terça-feira, 18 de julho de 2023

A LENDA

 

Adão de Souza Ribeiro

                               É muito gostoso falar sobre as lendas, principalmente, as antigas contadas pelos avós. Lendas são narrativas transmitidas oralmente por pessoas com o objetivo de explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Por isso há uma mistura de fatos reais com imaginários. Misturam a história e a fantasia. Elas vão sendo contadas ao longo do tempo e modificadas através da imaginação do povo.

                        Quando crianças, ficávamos sentados na calçada, ao redor dos idosos, ouvindo histórias da mula sem cabeça, saci Pererê, lobisomem, curupira, cuca, vitória régia, mãe d´água, boto-cor-de-rosa, etc.

                        Eles narravam com tanta empolgação, que as crianças ficavam de olhos estatelados e não pestanejavam. As histórias ganhavam vida e, depois, para dormir, era um sacrifício. Tudo ficava gravado na mente e, por isso, viajavam nos nossos sonhos infantis.

                        Conta a lenda, que lá pelas bandas da minha Terrinha, havia uma mulher de beleza estonteante. As solteiras, moçoilas, casadas e as beatas, tinham inveja mortal de Marisa. Por onde passava, ela despertava a atenção dos cavalheiros e ódio das madames. As puritanas diziam: “Afaste daquela sirigaita, pois não é boa bisca”.

                        Quando o causo foi levado ao conhecimento do vigário, ele limitou-se apenas em dizer: Ouça o que diz Jesus a uma mulher apanhada em adultério “Nem eu também te condeno; vai-te e não peques mais”. O santo padre não quis pôr a mão na cumbuca. Pelo que se sabia a Marisa - aquele era o nome – durante a sua vida, chegou a casar ou amancebar-se com cinco homens.

                        Por razões desconhecidas, a certa altura do campeonato, os varões não aguentaram a overdose e bateram a caçuleta. Aquilo deixou os homens cabreiros. Quando feita a autópsia, no laudo constava “Causa indefinida”.

                        Nos botecos da cidade, entre um gole e outro de cachaça, a conversa era uma só: “Severino Bago-Mole bateu a caçuleta, nos braços de Marisa”. Coitadinho do finado, morreu tão novo, mas feliz.

                        A história de Marisa, que para uns era deusa e para outras, era sirigaita, arrastou-se por longos anos, pelo lugarejo. Alheia aos mexericos, Marisa vivia entristecida.

                        Por que era tão desejada em razão do fogo no facho e, ao mesmo tempo, abandonada e vivendo sozinha? Havia tantos tribufus, dormindo ao lado de um macho. Ela tinha virtudes e não felicidade.

                        Por causa das mortes no leito conjugal, a pobre mulher ficou conhecida por toda redondeza, com o apelido de Marisa mata homem. Com passar dos anos, o fato passou a fazer parte do lendário popular e tombado como patrimônio imaterial da Terrinha.

                        Sendo verdade ou não, a lenda de Marisa ajudou a enriquecer os causos contados pelos antigos anciões. Creio que até hoje, também ainda está viva a lenda da “A Priquita da Rita”, cujo fato já fora narrado em outra oportunidade.

                        Certo é que Marisa levou por toda vida, o estigma de matadora de marido. A lenda foi mais forte, que as qualidades femininas, as quais, tinha orgulho de exibir. As crianças do meu tempo, só pensavam em brincar de serem crianças e nada entendiam das mazelas dos adultos. Em nada era alterado o mundo infantil, se as mulheres odiavam ou não a pobre Marisa.

                        As crianças cresceram e se fizeram adultas. Elas casaram e formaram família. Umas mudaram da Terrinha e outras não. Muito dos idosos daquele tempo, já partiram para mansão do amanhã; mas a lenda, patrimônio imaterial do lugar, continua viva. Até hoje se ouve falar da história da Marisa mata homem!

 

                        Peruíbe SP, 17 de julho de 2023.

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