quarta-feira, 28 de abril de 2021

AUSÊNCIA

 

Adão de Souza Ribeiro

Do teu beijo sinto falta do mel

A escorrer tão suave pela boca

No teu corpo o suor feito véu,

Acaricia a fantasia mais louca.

 

A tua mão envolve minha alma

No toque massageia a solidão

Na viagem pensamento acalma

E na vida tudo volta a ter razão.

 

E nas tuas entranhas, mergulho.

Perdido em ti é que eu me acho

Vou te fazer feliz e isso eu juro.

Não fuja e corre para o abraço.

 

Curvas do corpo são estradas,

Que, um dia, roubou de mim.

Se foi a pessoa mais mimada

Hoje te perdoo mesmo assim.  

  

No teu colo embala meu sonho

Volta logo, amor, olha já a hora,

Devolva aquele olhar risonho.

Sei, tempo de ser feliz é agora.

 

E da vida, não sei o que pensa.

Ela tem pressa e passou já era.

Não dê asas à ingrata ausência

E sedento de ti, o corpo espera.

 

Peruíbe SP, 28 de abril de 2021.  

 

sábado, 24 de abril de 2021

NAVE DO DESEJO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

O seu corpo, saborear cada pedaço.

E para que o prazer então me mate,

Farei você percorrer todo o espaço

Das tuas loucuras da lua até marte.

 

Viajará, minha mulher, sem pressa,

 Por caminhos lindos e misteriosos.

Nesta nave, será rainha e condessa,

De um mundo eterno e prazeroso.

 

Conduzir como nave este teu corpo

No leito, antes que a noite se finda.

Mas desejar sem pudor, aos pouco.

E saciar esta fome pura de menina.

 

Antes de voltar da viagem do sexo,

Perdida entre sonhos e as fantasias.

Verá que com prazer tudo tem nexo

Sou poeta e o sexo é minha poesia!

 

Peruíbe SP, 24 de abril de 2021.

 

terça-feira, 20 de abril de 2021

O ANJO

 

Adão de Souza Ribeiro

Do céu despencou um anjo

Venceu as nuvens até aqui.

E cantava ao som do banjo

Era só felicidade que eu vi.

 

Deu-lhe a missão o Divino

Na terra cuidar de um filho

Que era escolhido menino.

Ele aceitou sem empecilho

 

E sem nada pedir em troca,

De asas brancas e aureola.

Seguiu com fé a santa rota

E que linda missão aquela.

 

Com sua dedicação e amor

Cuidar dos filhos de Deus.

Como se fosse a linda flor,

Que um dia Pai escolheu!

 

Quando já for prestar conta,

Dirá: Pai, eu fiz o que pude.

E Ele: Tua bondade é tanta,

Nossa senhora de Lourdes!

 

Peruíbe SP, 20 de abril de 2021.

 

P.S.: Homenagem à Maria de Lourdes Correia dos Santos

domingo, 18 de abril de 2021

AS ANDORINHAS

 


Adão de Souza Ribeiro

                        A contemplação da natureza sempre esteve enraigada na alma de Tião Curruira. Desde a tenra idade, ele passava horas e horas, sentado num toco de árvore, lá no meio do pasto, observando o mundo ao derredor. Não tinha pressa para nada e, por isso, não percebia o tempo passar. De repente já era noite. O silêncio da vida campesina misturava-se com a quietude do espírito.

                        Numa via-sacra incansável, as saúvas carregavam alimentos tão pesados, que cambaleava o corpo, rumo ao celeiro. O João-de-Barro, sem compasso e sem prumo, construía sua casa sonhando com o novo lar. Bem longe, á sombra de uma paineira, depois de um bote certeiro e numa “paciência de Jó”, uma sucuri engolia inteiro um garrote, que, até então, desfilava pomposo e distraído no pasto.

                        Quem vive nos grandes centros urbanos, não conhece e não desfruta da singeleza do sertão. É lá que os violeiros, pintores e poetas buscam ensinamento e inspiração, para suas obras imortais. Só o sertanejo tem olhar de lince, para captar os fragmentos do que é puro e belo. O canto melodioso do sabiá-laranjeira ou do uirapuru-verdadeiro é de uma beleza impar.

                        O Tião Curruira, por morar numa cidade pequena, gostava de observar os costumes de seu povo e, quando menos se dava conta, divagava em pensamentos e parecia flutuar pelas ruas, enquanto caminhava. Quem não o conhecia, pejorativamente chamava-o de desocupado.

                        Na sua filosofia caipira falava da vida pacata do lugarejo e do amanhã incerto, a que todos estavam sujeitos. Sem arredar o pé dali, sabia que o mundo lá fora era outro. Pela BR-153, partiam os sonhos e fantasias de criança. Assim era a vida... assim era o destino. Por mais que se lutasse e que vencesse desafios, não tinha como fugir do que estava traçado.

                        Quando a Telefunken em preto e branco, fruto da modernidade chegou, não tirou a inocência do povo simples, mas escancarou a desumanidade encravada nas capitais e grandes centros urbanos, a serem exportadas para quem só sabe amar e tomar uma cachacinha no final de tarde. Nos finais de semana, os botecos repletos de beberrões ouvindo música caipira e forró, ao som de viola, sanfona, pandeiro, zabumba, reco-reco e triângulo.   

                        A vida gostosa e sem pressa de Tião Curruira, não saia do trilho, ou melhor, do ritmo tão cativante e saudoso. Quem nasceu e viveu por aquelas bandas, não esqueceria jamais da frase “viver bem e em paz”. Ninguém se preocupava em juntar posse, para discórdia e brigas ferrenhas de herança. Dividir com os amigos, momentos de prazer e diversão, era o que importava. Contemplar a simplicidade da natureza estava no estatuto do bem viver.

                        Mas o que Tião Curruira mais apreciava, além do que fora exaustivamente descrito, era o bailar de centenas de andorinhas, lá no firmamento. Numa coreografia de fazer inveja ao Balé Bolshoi, elas formavam desenhos indescritíveis. Toda população com olhares para o céu, como se estivessem querendo ver os OVNIs.

                        As Progne chalybea, conhecidas como andorinha-grande, são aves passeriformes de pequenas dimensões, pertencente à família Hirundinidae. Com seu corpo fusiforme, asas alongadas e pontiagudas, bem como, caudas bifurcadas, dão encanto ao voo. Durante o voo, com o bico aberto, em forma de funil, capturam os insetos, seu prato preferido. Elas chegam à cidade em meados de outubro e partem em revoada, em meados de abril.

                        Aquelas centenas de andorinhas, ao pousarem nos fios da rede elétrica, da Rua Rui Barbosa, todas rigorosamente enfileiradas, trajando fraque preto e camiseta branca, reportavam à imagem de notas musicais. O cidadão de nome Tião Curruira, ao contemplar aquela cena digna de um quadro de Leonardo da Vinci, em seus devaneios, ficava compondo cifradas canções românticas, para posteridade.

                        Ao término da composição, o Tião Curruira, viu as andorinhas partirem em revoada e os fios ficarem vazios. O céu da cidade pequena perdeu o encanto e silenciou os devaneios do cidadão ilustre, o desocupado.

                        Numa fração de segundo, ele recordou-se dos velhos amigos, que assim como as andorinhas, no final do verão, debandaram para outras bandas, sem avisar. Ali sozinho sentado na sarjeta, observando os fios vazios, veio á mente a frase de Aristóteles (Estágira 384 a.c. – Atenas 322 a.c) filósofo grego: “Uma andorinha, não faz verão”.                       

 

Peruíbe SP, 18 de abril de 2021.

                         

sábado, 17 de abril de 2021

O REINADO

 

Adão de Souza Ribeiro

E lá se foi o nosso Rei,

Mas aonde foi parar?

Bem sabe que não sei.

Penso que além mar.

 

Deixou só sua Rainha

Ali triste num castelo

Ela e a coroa sozinha

Cuidada com esmero.  

 

Súditos consternados

Acalentam a Monarca

Por amor ao Reinado,

Não a deixa por nada.

 

No desfile pomposo,

Ao lado da Soberana.

Era um Rei orgulhoso

Em seu traje bacana.

 

O nosso Rei lá se foi,

Com toda galhardia.

Dar até breve, um oi

A nova Monarquia!!

Peruíbe SP, 17 de abril de 2021.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

QUEM AMA, CONFESSA

 

QUEM AMA, CONFESSA

Adão de Souza Ribeiro

 

Se me ama como bem diz

Então seja sincera e clara

Não faça como uma atriz

E esconde a voz da alma.

 

Grita vai ouvir o mundo

Que não vive sem mim.

E sabe que lá no fundo

O amor é mesmo assim.

 

Quem ama não falseia

E não magoa a pessoa

Pois traz em sua veia,

Um desejo de rir atoa.

 

Se bem diz como me ama

Não vá fugir minha amada.

Vou proteger nesta cama,

Do temor da madrugada.

 

Peruíbe SP, 12 de abri de 2021.  

 

sábado, 10 de abril de 2021

A ESTAÇÃO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        De repente, a Estação! Um verdadeiro burburinho e o corre-corre para lá e para cá. Malas e sacolas espalhadas pelo chão. Para as crianças, aquela multidão e movimentação é uma festança. As mulheres todas produzidas, parecendo dondocas e cada uma no seu modelito. Umas mais extravagantes do que as outras, fazendo Clodovil Hernandes virar no túmulo. Lá no canto, um mendigo estende a mão: “Dá uma esmolinha, pelo amor de Deus!

                        São incontáveis, os gestos de abraços e beijos. Vendedores de salgados e guloseimas, oferecendo quitutes por preços promocionais. São ambulantes querendo ganhar uns trocadinhos, para o sustento do lar. Um guarda desmilinguido, numa farda maior que o corpo, tentando colocar ordem no furdunço, porém, sem sucesso. Não pode faltar a cena de um jovem casal, trocando carícias de despedida.

                        Na verdade, o que mais encanta, são as emoções da chegada. Lágrimas de intensa emoção traduzem o sentimento de rever parentes e amigos, que não se via há anos ou décadas, talvez.  Vontade de saber de todas as novidades, ali mesmo. Ansiedade e emoção se misturam, numa química indescritível. Pitoco, um cachorrinho vira-lata, que não tem o dom da fala, contenta-se apenas em balançar a cauda, num gesto humilde de alegria.

                        Parece que as cenas, em todas as Estações do mundo, são sempre as mesmas. O que difere dos aeroportos são as formalidades e o rigor na segurança. Pobre é mais alegre e extrovertido, por isso, não seguem regras, para extravasar seus sentimentos aprisionados em falsas grã-finagens. Choram de soluçar e de escorrer o nariz e não secam discretamente as lágrimas, que brotam nos olhos azuis turquesa, com lenços importados, feitos com bordados indianos.

                        A estrada férrea segue em linha reta até o horizonte, onde se perde lá na curva do grotão. ”Fiui... fiui... fiui..”. Está chegando a Maria fumaça. Vem à mente, a imagem de uma verdadeira serpente, arrastando seus vagões de madeira, por entre as plantações do sertão. A sua parada na Estação, encerra longo período de saudade e a felicidade apia ali.

                        A locomotiva permanece por um tempo parado, como que não querendo seguir viagem. No paupérrimo barzinho ali existente, o maquinista – um senhor de meia idade - toma um cafezinho e fuma um cigarro de palha, enquanto descansa da longa jornada. De repente o apito ensurdecedor anuncia a partida e nela embarca-se a tristeza em ver os entes queridos partirem. Por quanto tempo permanecerão ausentes, não se sabe. Um turbilhão de mãos com seus lencinhos de pano de algodão, ensaiando um “Adeus, até mais!”.

                        Assim é o cotidiano da Estação e isso se repete na Estação da Vida. Lá não se chega atrasado e nem se parte fora de hora. Alguns passageiros tem pressa e embarcam antes do combinado. O tempo é cronometrado. As paradas existem para saudarmos os bons e maus momentos de nossa permanência transitória neste mundo. A parada está no roteiro, por isso, é obrigatória e temos que cumprir o que está pré-determinado. 

                        Nos vagões superlotados do dia-a-dia, viajam o cristão e o ateu, o branco e o negro, o rico e o pobre, o santo e o pecador, o atleta e o coxo, o macho e a fêmea, o rei e o plebeu, o juiz e o condenado, o poeta e o amor platônico, enfim, não há vaga para arrogância, pois, ali, todos se acomodam no mesmo assento e permanecem lado a lado, quer queira ou não. O destino está traçado.

                        A partida é rápida e, na maioria das vezes, não há tempo para os acenos e adeus emocionados.  O maquinista não espera. Pela janela, todos contemplam a vida passar numa velocidade descomunal. O som compassado das sapatas fenólicas, leva nossa mente à divagação dos tempos idos, que ficaram para trás e não voltam jamais. Estão petrificados em nossa mente pueril.

                        A fumaça, da lenha queimando na fornalha e que saem da chaminé, formam desenhos no céu e deixam um rastro de saudosismo insuportável. À medida que a locomotiva avança, a Estação vai se distanciando da visão e o passado, assemelha-se a um velho quadro pendurado na parede. Ao embarcar na Estação de que tanto falo, lembre-se disso.

                        “Ói, Ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem/Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho neon/Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem/Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem/Quem vai chorar, quem vai sorrir?/quem vai partir?/Pois o trem está chegando, tá chegando na estação/É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão.” (*)

                        Somos passageiros transitórios e sem rumo certo, que partimos da Estação Terrestre e viajamos no Trem da Vida. Adeus! “Fiui... fiui... fiui...”.

                        (*) Trecho da música: “O Trem das 7”, de Raul Seixas.

 

Peruíbe SP, 10 de abril de 2021.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

VOSSA MAJESTADE

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Em um país distante acordo Rei,

Onde agora tudo será permitido

Fica decretado e passa a ser lei:

Ninguém é pisado ou excluído.

 

Fome torna-se crime universal,

Liberdade nossa cláusula pétrea

Natureza não será só o Pantanal

Ver súdito feliz é o que me resta.

 

E nada de pompas e de luxúrias,

Nos corredores do meu Palácio.

Reino ouvirá todas as lamúrias,

Nada de promessas ou falácias.

 

O trono só se será do herdeiro,

Que amar o seu povo e a terra.

Alma pura e espírito altaneiro,

Morrer pela Pátria e na guerra.

 

Mas quando deixar este Reino

E for morar num bem distante,

Digam ao lado da paz do leito.

Da Pátria não foi Rei, amante!

 Peruíbe SP, 09 de abril de 2021.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

CONSELHO

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Não sei por que te amo tanto assim

Mulher, certo que tenho para mim,

Que sou alguém, sem nenhum juízo

Por isso que eu tanto me martirizo.

 

Por que me apego assim de repente

Sem medo e feito a criança inocente

No berço a procura de mais carinho,

Fugindo da solidão, de ficar sozinho.

 

Agora vou prometer para eu mesmo,

Que não viverei neste desassossego.

Ser livre como o cantar do rouxinol,

Batendo asas rumo ao lindo arrebol.

 

Amar-te menos, bem na hora certa.

Deixar de ser louco, sonhador poeta.

Viver o dia a dia e mais a realidade.

E de vez, esquecer o que é saudade.

 

Preciso mudar de rumo e de prosa,

Pois no jardim há mil flores e rosa.

Sofrer não muda a beleza do lugar

Quer um conselho? Para de chorar.

 

Peruíbe SP, 08 de abril de 2021.

 

 

terça-feira, 6 de abril de 2021

MULHER ESGUIA

 

Adão de Souza Ribeiro

 

Diante deste corpo esguio,

Eu sinto tremor e calafrio.

Não quero te amar pouco

Perder a razão ficar rouco

 

Teu cheiro colado no meu.

Você Julieta e eu o Romeu

Teu desejo numa alquimia

Faz o prazer doce melodia

 

O teu corpo é tanta curva,

Que na noite a visão turva

E deixa-me beber o néctar

Até este meu corpo levitar

 

Vai ser minha, sem medo.

O quarto guarda segredo.

Mas quando o dia acordar,

Já aprendeu o que é amar.

 

Eu te venero o tempo todo

De pequeno e já um moço.

Possuir-te mulher esbelta,

Sem pudor o que me resta.

Peruíbe SP, 06 de abril de 2021.

 

 

domingo, 4 de abril de 2021

O (A)NORMAL

 

Adão de Souza Ribeiro

                        Eu sou um saudosista irrecuperável. Constantemente tenho dito isso e não me canso de repetir tal frase. Às vezes falo na terceira pessoa; outras, na primeira pessoa do presente do indicativo.  Hoje falarei na primeira, pois acredito que fica mais pessoal. O diálogo transcorre com certa intimidade, por isso, peço permissão e perdão ao amigo acostumado a ler e ouvir minhas longas e intermináveis prosas.

                        Prosear é comigo mesmo. Costume que trago lá do meu sertão e das minhas origens de caboclo. Aprendi a contar causos com meus avós e com o povo simples da terrinha. Nas preguiçosas tardes domingueiras ou nas noites enluaradas, reunia uma tropa de molecada, para ouvir as incansáveis histórias contadas pelos mais velhos. Naquelas histórias, estavam os relatos de experiência de vida ou fantasias do folclore brasileiro, coletadas por eles, durante suas existências.

                        Os pais corrigindo e educando os rebentos, sem medo de leis esdrúxulas. A professora ensinando o bê-á-bá, na cartilha “Caminho Suave”. Antes de dormir, o “Bença pai e bença mãe”. Todos à mesa para a refeição, precedida da costumeira oração de agradecimento, pelo pão recebido. Em roda, todos sentados na calçada, defronte a casa, conversavam descontraidamente, tratando os colegas por apelidos carinhosos, pois aquilo eram as verdadeiras redes sociais.  

                        Mas um belo dia, a modernidade, feito lobo mal, chegou e devorou toda a inocência da infância e a singeleza do passado. Os pais calaram-se, o professor apagou a lousa e fechou à cartilha, a mesa de jantar não foi mais posta e a oração ficou careta, a lenda perdeu a graça e a lua escondeu-se envergonhada, “Bença pai e bença mãe” substitui-se por “E aí, coroa!”, a roda de amigos ficou quadrada. Avida transformou-se numa Torre de Babel. “Fins dos tempos” profetizou o beato Saturnino Zebedeu.

                        Como a Divina Providência que não dorme de touca enviou pelas mãos laboratoriais dos chineses, aqueles que comem cachorro, outros bichos e insetos, uma peste universal, a qual mudaria sobremaneira, todo o roteiro da história e do desmando desenfreado de um povo herege e desumano. Lembro-me das dez pragas do Egito.  

                        A maldade dos orientais dizimou milhões de habitantes deste planeta maluco e ninguém foi punido. Bem, isso fica para depois. A mídia que, nos tempos de outrora, destruiu a simplicidade da minha infância e arrebentou os lares sagrados, agora manda o povo ficar em casa, feito gado rumo para o matadouro. Por quanto tempo há de durar nosso flagelo?

                        Na retina dos meus olhos e no arquivo de minha memória, estão gravadas as cenas de minha infância e adolescência, onde tudo era tão belo e tão simples. Esses fragmentos não hão de se apagar jamais, pois ainda renderão lindas histórias a serem contadas, sem a mácula do progresso, esse monstro devorador de criancinhas de asas, de auréolas e tudo o que os anjos terrestres têm direito.

                        Não era atoa, que outro dia, uma mulher, cuja modernidade desensinou os pais corrigir, educar e conviver com filhos conversava desesperada ao telefone com meu vizinho. Ela dizia que não aguentava mais os filhos dentro de casa o dia todo e não sabia mais como lidar com eles.

                        Estou indo à loucura. Filho tem que estar na escola, na creche, na natação, na rua... no balé, mas não dentro de casa.”, desabafava a pobre mãe. O meu vizinho, um psicólogo renomado, emendou para confortá-la: “Calma, que logo tudo voltará ao normal. Creia!”. Anormal é conviver com os pais?

                        Confesso que fiquei estarrecido e indignado com aquilo. Não queria crer, que uma mãe sentisse tão incomodada com a presença diária dos filhos. Como numa película de cinema, revivi as cenas de meus pais tão felizes conosco, ali naquela lida cotidiana. A casa cheia, o corre-corre para lá e para cá, o barulho dos pequerruchos, a mesa farta, os choros de pura manha. Ser pais e ter filhos era prazer e não obrigação. Aquilo é que dava vida e encanto a casa.

                        Depois que inventaram a televisão, o mundo passou a medir cinquenta e duas polegadas. A telinha ofuscou a visão e atrofiou o cérebro do povo e, por isso, querem ver e pensar por nós. Viramos verdadeiras vaquinhas de presépio. Mas o sertão onde nasci é imenso e não se mede. Lá somos livres e conseguimos divisar o horizonte com seu lindo arrebol. O sertanejo é, antes de tudo, um forte e um gigante pela própria natureza.

                        Os chineses inventaram a praga moderna e a tragédia reinventou a família. E eu, um caboclo xucro do sertão, percebi sem querer, que tive a honra e o prazer de nascer em um tempo, onde tudo era anormal e, em especial, viver em harmonia, no seio da família. Posso sair gritando por ai, sem medo de errar: “Eu não sou maluco. Eu sou um (a)normal!”.

 

Peruíbe SP, 04 de abril de 2021.

  

                         

sexta-feira, 2 de abril de 2021

SONHAR É PRECISO

 

Adão de Souza Ribeiro

Sonhar contigo, virou rotina,

Sonho mais lindo que outro.

Nele ainda sou aquele moço

Que amava demais a menina.

 

Se é loucura esquecer-se de ti,

Eu vivo tresloucado dia a dia.

Saudade tira-me desta agonia,

Para eu não morrer de frenesi.

 

Tu brincas com meu coração,

Feito anjo, tal qual a criança.

Ao bailar em tão bela dança,

Neste encanto, perco a razão.

 

E deixa que eu sonhar possa

Até porque sonhar é preciso

E nele é que eu tanto revivo

Amor da menina lá da roça.

 

Partiste nas asas do destino,

Para outra terra tão distante

Ficou o teu lindo semblante

E chorei o choro de menino.

 

Peruíbe SP, 02 de abril de 2021.