domingo, 18 de abril de 2021

AS ANDORINHAS

 


Adão de Souza Ribeiro

                        A contemplação da natureza sempre esteve enraigada na alma de Tião Curruira. Desde a tenra idade, ele passava horas e horas, sentado num toco de árvore, lá no meio do pasto, observando o mundo ao derredor. Não tinha pressa para nada e, por isso, não percebia o tempo passar. De repente já era noite. O silêncio da vida campesina misturava-se com a quietude do espírito.

                        Numa via-sacra incansável, as saúvas carregavam alimentos tão pesados, que cambaleava o corpo, rumo ao celeiro. O João-de-Barro, sem compasso e sem prumo, construía sua casa sonhando com o novo lar. Bem longe, á sombra de uma paineira, depois de um bote certeiro e numa “paciência de Jó”, uma sucuri engolia inteiro um garrote, que, até então, desfilava pomposo e distraído no pasto.

                        Quem vive nos grandes centros urbanos, não conhece e não desfruta da singeleza do sertão. É lá que os violeiros, pintores e poetas buscam ensinamento e inspiração, para suas obras imortais. Só o sertanejo tem olhar de lince, para captar os fragmentos do que é puro e belo. O canto melodioso do sabiá-laranjeira ou do uirapuru-verdadeiro é de uma beleza impar.

                        O Tião Curruira, por morar numa cidade pequena, gostava de observar os costumes de seu povo e, quando menos se dava conta, divagava em pensamentos e parecia flutuar pelas ruas, enquanto caminhava. Quem não o conhecia, pejorativamente chamava-o de desocupado.

                        Na sua filosofia caipira falava da vida pacata do lugarejo e do amanhã incerto, a que todos estavam sujeitos. Sem arredar o pé dali, sabia que o mundo lá fora era outro. Pela BR-153, partiam os sonhos e fantasias de criança. Assim era a vida... assim era o destino. Por mais que se lutasse e que vencesse desafios, não tinha como fugir do que estava traçado.

                        Quando a Telefunken em preto e branco, fruto da modernidade chegou, não tirou a inocência do povo simples, mas escancarou a desumanidade encravada nas capitais e grandes centros urbanos, a serem exportadas para quem só sabe amar e tomar uma cachacinha no final de tarde. Nos finais de semana, os botecos repletos de beberrões ouvindo música caipira e forró, ao som de viola, sanfona, pandeiro, zabumba, reco-reco e triângulo.   

                        A vida gostosa e sem pressa de Tião Curruira, não saia do trilho, ou melhor, do ritmo tão cativante e saudoso. Quem nasceu e viveu por aquelas bandas, não esqueceria jamais da frase “viver bem e em paz”. Ninguém se preocupava em juntar posse, para discórdia e brigas ferrenhas de herança. Dividir com os amigos, momentos de prazer e diversão, era o que importava. Contemplar a simplicidade da natureza estava no estatuto do bem viver.

                        Mas o que Tião Curruira mais apreciava, além do que fora exaustivamente descrito, era o bailar de centenas de andorinhas, lá no firmamento. Numa coreografia de fazer inveja ao Balé Bolshoi, elas formavam desenhos indescritíveis. Toda população com olhares para o céu, como se estivessem querendo ver os OVNIs.

                        As Progne chalybea, conhecidas como andorinha-grande, são aves passeriformes de pequenas dimensões, pertencente à família Hirundinidae. Com seu corpo fusiforme, asas alongadas e pontiagudas, bem como, caudas bifurcadas, dão encanto ao voo. Durante o voo, com o bico aberto, em forma de funil, capturam os insetos, seu prato preferido. Elas chegam à cidade em meados de outubro e partem em revoada, em meados de abril.

                        Aquelas centenas de andorinhas, ao pousarem nos fios da rede elétrica, da Rua Rui Barbosa, todas rigorosamente enfileiradas, trajando fraque preto e camiseta branca, reportavam à imagem de notas musicais. O cidadão de nome Tião Curruira, ao contemplar aquela cena digna de um quadro de Leonardo da Vinci, em seus devaneios, ficava compondo cifradas canções românticas, para posteridade.

                        Ao término da composição, o Tião Curruira, viu as andorinhas partirem em revoada e os fios ficarem vazios. O céu da cidade pequena perdeu o encanto e silenciou os devaneios do cidadão ilustre, o desocupado.

                        Numa fração de segundo, ele recordou-se dos velhos amigos, que assim como as andorinhas, no final do verão, debandaram para outras bandas, sem avisar. Ali sozinho sentado na sarjeta, observando os fios vazios, veio á mente a frase de Aristóteles (Estágira 384 a.c. – Atenas 322 a.c) filósofo grego: “Uma andorinha, não faz verão”.                       

 

Peruíbe SP, 18 de abril de 2021.

                         

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