sábado, 16 de julho de 2016

MILAGREIROS DE PLANTÃO


                                   Já há algum tempo, ando afastado dos assuntos do Reino Caiçara. Enclausurado num canto qualquer do condado, busco tranquilidade para mente e conforto para a alma. Navego num mundo de leitura e conhecimento. Brinco e converso com meus personagens imaginários e, com eles, passo horas e horas filosofando sobre assuntos mais diversos da vida e do universo.

                                   Distante das ruas sofro menos. Não entro em conflito com os oportunistas de uma sociedade hipócrita e nem me apiedo dos menos abastados. O celeiro da minha casa tem o suficiente para passar o longo inverno. A tecnologia permite que eu esteja em sintonia com o mundo, sem sair de casa. Dentro do meu mundo, não corro o risco de me tornar refém de uma violência ensandecida que assola a sociedade.

                                   Das poucas vezes que atravessei a soleira da porta, percebi um alvoroço entre os súditos do reino. Também notei uma preocupação enorme dos asseclas da rainha. Notei que os membros do parlamento e do baixo clero, não se entendem e digladiam entre si. Não acredito que existam outros motivos, senão a busca desesperada pelo poder. Em nome do poder, vendem a própria honra e, por isso, matam e morrem.

                                   Há comentários de que haverá uma troca, não da guarda real, mas, sim, da rainha e de todos que a cercam e bajulam. Nessa troca, uns tentam se segurar no cargo, outros demonstram serem candidatos. Para tanto, vendem uma imaculada imagem de pessoas integras e, sobretudo, de salvadores da pátria. Desenham um reino maravilhoso, livre das mazelas do cotidiano. Pintam um cenário colorido, o qual já há tempos é obscuro.

                                   Os súditos desavisados e desprovidos de cultura acreditam nos milagreiros de plantão. Já cansei de dizer que o povo é apenas massa de manobra. Tenho visto candidatos a primeiro ministro, aliaram-se com o chefe corrupto do serviço secreto. Esse casamento entre políticos e policiais corruptos, coloca em risco a segurança do reino. É certo que todas as províncias estão contaminadas por toda sorte de crime e de violação á lei vigente.

                                   Os assessores diretos da rainha saquearam os cofres públicos, deixando os serviços básicos à mercê da sorte. Abrem licitações fraudulentas e distribuem cargos de confiança aos mafiosos de todas as esferas, como presentes por defenderem de crimes hediondos. Há uma prostituição moral rondando a côrte e destruindo os pilares do palácio real.

                                   Nos bastidores e nos porões imundos da côrte, os milagreiros de plantão, negociam acordos escabrosos, com vista apenas a conquista do poder. Engana-se quem acredita que eles são defensores incansáveis da população e do bem comum. Sei que de boas intensões, até o inferno está cheio. Todos os primeiros ministros, que passaram pelo reino, enriqueceram da noite para o dia, como aconteceu no “milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”.

                                  Não é por acaso, que, nos últimos tempos, ando afastado dos assuntos do reino. Tenho um apreço enorme pela lei e por aqueles que comandam o destino do reino, desprovidos da ganância e da vaidade pessoal. Não posso aceitar, que dirigentes mal intencionados, assenhorem-se do poder e façam do povo humilde, apenas pano de chão. É preciso fazer um levante contra os malfeitores, travestidos de defensores do bem comum.

                                   O povo foge da ignorância, apesar de viver tão perto dela”, dizia o cantor Zé Ramalho. A ignorância cultural é o terreno fértil dos milagreiros de plantão, por isso, prometem um mundo de fartura, onde falta tudo. Quando um deles, de mim se aproximar, oferecendo um céu de falsas promessas, parafrasearei Chico Buarque, dizendo: “Pai, afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue”.  

Peruíbe SP, 16 de julho de 2016

sexta-feira, 8 de julho de 2016

O FEIJÃO E A CRISE


O FEIJÃO E A CRISE

Adão de Souza Ribeiro


                            Sou de um tempo em que a palavra tinha peso e valor. O fio de bigode valia mais que nota promissória. O homem deixava de comer, para honrar os seus compromissos. No armazém do seu Takada, o crédito dos clientes, era anotado numa caderneta. No final do mês, lá estava o cliente “passando a régua”, o que muito alegrava o comerciante.

                            Passou-se o tempo e com ele, marcas indeléveis na minha vida. Lembro-me que as moçoilas, caminhavam faceiras em volta do coreto da praça, com seus vestidos de chita e chuquinha no cabelo. O jardim todo florido, em torno da igreja matriz, tinha o desenho da natureza do lugar. Os trotes compassados dos cavalos, pelas ruas descalças, diziam que a vida não tinha pressa.

                            No lugarejo onde nasci nada acontecia por acaso. As festas juninas retratavam o jeito simples de um povo sem vaidade. No sábado, o povo da roça, vinha fazer a despesa da semana. As ruas pareciam um mercado persa. Automóveis, cavalos arriados, carroças e charretes, cruzavam pelas esquinas movimentadas. Não havia semáforo, mas respeito aos transeuntes, idosos e crianças.

                            Nos bares, entre um trago e outro de cachaça, os caipiras proseavam e contavam causos engraçados. De vez em quando, uma briga transformava num espetáculo à parte. Quando a tarde ia chegando, os roceiros iam embora e a cidade voltava a abraçar o silencio cotidiano. Passou-se o tempo e com ele, a certeza de que um dia, tudo aquilo se transformaria em saudade.

                           Cresci em meio às brincadeiras infantis, regadas com cantigas de roda e histórias contadas pelos meus avós. Nas ondas simplórias de um rádio de válvulas, as modas sertanejas cruzavam o céu do meu povoado. Quando me lembro de tudo aquilo, brota uma lágrima solitária nos meus olhos de eterno saudosista.

                            Já naquele tempo, o meu pai, um homem pouco letrado, porém, de uma sabedoria incontestável, já falava das dificuldades da vida. Reclamava do governo e previa um futuro sóbrio. Criticava o abandono da agricultura e nos alertava para economizar centavo por centavo. Por ser criança, não entendia a sua filosofia de caboclo. Hoje, num tempo tardio, queria ele por perto, para beber o mel da sua sabedoria. Não dá mais, pois ele já partiu para a mansão do desconhecido.

                            O meu torrão de terra, era um lugar muito festeiro. Pouca coisa alegrava meus conterrâneos. Lembro-me de um casamento grã-fino, onde, depois do ritual no altar da igreja matriz, a festa rolou noite adentro. Comes e bebes com fartura e não se sabia quem era convidado e quem era penetra. A sanfona, acompanhada de uma viola “xonada”, animava os festeiros, com jeito ou não para a dança.

                            Achava bonito quando o vigário recitava o maçante compromisso dos noivos: “Eu te recebo como minha esposa (o) e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida”. A troca de alianças e beijo oficial, fechando com chave-de-ouro o ritual do compromisso eterno. A noiva toda de branco, representando a pureza e o noivo num terno engomado, com a gravata apertada e suando frio.

                            Fico imaginando o casamento do arroz e do feijão, no altar do prato do brasileiro. Esse casal da tradição brasileira, que transpôs a barreira dos anos, não conseguiu vencer a batalha de um desgoverno. No final, ao recitar o ritual do enlace matrimonial, disse o feijão para o arroz: “Eu te recebo como minha esposa e prometo ser-te fiel e respeitar-te, na alegria e a tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da minha vida, até que a crise nos separe”.    


Peruíbe SP, 09 de julho de 2016.