da corte, celeridade na sua execução. Desejamos que o novo Primeiro Ministro traga no seu currículo, o princípio da ética e da moral. E que ele não se envergue aos interesses particulares e escusos, como aconteceu no governo anterior.

                                   A lista, da qual aprendi a lidar desde minha tenra infância, dará o norte político a ser traçado pelo novo Rei. Lembro historicamente da “Lista de Schindler”. Oskar Schindler, um militar polonês que, para salvar centenas de milhares de judeus, dos campos de concentrações da Alemanha, durante a segunda guerra mundial, elaborou uma lista e passou para a Gestapo (polícia alemã). Antes, porém, comprou membros da Gestapo e do alto escalão nazista, com bebidas, mulheres e produtos do mercado negro.

                                   Esperam os súditos do novo Rei que a lista elaborada por ele, seja  de boas novas e de grandes realizações; não a lista de um povo a ser lançado nas câmaras de gás, construídas no holocausto da traição eleitoral.

Peruíbe SP, 18 de dezembro de 2016.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

ADEUS, MINHA RAINHA, ADEUS!


                             Não foi por falta de aviso. Ao invés de ouvir os conselhos de seus súditos fiéis ou dos gritos das ruas, a Rainha preferiu dar ouvidos aos asseclas e bajuladores. Ignorou os pensadores da corte e dormiu no colo dos piratas do reino. Louca pelo poder e despreparada para o comando, deixou-se levar por uma trupe de oportunistas e de péssima índole. Chamou para compor o ministério, uma corja de ladrões e estelionatários. Concedeu títulos de nobreza a quem não merecia.

                        Foi assim que, aos poucos, após a coroação, a monarca acabou caindo em desgraça pessoal e em descrédito perante a nação. A economia naufragou num mar de lama. As províncias nada produziam, gerando desemprego e fome. Havia ruas descalças e buracos aqui e acolá, mais que na camada de ozônio. Falta de iluminação, mato e lixo por toda parte, um reino entregue às moscas. O Palácio Real, com suas paredes opacas, há muito deixou de ser um cartão postal.

                        Não bastasse isso, as perseguições contra as pessoas de bem, por parte de seus asseclas, entristeciam o reino. Não fora atoa que o Reino Caiçara distanciou-se dos reinos vizinhos e além-mar. O povo saudosista não se esqueceu, quando da ascensão da monarca ao trono. Tempos idos aqueles, em que se vendeu um mundo encantado, um conto de fadas. Ao dirigir-se à nação, da sacada do palácio, prometeu cumprir e fazer cumprir as leis, emanadas da constituição. Disse que reergueria das cinzas, um reino falido, deixado pela monarquia anterior.

                        Não foi por falta de aviso. Por diversas vezes, os conselheiros do reino, em razão do descontentamento geral, mostraram o caminho da abdicação do trono. Preferiu dar ouvidos às sanguessugas do poder e caminhar sozinha rumo ao desterro da história por ela escrita. Os bajuladores foram os primeiros a bateram em retirada, como aves de rapina, quando da falta de alimento. Triste fim de uma monarca louca e incompetente. Deixar o palácio pelas portas do fundo era, antes de tudo, uma humilhação sem precedentes na história centenária do reino.

                        Mas nem tudo está perdido. Assim como na natureza, tudo se renova. Se a Rainha não quis abdicar do trono, quando lhe foi dada a oportunidade, agora é tarde. Por força de lei, ela deixará o trono no final do ano, ao apagar das luzes. O povo não mais dorme no berço da ignorância. Basta dizer que o Parlamento, por decisão através do voto universal, foi renovado em oitenta por cento. Embora digam que um terço do novo Parlamento pertence ao grupo do antigo Primeiro-Ministro; outro terço, a um candidato derrotado ao reino e o outro terço, a um rei deposto há muito tempo, a assertiva não prospera.

                        O certo é que já temos um novo rei, eleito e aclamado pelo povo. Mais uma vez, o sonho e a esperança se renovam. Deseja a nação, que o rei eleito não nos jogue no calabouço do desmando administrativo, como fez a rainha, ora deposta pela vontade popular. É certo que de boas intenções, o inferno está cheio. Os tabloides matutinos, já estampam em primeira página, palavras do novo governante, sobre suas intenções como monarca. Algumas de suas primeiras atitudes soam como medidas paliativas, o que nos causam preocupações. Mas isso será debatido depois, num momento oportuno.

                        Não deve esquecer o novo monarca, que os súditos já têm suas convicções pessoais, em razão da convivência num reino sucateado e desacreditado. Vossa majestade não pode estar presa a pessoas inescrupulosas, parlamento corrupto, suprema corte ineficaz. Se assim agir, correrá o risco de ser jogado no mesmo desterro da rainha louca e incompetente. Pode ser banido da história e deixar o reino pelas portas do fundo, numa triste humilhação. A nomeação do primeiro escalão do novo governo delineia a sua trajetória vindoura.

                        Mas quanto à rainha, pouco resta a dizer. Solitária e rejeitada pelo povo, seguirá seu caminho, rumo ao despenhadeiro do esquecimento. Um dia, ao ser deposto pelo congresso, um governante do sistema republicano, disse: “O poder é solitário”. Quando o destino o leva para a guilhotina, o governante irá só, sem seus bajuladores e asseclas.

                        Ao observar uma cena desoladora, vendo a rainha caminhar cabisbaixa pela estrada solitária do reino, só nos resta dizer pesarosos: “Adeus, minha rainha, adeus!”  

Peruíbe SP, 01 de dezembro de 2016