sexta-feira, 23 de junho de 2017

MORTOS DE RAIVA


                                                        Eu vi, ninguém me contou. Foi uma cena inusitada, digna de registro para posteridade. Pena que eu estava desprovido de máquina fotográfica, gravador superpotente ou aparelho celular, de última geração. Por isso, hão de acreditar na minha narrativa, para que esta história ganhe vida e clima de realidade.  Do contrário, não passará de um mero texto lançado ao vento. Estou certo de que darão credibilidade ao que eu digo. Se assim acontecer, vou continuar nessa lida de escrever o que me vem na mente ou em registros remotos de minha infância.

                                               Era por volta da meia noite, quando eu passava perto do campo santo. A lua cheia, escondida entre nuvens, observava o meu caminhar lento e tremulo. Qualquer barulho ou balançar de uma folha causava-me espanto. Na minha imaginação, até uma sombra perseguia-me, como que querendo pregar-me um susto. As lendas da minha avó saltavam aos olhos, ganhando forma e vida. Os mistérios e enigmas do universo, sempre despertaram minha curiosidade.

                                               Mesmo suando frio, procurei alojar-me atrás de uma árvore de onde pudesse observar a cena, sem ser notado. Minha respiração ofegante era contida com muito esforço. Qualquer deslize da minha parte poderia colocar tudo a perder. Uma mistura de medo e curiosidade, não me deixava sair dali. Fogos-fátuos brilhavam aqui e acolá, como na árvore de natal. Uma coruja pousou no cruzeiro e entoou um canto sombrio. As placas enferrujadas dos túmulos dançavam a dança do vento gelado, naquela noite interminável.

                                               De repente, eis que vislumbro dois cadáveres, sentados sobre um ataúde, na entrada do campo santo. De longe observei que estavam revoltados, por algo que os incomodavam. Apurei meus ouvidos e, então, tomei tento do que estava acontecendo. Segundo eles, o local gozava de total abandono. Jazigos abertos ou violados, chorumes escorrendo além-muros, ossos jogados ao relento, campa sem identificação, sala de velório sem o mínimo de conforto e por ai se vai.

                                               Já não basta a última morada ser construída distante do centro urbano, no meio do mato. Ainda temos que suportar esse abandono e desrespeito”, dizia o mais tagarela. E o outro retrucou: “Que tal fazermos uma greve de fome e tirarmos o sono daqueles que ainda respiram a vida?”. “Boa ideia! Vamos sair à noite e visitá-los no conforte de seus lares, para cobrar o que nos é de direito?”, disse o primeiro. E assim, entre um assunto e outro, a conversa se estendeu noite à dentro.

                                               E eu ali, quieto e calado, ouvindo e observando tudo. Então, passei a conversar com meus botões. Será que os governantes e as pessoas do povo, imaginam que jamais irão morar ali? Pensam ser imortais e acreditam que tudo é eterno. Ledo engano! Os moradores daquele condomínio não tem mais voz ativa e, o que é pior, não saem mais de suas urnas, para irem até as urnas eleitorais. Se quando estavam entre os seres viventes, poucas importâncias davam a eles, imagina agora. Sem vida, sem voz, longe de tudo e de todos, esquecidos pelo tempo. É certo que ninguém tem tempo, para cuidar de quem, agora, tem todo tempo do mundo.

                                   Talvez, num tempo não muito distante, o rei lembre que ali também pode estar descansando alguém da monarquia ou que deteve título de nobreza. Se bem que ali, o poder econômico ou os títulos, pouca importância tem. Mas o que mais se espera, é respeito aos que tanto fizeram pelo reino, enquanto aqui estiveram. Não pelo que conquistaram, mas, sim, em suas memórias. Ali repousam aqueles que ajudaram a construir a história do Reino Caiçara.

                                   A conversa estava para lá de boa, quando um deles lembrou que o dia já se avizinha. Se não se recolhessem logo aos seus aposentos, poderiam confundi-los com os espectros da noite. Saíram dali e adentaram, até desaparecerem feito vultos na escuridão. Permaneci mais um tempo ali, pois não queria ser notado. Eu estava tão empolgado, que nem percebi quando a coruja foi embora.

                                   Só sei que os dois foram dormir, mortos de raiva.

 

Peruíbe SP, 24 de junho de 2017.

sábado, 17 de junho de 2017

MAR DE LAMA


                                   É remota a minha preocupação com as forças da natureza. Aprendi desde minha tenra infância, que com ela não se brinca. Lembro-me, como se fosse hoje, que quando começava uma chuva torrencial ou uma ventania incontrolável, minha mãe e eu, danávamos a rezar, uma reza interminável. Gastávamos o terço sagrado todinho, em orações repetitivas, até a tempestade passar. Virávamos o espelho, para que os relâmpagos e os raios, não viessem refletir no interior da casa e, por conseguinte, nos atingir.

                                   Mesmo tremendo de medo, guardava em Deus que aquela tormenta iria passar. E quando passava, eu saia no quintal e notava uma calmaria imensa. Ao divisar o horizonte, parecia ouvir a voz de Deus, dizendo: “Filho meu, não desafia o meu poder e cuida com carinho da natureza, que construí com carinho e suor”. Quando o tempo fechava seu semblante, eu desligava os aparelhos elétricos da tomada. Minha casa entrava em silêncio. Pairava no ar, um clima de respeito tanto ao Criador, quanto à natureza.

                                   Nas minhas divagações memoriais, ficava imaginando os dias e noites do dilúvio, narrado na Sagrada Escritura. Qual era a visão catastrófica que Noé tinha da terra, enquanto o mar subia e a terra ia desaparecendo aos poucos? Com o passar dos dias, era só água em todos os pontos geográficos da terra. De uma coisa estou certo, a Arca – construída sob a orientação do Pai, era mais resistente que o Titanic. Tanto é que, ao fim da tormenta, isto é, depois de quarenta dias e quarenta noites, Noé e seus familiares, quanto os animais, ancoraram incólumes no Monte Ararat.

                                   Reafirmo que sempre tive medo e respeitei a força da água, do fogo e do ar. Bastam ver a fome voraz do fogo devorando uma floresta, ou o beijo ensurdecedor dos ciclones e tornados, jogando tudo pelos ares, por onde passa. O homem torna um ser impotente, diante de uma cena devastadora. Nem mesmo a ciência ou a força dos governantes poderosos, conseguem frear a ira de Deus, representada por esses fenômenos naturais.

                                   Mas o que vem me preocupando nos últimos dias, são as ondas barrentas, as quais surgiram no mar, que banha o Reino Caiçara. Os tabloides e os cientistas de meia tigela passaram a conjecturar sobre diversas possibilidades do surgimento de tal fenômeno. Uma coisa é certa, afugentaram-se os turistas. É degradante, observar inerte, o mar revolto, chorando lama de tristeza. Debruçado na janela do meus olhos, reporto-me as cenas da natureza enfurecida, quando da minha infância.

                                   Fico imaginando o mar caminhando pelas ruas e vielas do reino, numa vingança desenfreada, vindo cobrar o que dele fora surrupiado. As imagens do Tsunami, ocorrido na Indonésia, não me saem da memória. Colhidos de surpresa, nem os governantes e nem os governados, terão em mãos a Arca ou o Titanic, para salvarem de tamanha tragédia. Deus não perdoa e a natureza cobra as afrontas humanas. De nada adiantou os ouros guardados ou os títulos de nobreza, usados durante séculos. Meu Deus, que isso não passe de uma imaginação momentânea!

                                   Mas outra lama, também ronda o Reino Caiçara. Essa, por exemplo, sucumbe o Reino, o Parlamento e a Suprema Corte. Se não contida a tempo, pode enlamear não só o Palácio Real, mas, também, todas as Províncias, encobrindo para sempre a honra e a dignidade de um povo honesto, trabalhador e ordeiro. Porém, quando contaminar a Corte Suprema, exemplo máximo de justiça, nada mais resta à nação. Um povo desacreditado e com a visão turva, pedirá para não mais existir. Nesse momento, a mão pesada de Deus, cairá sobre a nação, como ocorreu com Sodoma e Gomorra.

                                   Não sei ainda, se se trata do fim dos tempos. Ao que parece, as forças bravias do mar, dão sinais de cansaço, através de ondas lamacentas. A natureza quer dizer algo, que nosso parco entendimento não consegue decifrar. Não tardará e seremos todos engolidos pela fúria de Deus e não sobrará reino algum na face terra. Nesse dia, todos nós estaremos livres daqueles que buscaram o poder pelo poder. Todos os governantes autoritários e gananciosos estarão submersos em suas luxurias, engolidos por um mar de lama, jamais visto.

                                   É triste ver que um mar de lama banha o Reino Caiçara.

 

Peruíbe SP, 15 de junho de 2017.

sábado, 3 de junho de 2017

FIAT LUX


                                   No princípio, Deus criou o céu e a terra.  E vendo que ela estava sem forma e vazia e, ainda, que caminhava sobre a face do abismo (Gen. 1:2), Deus achou por bem, criar a luz (Gen. 1:3). Isso foi à tarde e a manhã do primeiro dia. No segundo dia, Deus criou uma expansão de água (Gen. 1:6), ajuntou-a num canto e chamou de mar (Gen. 1:10). Depois e, aos poucos, Ele foi criando outras coisas, a fim de embelezar e povoar a terra. Já no sexto dia, vendo que tudo transcorria na mais perfeita paz e harmonia, sentiu que algum ser deveria cuidar e dominar a sua criação.

                                   Num lampejo de inspiração divina, Deus resolveu criar o homem, à sua imagem e semelhança (Gen. 1:27). Isso foi à tarde e a manhã do sexto dia. Já cansado de moldar a terra ao seu gosto, Deus achou por bem, descansar e abençoar aquele dia (Gen. 2:2-3). Deitado numa rede e, tomando uma água de coco, Deus ficou contemplando sua obra prima, por um longo tempo. Penso que de tanta alegria, Ele foi dormir tarde da noite.

                                   Não sei se de lá para cá, Ele tem descansado com tanta tranquilidade, como foi no início da criação. Digo isso, porque, com o passar dos anos, o homem abusando do poder que Deus o concedera começou a destruir aquilo, que o Pai Celestial construiu com tanto amor e suor. Não sei se levou só sete dias, do começo da concepção até a conclusão da obra celestial. Até porque tudo na Sagrada Escritura é figurativo. Como o tempo de Deus é diferente do nosso, seis dias pode ser seis anos, sessenta, seiscentos, sessenta mil, sessenta milhões, sessenta bilhões e por aí se vai.

                                   Estando no Jardim do Éden e ao descansar sob uma frondosa parreira, tenho às mãos, um tabloide matutino, cuja manchete é: “O Palácio Real informa que a partir de junho, o Reino Caiçara sairá da escuridão”. É certo que o homem ao ser criado por Deus, aproveitou o ajuntamento de água e inventou as hidroelétricas e termoelétricas. A partir de então, pagamos energia até hoje. Deus não esperava que o homem, além de abusar do poder concedido, inventou a política e aprendeu a corromper todos os seres viventes e pensantes do universo. Não é à toa que o Reino Caiçara vive na escuridão, como era no princípio da Criação Divina (Gen. 1:2).

                                   Não creio que hoje, Deus consegue descansar tranquilamente, como fez no sexto dia da criação. Isso porque a criatura, além de desrespeitar o Criador, está acabando com tudo que foi esculpido com tanto amor e dedicação. No princípio, só havia o Criador, a natureza por ele desenhada e um homem puro de alma e coração (Adão). A política e a corrupção, pestes perniciosas que devoram tudo que encontram pela frente, não estava no imaginário de Deus. As duas pestes daninhas, nasceram com a maldade e a modernidade, portanto, não estavam no script da Criação.

                                    Desculpem-me divagar, mas voltando a escuridão do Reino, não sei qual das escuridões refere-se o monarca, Rei Fabrício. Seria a escuridão física, por falta de iluminação pública nas ruas das províncias ou a escuridão moral e ética, por falta de comprometimento na condução ilibada da coisa pública? Pode ser também, a escuridão da falta de conhecimento de um povo criado e conduzido sob o cabresto dos coronéis do campo, algo comum desde a colonização.

                                   Tirar o reino da escuridão, não será tarefa fácil para um monarca comprometido com o passado negro da monarquia. É certo que o Parlamento (Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes) vive num breu enorme, onde a escuridão da honra, tal qual uma nuvem negra, ofusca os olhos e as mentes dos que ali estão. Eles cuidam do próprio umbigo e não veem as necessidades de um povo pobre e humilde.

                                   Os súditos e os vassalos, não mais acreditam em promessas vãs, uma vez que, já há séculos, vem sendo ludibriados por mandatários inescrupulosos e por bajuladores nojentos. A corte do Reino Caiçara, ao que parece, continuará na escuridão, por muitos séculos. Até porque, é na escuridão, onde repousa o trono, que as coisas escusas brotam, florescem e são colhidas, para o deleite daqueles que se assenhoram do poder.

                                   Fiat lux”, disse Deus alegremente, nos dias da criação. “Fiat tenebris”, disse o homem, ao abusar do poder, concedido pelo Criador.  

P.S: Fiat lux – faça-se a luz. Fiat tenebris – faça-se as trevas.

 

Peruíbe SP, 03 de junho de 2017.