Já há algum tempo, ando
afastado dos assuntos do Reino Caiçara. Enclausurado num canto qualquer do
condado, busco tranquilidade para mente e conforto para a alma. Navego num
mundo de leitura e conhecimento. Brinco e converso com meus personagens imaginários
e, com eles, passo horas e horas filosofando sobre assuntos mais diversos da
vida e do universo.
Distante das ruas sofro menos. Não
entro em conflito com os oportunistas de uma sociedade hipócrita e nem me
apiedo dos menos abastados. O celeiro da minha casa tem o suficiente para
passar o longo inverno. A tecnologia permite que eu esteja em sintonia com o
mundo, sem sair de casa. Dentro do meu mundo, não corro o risco de me tornar refém
de uma violência ensandecida que assola a sociedade.
Das poucas vezes que atravessei a
soleira da porta, percebi um alvoroço entre os súditos do reino. Também notei
uma preocupação enorme dos asseclas da rainha. Notei que os membros do
parlamento e do baixo clero, não se entendem e digladiam entre si. Não acredito
que existam outros motivos, senão a busca desesperada pelo poder. Em nome do
poder, vendem a própria honra e, por isso, matam e morrem.
Há comentários de que haverá uma
troca, não da guarda real, mas, sim, da rainha e de todos que a cercam e
bajulam. Nessa troca, uns tentam se segurar no cargo, outros demonstram serem
candidatos. Para tanto, vendem uma imaculada imagem de pessoas integras e,
sobretudo, de salvadores da pátria. Desenham um reino maravilhoso, livre das
mazelas do cotidiano. Pintam um cenário colorido, o qual já há tempos é
obscuro.
Os súditos desavisados e
desprovidos de cultura acreditam nos milagreiros de plantão. Já cansei de dizer
que o povo é apenas massa de manobra. Tenho visto candidatos a primeiro
ministro, aliaram-se com o chefe corrupto do serviço secreto. Esse casamento
entre políticos e policiais corruptos, coloca em risco a segurança do reino. É
certo que todas as províncias estão contaminadas por toda sorte de crime e de
violação á lei vigente.
Os assessores diretos da rainha
saquearam os cofres públicos, deixando os serviços básicos à mercê da sorte.
Abrem licitações fraudulentas e distribuem cargos de confiança aos mafiosos de
todas as esferas, como presentes por defenderem de crimes hediondos. Há uma
prostituição moral rondando a côrte e destruindo os pilares do palácio real.
Nos bastidores e nos porões
imundos da côrte, os milagreiros de plantão, negociam acordos escabrosos, com
vista apenas a conquista do poder. Engana-se quem acredita que eles são
defensores incansáveis da população e do bem comum. Sei que de boas intensões,
até o inferno está cheio. Todos os primeiros ministros, que passaram pelo
reino, enriqueceram da noite para o dia, como aconteceu no “milagre da
multiplicação dos pães e dos peixes”.
‘ Não
é por acaso, que, nos últimos tempos, ando afastado dos assuntos do reino.
Tenho um apreço enorme pela lei e por aqueles que comandam o destino do reino,
desprovidos da ganância e da vaidade pessoal. Não posso aceitar, que dirigentes
mal intencionados, assenhorem-se do poder e façam do povo humilde, apenas pano
de chão. É preciso fazer um levante contra os malfeitores, travestidos de defensores
do bem comum.
“O povo foge da ignorância, apesar
de viver tão perto dela”, dizia o cantor Zé Ramalho. A ignorância cultural
é o terreno fértil dos milagreiros de plantão, por isso, prometem um mundo de
fartura, onde falta tudo. Quando um deles, de mim se aproximar, oferecendo um céu
de falsas promessas, parafrasearei Chico Buarque, dizendo: “Pai,
afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue”.
Peruíbe SP, 16 de julho
de 2016