Adão de Souza
Ribeiro
De repente, a Estação! Um verdadeiro
burburinho e o corre-corre para lá e para cá. Malas e sacolas espalhadas pelo
chão. Para as crianças, aquela multidão e movimentação é uma festança. As
mulheres todas produzidas, parecendo dondocas e cada uma no seu modelito. Umas
mais extravagantes do que as outras, fazendo Clodovil Hernandes virar no
túmulo. Lá no canto, um mendigo estende a mão: “Dá uma esmolinha, pelo amor de
Deus!”
São incontáveis, os gestos de abraços e beijos.
Vendedores de salgados e guloseimas, oferecendo quitutes por preços
promocionais. São ambulantes querendo ganhar uns trocadinhos, para o sustento
do lar. Um guarda desmilinguido, numa farda maior que o corpo, tentando colocar
ordem no furdunço, porém, sem sucesso. Não pode faltar a cena de um jovem
casal, trocando carícias de despedida.
Na verdade, o que mais encanta, são as
emoções da chegada. Lágrimas de intensa emoção traduzem o sentimento de rever
parentes e amigos, que não se via há anos ou décadas, talvez. Vontade de saber de todas as novidades, ali
mesmo. Ansiedade e emoção se misturam, numa química indescritível. Pitoco, um
cachorrinho vira-lata, que não tem o dom da fala, contenta-se apenas em
balançar a cauda, num gesto humilde de alegria.
Parece que as cenas, em todas as Estações do
mundo, são sempre as mesmas. O que difere dos aeroportos são as formalidades e
o rigor na segurança. Pobre é mais alegre e extrovertido, por isso, não seguem
regras, para extravasar seus sentimentos aprisionados em falsas grã-finagens. Choram
de soluçar e de escorrer o nariz e não secam discretamente as lágrimas, que
brotam nos olhos azuis turquesa, com lenços importados, feitos com bordados indianos.
A estrada férrea segue em linha reta até o
horizonte, onde se perde lá na curva do grotão. ”Fiui... fiui... fiui..”. Está chegando
a Maria fumaça. Vem à mente, a imagem de uma verdadeira serpente, arrastando
seus vagões de madeira, por entre as plantações do sertão. A sua parada na
Estação, encerra longo período de saudade e a felicidade apia ali.
A locomotiva permanece por um tempo parado,
como que não querendo seguir viagem. No paupérrimo barzinho ali existente, o
maquinista – um senhor de meia idade - toma um cafezinho e fuma um cigarro de
palha, enquanto descansa da longa jornada. De repente o apito ensurdecedor
anuncia a partida e nela embarca-se a tristeza em ver os entes queridos partirem.
Por quanto tempo permanecerão ausentes, não se sabe. Um turbilhão de mãos com
seus lencinhos de pano de algodão, ensaiando um “Adeus, até mais!”.
Assim é o cotidiano da Estação e isso se
repete na Estação da Vida. Lá não se chega atrasado e nem se parte fora de
hora. Alguns passageiros tem pressa e embarcam antes do combinado. O tempo é
cronometrado. As paradas existem para saudarmos os bons e maus momentos de
nossa permanência transitória neste mundo. A parada está no roteiro, por isso,
é obrigatória e temos que cumprir o que está pré-determinado.
Nos vagões superlotados do dia-a-dia, viajam o
cristão e o ateu, o branco e o negro, o rico e o pobre, o santo e o pecador, o atleta
e o coxo, o macho e a fêmea, o rei e o plebeu, o juiz e o condenado, o poeta e o
amor platônico, enfim, não há vaga para arrogância, pois, ali, todos se
acomodam no mesmo assento e permanecem lado a lado, quer queira ou não. O
destino está traçado.
A partida é rápida e, na maioria das vezes,
não há tempo para os acenos e adeus emocionados. O maquinista não espera. Pela janela, todos
contemplam a vida passar numa velocidade descomunal. O som compassado das
sapatas fenólicas, leva nossa mente à divagação dos tempos idos, que ficaram
para trás e não voltam jamais. Estão petrificados em nossa mente pueril.
A fumaça, da lenha queimando na fornalha e
que saem da chaminé, formam desenhos no céu e deixam um rastro de saudosismo
insuportável. À medida que a locomotiva avança, a Estação vai se distanciando
da visão e o passado, assemelha-se a um velho quadro pendurado na parede. Ao
embarcar na Estação de que tanto falo, lembre-se disso.
“Ói, Ói o trem, vem surgindo de trás das
montanhas azuis, olha o trem/Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do
velho neon/Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem/Ói,
é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem/Quem vai chorar, quem
vai sorrir?/quem vai partir?/Pois o trem está chegando, tá chegando na
estação/É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão.” (*)
Somos passageiros transitórios e sem rumo
certo, que partimos da Estação Terrestre e viajamos no Trem da Vida. Adeus! “Fiui...
fiui... fiui...”.
(*) Trecho da música: “O Trem das 7”, de Raul
Seixas.
Peruíbe SP, 10
de abril de 2021.