segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

NATAL ÁS AVESSAS ou A ARTE DE ILUDIR


                                    A arte é feita para ser contemplada. Seja a literatura, pintura, música, escultura e outras tantas. As longas horas de concepção do artista e a dor do parto, no momento de vê-la pronta e entregue ao mundo, devem ser respeitadas por todos. Só eu sei o flagelo de vê-la brotar em nossa mente, passando pelo processo da criação, até ganhar forma e sair por aí, embelezando esse mundo tão frio e carente de sentimentos. Não se criam artistas em laboratório, pois, quem é, já nasce pronto. O artista, por si só, é uma obra imortal do Grande Arquiteto do Universo.

                                   Nas minhas divagações, caminhando pelas ruas e praças do “Reino Caiçara”, deparei com algo que me chamou a atenção. Por vários dias, aquela cena dantesca, torturou meu cérebro. E como ser pensante, após analisar criteriosamente cada detalhe do que ali se expunha, passei a fazer perguntas a mim mesmo. O que move o mundo, não são as respostas, mas, sim as perguntas. As grandes descobertas, científicas ou não, nasceram das perguntas de seus criadores.

                                   Lembro que se avizinhavam datas festivas e as cidades do reino se vestiam de luzes e cores cintilantes, embriagando-se numa alegria incontrolável. O ar exalava prazer e as noites dormiam embaladas em sonhos de luxuria e consumismo. Mas eu ali, sentado num canto qualquer da praça, observava tudo com calma e esmero. O povo alvoroçado, num corre-corre desenfreado, não se atinha aos detalhes à sua volta. Crianças mimadas e manhosas queriam apenas deliciar das guloseimas expostas aqui e acolá, em barracas improvisadas.

                                   Na praça matriz do reino, havia esculturas disformes. Em que pese o esforço de quem as esculpiu, visando representar o natal, causavam espanto às crianças e olhar de repúdio aos adultos. Por alguns instantes, senti-me como se estivesse num reino distante, conhecido como “Reino de Itu”. As expressões faciais eram de filmes de terror hollydianos. Tenho para mim, que o natal se traduz em paz, ternura e alegria, portanto, aquelas esculturas, não representavam o natal da minha infância.

                                   Num canto qualquer daquela praça, havia uma singela manjedoura, desprovida de beleza e alegria. Notei de pronto, que Jesuscristinho ali não se encontrava. Procurei-o desesperadamente pelos arredores, mas não o encontrei. Perguntei aos transeuntes, mas, apressados com seus afazeres, não me deram atenção. Alguns chegaram a me perguntar: “Quem é Jesuscristinho?”. Emendei: “É o aniversariante do mês”. Retrucaram: “Não conheço, nunca ouvi falar”.

                                   Mas o que me causou maior espanto, não foi o que ali estava exposto, mas, sim, o que se pagou pelo conjunto da obra. Comenta-se de boca em boca, que o reino pagou oitenta mil patacas, em moeda corrente. Não se conhece o idealizador e nem de onde veio. Sabe-se apenas que foram restauradas, já no espaço aéreo do “Reino Caiçara”. O que se vê então, não foi só a arte de esculpir, mas, também, a arte de enganar e de iludir o povo. Um povo que nunca teve olhar clínico pela arte e, muito menos, pelo que acontece ao seu derredor.

                                   Os governantes e seus asseclas tem por mania, transformar as pessoas em marionetes. Através da arte do ilusionismo, o reino hipnotiza os súditos e os vassalos, adoçando seus lábios e ofuscando suas visões. Vendem sonhos de tempos melhores e embriagam os corações com falsas promessas. Aproveitam datas festivas, como o natal e o carnaval, para surrupiaram os cofres públicos. Dão com a mão direita e retiram com a esquerda.

                                   Já meio cabisbaixo, ao deixar aquela praça, olhando as expressões desfiguradas daquelas esculturas, pude entender a ausência sagrada do meu Jesuscristinho. Penso que assim, como as mortais crianças, ele ficou com medo daquilo que estava à sua volta. Ou então, sentiu-se horrorizado com os valores pagos àquela obra artística.

                                   Tenho saudade do natal da minha infância, o qual era revestido de beleza e de ternura. A ilusão ficava por conta da nossa imaginação. Não era permitido que os monstros criados pelos adultos, assombrassem a nossa mente.


Peruíbe SP, 18 de dezembro de 2017.

domingo, 3 de dezembro de 2017

COBRA SEM VENENO


                       Sinto ojeriza e medo de animais peçonhentos. Deus me livre de cobra, aranha, escorpião, lacraia, taturana, vespas, marimbondo e outros tantos que perambulam por aí. Quando banhava no córrego, que ladeava minha terra natal ou caminhava pelo mato, do sítio do meu avô paterno, no bairro Bondade, tinha por regra, medir cada passo. “Cautela e caldo de galinha, não faz mal a ninguém”, dizia minha avó à beira do fogão à lenha, cozendo um mungunzá.

                                   Foi ouvindo conselhos, que aprendi a separar o joio do trigo. A natureza ensina como se lidar com a vida, basta observar com atenção e carinho os seus sinais. Como pode um pássaro sair voando por aí e retornar sem aparelho de precisão? Ainda fedelho, procurava observar as coisas à minha volta, enquanto as crianças da minha idade corriam para lá e para cá, sem se preocuparem com nada. Aquela minha inquietação, ajudou-me a compreender o mundo á minha volta.

                                   Dentre os animais peçonhentos, havia aqueles com e sem veneno. A cobra jararacuçu, a aranha viúva-negra e o escorpião amarelo estavam entre os mais venenosos e, por isso, tinham que se ter cautela redobrada. Já a cobra d´água é considerada inofensiva, sem veneno. Essa quando se sente incomodada, ao invés de atacar, foge pela água do riacho. Por ter nascido no mato e por me considerar um capiau, aprendi a lidar com toda espécie de bicho, seja ele peçonhento ou não.   

                                   Quando por força do destino, mudei-me para a cidade grande, em busca de melhoria de vida, levei comigo o costume de fazer leitura simples do que acontecia ao meu derredor. Ao lidar com o corre-corre do dia-a-dia e com vaidade das pessoas, não me foi difícil interagir com o desconhecido. Na cidade grande, a ganância e o orgulho dos homens, tornaram-se mais vorazes do que os do mato. Mas por saber diferenciar o animal peçonhento do venenoso, sobrevivi.

                                   A vaidade, a ganância, a arrogância, o orgulho, a prepotência, ira, luxuria, gula, soberba, a inveja, dentre outros, são venenos, cujo antídoto ainda não foi descoberto pelos cientistas do mundo e nem mesmo do Instituto Butantã. Percebi que o homem, quando investido de um cargo e, em especial, os de autoridade pública, assemelham-se aos animais peçonhentos e venenosos. Usam e abusam do poder, por isso, humilham, maltratam, vilipendiam, como se os títulos honoríficos fosses eternos. Acham-se cobras com veneno. Ledo engano!

                                   Alguns chegam ao absurdo, quando numa contenda pessoal, querendo valer-se do cargo, como se fosse colete à prova de bala, dizem: “O senhor sabe com quem está falando?”. É certo que tudo passa na vida, como vai à chuva e vem o sol, assim também lá se vão os títulos.  No ataúde não se vão propriedades terrenas e, muito menos, títulos e insígnias adquiridas, muitas vezes, sem merecimento. Na realidade, ali só cabe um corpo inerte, cujo destino primordial e ser alimento de vermes.

                                   Ao deparar-me com situações dessa natureza, reporto-me a minha vida campesina, onde, a todo o momento, lidava com a cobra jararacuçu e a cobra d´água. Embora sentisse ojeriza, eu as respeitava. Isso porque elas sabiam se comportar, cada uma no seu lugar. Ao aposentar-se, a autoridade pública, volta a ser uma pessoa comum. Por isso, deve urgentemente, recolher-se a sua insignificância. Querer ainda se prevalecer do cargo, do diploma ou título, já pendurado no quadro do esquecimento é, antes do tudo, uma imbecilidade sem tamanho.

                                   Quando investido do cargo, fez e aconteceu, mas, agora, ao pendurar a chuteira, não faz mal para mais ninguém. E se porventura, do alto de sua arrogância, me perguntar: “O senhor sabe com quem está falando?”, não titubearei em responder: “Estou falando com uma COBRA SEM VENENO!”. Cobra sem veneno, não faz mal para ninguém.

 

Peruíbe SP, 03 de dezembro de 2017.