sábado, 10 de abril de 2021

A ESTAÇÃO

 

Adão de Souza Ribeiro

                        De repente, a Estação! Um verdadeiro burburinho e o corre-corre para lá e para cá. Malas e sacolas espalhadas pelo chão. Para as crianças, aquela multidão e movimentação é uma festança. As mulheres todas produzidas, parecendo dondocas e cada uma no seu modelito. Umas mais extravagantes do que as outras, fazendo Clodovil Hernandes virar no túmulo. Lá no canto, um mendigo estende a mão: “Dá uma esmolinha, pelo amor de Deus!

                        São incontáveis, os gestos de abraços e beijos. Vendedores de salgados e guloseimas, oferecendo quitutes por preços promocionais. São ambulantes querendo ganhar uns trocadinhos, para o sustento do lar. Um guarda desmilinguido, numa farda maior que o corpo, tentando colocar ordem no furdunço, porém, sem sucesso. Não pode faltar a cena de um jovem casal, trocando carícias de despedida.

                        Na verdade, o que mais encanta, são as emoções da chegada. Lágrimas de intensa emoção traduzem o sentimento de rever parentes e amigos, que não se via há anos ou décadas, talvez.  Vontade de saber de todas as novidades, ali mesmo. Ansiedade e emoção se misturam, numa química indescritível. Pitoco, um cachorrinho vira-lata, que não tem o dom da fala, contenta-se apenas em balançar a cauda, num gesto humilde de alegria.

                        Parece que as cenas, em todas as Estações do mundo, são sempre as mesmas. O que difere dos aeroportos são as formalidades e o rigor na segurança. Pobre é mais alegre e extrovertido, por isso, não seguem regras, para extravasar seus sentimentos aprisionados em falsas grã-finagens. Choram de soluçar e de escorrer o nariz e não secam discretamente as lágrimas, que brotam nos olhos azuis turquesa, com lenços importados, feitos com bordados indianos.

                        A estrada férrea segue em linha reta até o horizonte, onde se perde lá na curva do grotão. ”Fiui... fiui... fiui..”. Está chegando a Maria fumaça. Vem à mente, a imagem de uma verdadeira serpente, arrastando seus vagões de madeira, por entre as plantações do sertão. A sua parada na Estação, encerra longo período de saudade e a felicidade apia ali.

                        A locomotiva permanece por um tempo parado, como que não querendo seguir viagem. No paupérrimo barzinho ali existente, o maquinista – um senhor de meia idade - toma um cafezinho e fuma um cigarro de palha, enquanto descansa da longa jornada. De repente o apito ensurdecedor anuncia a partida e nela embarca-se a tristeza em ver os entes queridos partirem. Por quanto tempo permanecerão ausentes, não se sabe. Um turbilhão de mãos com seus lencinhos de pano de algodão, ensaiando um “Adeus, até mais!”.

                        Assim é o cotidiano da Estação e isso se repete na Estação da Vida. Lá não se chega atrasado e nem se parte fora de hora. Alguns passageiros tem pressa e embarcam antes do combinado. O tempo é cronometrado. As paradas existem para saudarmos os bons e maus momentos de nossa permanência transitória neste mundo. A parada está no roteiro, por isso, é obrigatória e temos que cumprir o que está pré-determinado. 

                        Nos vagões superlotados do dia-a-dia, viajam o cristão e o ateu, o branco e o negro, o rico e o pobre, o santo e o pecador, o atleta e o coxo, o macho e a fêmea, o rei e o plebeu, o juiz e o condenado, o poeta e o amor platônico, enfim, não há vaga para arrogância, pois, ali, todos se acomodam no mesmo assento e permanecem lado a lado, quer queira ou não. O destino está traçado.

                        A partida é rápida e, na maioria das vezes, não há tempo para os acenos e adeus emocionados.  O maquinista não espera. Pela janela, todos contemplam a vida passar numa velocidade descomunal. O som compassado das sapatas fenólicas, leva nossa mente à divagação dos tempos idos, que ficaram para trás e não voltam jamais. Estão petrificados em nossa mente pueril.

                        A fumaça, da lenha queimando na fornalha e que saem da chaminé, formam desenhos no céu e deixam um rastro de saudosismo insuportável. À medida que a locomotiva avança, a Estação vai se distanciando da visão e o passado, assemelha-se a um velho quadro pendurado na parede. Ao embarcar na Estação de que tanto falo, lembre-se disso.

                        “Ói, Ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem/Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho neon/Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem/Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem/Quem vai chorar, quem vai sorrir?/quem vai partir?/Pois o trem está chegando, tá chegando na estação/É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão.” (*)

                        Somos passageiros transitórios e sem rumo certo, que partimos da Estação Terrestre e viajamos no Trem da Vida. Adeus! “Fiui... fiui... fiui...”.

                        (*) Trecho da música: “O Trem das 7”, de Raul Seixas.

 

Peruíbe SP, 10 de abril de 2021.

Um comentário:

Pedro Ballesteros disse...

Mestre Adão voltando com tudo! Recuperou+se bem?