Adão de Souza
Ribeiro
É
muito gostoso falar sobre as lendas, principalmente, as antigas contadas pelos
avós. Lendas são narrativas transmitidas oralmente por pessoas com o objetivo
de explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Por isso há uma
mistura de fatos reais com imaginários. Misturam a história e a fantasia. Elas
vão sendo contadas ao longo do tempo e modificadas através da imaginação do
povo.
Quando crianças, ficávamos sentados na
calçada, ao redor dos idosos, ouvindo histórias da mula sem cabeça, saci Pererê,
lobisomem, curupira, cuca, vitória régia, mãe d´água, boto-cor-de-rosa, etc.
Eles narravam com tanta empolgação, que as
crianças ficavam de olhos estatelados e não pestanejavam. As histórias ganhavam
vida e, depois, para dormir, era um sacrifício. Tudo ficava gravado na mente e,
por isso, viajavam nos nossos sonhos infantis.
Conta a lenda, que lá pelas bandas da minha
Terrinha, havia uma mulher de beleza estonteante. As solteiras, moçoilas, casadas
e as beatas, tinham inveja mortal de Marisa. Por onde passava, ela despertava a
atenção dos cavalheiros e ódio das madames. As puritanas diziam: “Afaste
daquela sirigaita, pois não é boa bisca”.
Quando o causo foi levado ao conhecimento do
vigário, ele limitou-se apenas em dizer: Ouça o que diz Jesus a uma mulher apanhada
em adultério “Nem eu também te condeno; vai-te e não peques mais”. O
santo padre não quis pôr a mão na cumbuca. Pelo que se sabia a Marisa - aquele
era o nome – durante a sua vida, chegou a casar ou amancebar-se com cinco homens.
Por razões desconhecidas, a certa altura do
campeonato, os varões não aguentaram a overdose e bateram a caçuleta. Aquilo
deixou os homens cabreiros. Quando feita a autópsia, no laudo constava “Causa
indefinida”.
Nos botecos da cidade, entre um gole e outro
de cachaça, a conversa era uma só: “Severino Bago-Mole bateu a caçuleta, nos
braços de Marisa”. Coitadinho do finado, morreu tão novo, mas feliz.
A história de Marisa, que para uns era deusa
e para outras, era sirigaita, arrastou-se por longos anos, pelo lugarejo.
Alheia aos mexericos, Marisa vivia entristecida.
Por que era tão desejada em razão do fogo no
facho e, ao mesmo tempo, abandonada e vivendo sozinha? Havia tantos tribufus,
dormindo ao lado de um macho. Ela tinha virtudes e não felicidade.
Por causa das mortes no leito conjugal, a
pobre mulher ficou conhecida por toda redondeza, com o apelido de Marisa mata homem. Com passar
dos anos, o fato passou a fazer parte do lendário popular e tombado como
patrimônio imaterial da Terrinha.
Sendo verdade ou não, a lenda de Marisa ajudou
a enriquecer os causos contados pelos antigos anciões. Creio que até hoje,
também ainda está viva a lenda da “A Priquita da Rita”, cujo fato já fora narrado
em outra oportunidade.
Certo é que Marisa levou por toda vida, o
estigma de matadora de marido. A lenda foi mais forte, que as qualidades
femininas, as quais, tinha orgulho de exibir. As crianças do meu tempo, só
pensavam em brincar de serem crianças e nada entendiam das mazelas dos adultos.
Em nada era alterado o mundo infantil, se as mulheres odiavam ou não a pobre
Marisa.
As crianças cresceram e se fizeram adultas.
Elas casaram e formaram família. Umas mudaram da Terrinha e outras não. Muito
dos idosos daquele tempo, já partiram para mansão do amanhã; mas a lenda,
patrimônio imaterial do lugar, continua viva. Até hoje se ouve falar da
história da Marisa mata homem!
Peruíbe SP, 17 de julho
de 2023.