terça-feira, 28 de abril de 2020

ÁGUA DA FONTE


Adão de Souza Ribeiro

Maria Júlia todos os dias
Ia buscar água na fonte.
Como era bonita a guria
Trazia a água de monte.

O que ela trazia na jarra
Era como dádiva do céu
E daquele peito jorrava,
Desejo vertido em mel.

Eu ficava lá no caminho
Contemplando a beleza
E se hoje choro sozinho
É por perder a princesa.

Não voltou a Maria Júlia
Para buscar o que atraía
E se perdeu em lamúria
Vendo a água que corria.

Peruíbe SP, 28 de abril de 2020.

domingo, 26 de abril de 2020

OS PORÕES DO PALÁCIO REAL

Adão de Souza Ribeiro

                        Nada mais atiça o imaginário do que o mundo palaciano. Na vida intramuros, o ar transpira e respira luxo e prazer. Os jardins, corredores e todas as divisões internas, com suas decorações suntuosas, parecem cenários de filmes hollywoodianos. Todo aquele encantamento está longe do alcance dos olhos dos mortais, ou melhor, das plebes e dos bajuladores. Dá-se a impressão que lá se vive outra realidade, onde a felicidade conspira a favor do que é bom e belo.
                        Festas regadas a muito luxo, com desfiles de moda; bebidas importadas; pratos sofisticados, que a pobreza nem sabe pronunciar o nome; danças até altas horas da madrugada; conversas inteligíveis, em meio às músicas acima dos decibéis permitidos e altas gargalhadas, sem um pingo de classe. Onde imperam o dinheiro e o poder, tudo é permitido. Naquele mundo surreal, nada é pecado e nada é ilícito. O único cuidado que se deve ter é com a imprensa e os paparazzi. Os tabloides marrons, não perdoam os deslizes da realeza.
                        Nas salas secretas, onde se traçavam os destinos da Monarquia, as reuniões entre os mandatários do poder (Rei ou Rainha), eram realizadas a sete chaves. Os serviçais, escolhidos a dedo, atendiam as gulas de Vossa Majestade. O Conselheiro da Corte, não arredava o pé dali e, por isso, detinha informações privilegiadas sobre as entranhas do Reino. Sabia de cor e salteado de todas as nuances do poder. Os membros da nobreza caminhavam com desenvoltura entre o luxo e as traições daqueles que se locupletavam de títulos honoríficos.
                        A vida dos ricos também tem suas dualidades. Ninguém é feliz por inteiro e, muito menos, para a eternidade. De repente, o destino prega uma peça em quem acredita ser imortal. O cadafalso e a guilhotina são sempre um fantasma a rondar os sombrios corredores palacianos. As surpresas inesperadas tornam o mundo mais belo e mostram a fragilidade do futuro. Mas de nada importa, para os que se deleitam com as luxurias do paraíso palaciano, nem mesmo a morte.
                        Os olhos que se vislumbravam com aquela imagem inebriante do Palácio Caiçara, não percebiam que ali, também, existiam lugares horripilantes, que mais pareciam filmes de terror. Embora estivessem ao alcance da realidade, todos procuravam ignorar. Os moradores e serviçais podiam até negar a existência de outro mundo intramuros, mas estava ali, expondo suas vísceras. A vida é bela, mas nem sempre a beleza impera.
                        E foi assim, andando com desenvoltura pelas plagas palacianas, que se descobriu que lá também existiam os porões. Construídos há centenas de anos e de forma bem discreta, eis aí a razão pela qual, poucos sabiam das suas existências. Vias de regras, dentro de porões, são guardadas todo tipo de sucata. Coisas em desuso, tais como, móveis ultrapassados, ferramentas abandonadas pela tecnologia; quadros empoeirados e envelhecidos; baús lacrados pela história remota; documentos de somenos importância; objetos que embora imprestáveis para o momento, imagina-se de serventia no futuro e por aí se vai. Porão reporta-se a desprezo e renúncia daquilo que já foi útil.
                        Não por acaso, que os administradores do Palácio mantinham o lugar equidistante dos olhos e da curiosidade dos moradores e frequentadores. Sabe-se que lá também existem as masmorras, mas isso é outra história a ser contada depois. Desde a infância, temos gravados na memória, que o porão é um ambiente sem luminosidade e ventilação. Um lugar sombrio. A umidade constante torna-o um ambiente de cheiro insuportável e prejudicial à saúde. É um espaço, que não desperta muita curiosidade das pessoas, mas, sim, desejo de distanciamento.
                        Por ali, transitam morcegos, ratos, baratas, cupins, escorpiões, fungos, aranhas, percevejos, taturanas, cobras, lacraias, formigas, lagartas, enfim, uma constelação de bichos peçonhentos, cujos nomes, fogem da memória. Enquanto os moradores, serviçais, asseclas e bajuladores, festejam no palácio, também, ali no porão, outra população faz as suas festas particulares. Lá em cima, tudo é regado com as mais sofisticadas comidas e bebidas, enquanto que na parte de baixo, nos porões, são regadas com as sobras e, na maioria das vezes, com o que a ingratidão que a peçonhenta natureza oferece.
                        Já os estudiosos da mente e do comportamento humano, isto é, os psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos, cientistas, tarólogos, musicólogos e todos os “ólogos de plantão”, comparam o porão, como se fosse uma casa, dividido em consciente, pré-consciente e inconsciente. Lá nos porões do comportamento humano, segundo eles – os ólogos -, são guardados ou escondidos àquilo que não poder ser do conhecimento de qualquer pessoa. No mundo real, longe da filosofia, também acontece o mesmo, pois lá estão as espúrias da sociedade.
                        Pois bem, voltemos aos porões do Palácio. Com a queda da Rainha incompetente e insana, muito dos que habitavam ou frequentavam os corredores e compartimentos suntuosos da Corte tiveram que abdicarem das luxurias do poder. Abdicar não significa fugir ou abandonar, mas, sim, distanciar mesmo que temporariamente daquilo que dava tanta felicidade e prazer. As sanguessugas da Corte são parasitas que não sobrevivem longe do sangue de seus bajulados. São traidores natos, pois está no sangue, está no DNA.
                        Durante os sete anos de vacas magras, ficam escondidos nos porões do esquecimento e de lá só saem, durante a madrugada, quando a luz da verdade não se faz presente. Só deixam aquele mundo macabro, com o escopo de sondarem como está o ambiente monárquico e retornam com brevidade, para não serem notados. Naqueles forçados períodos de retiro, revoltados por terem sido expurgados da convivência humana, reúnem-se e arquitetam ataques traiçoeiros contra aqueles que os acolheram em datas não muito distantes. Eles, os bichos peçonhentos, colocam suas ventas para fora e infectam as pessoas do bem, com seus venenos letais (difamação, calúnia, injuria e denúncias caluniosas), a fim de desestabilizarem o Reino e descompensarem o psicológico das pessoas. Denigrem as pessoas, sem um pingo de remorso. 
                        Lá nos porões, de onde nunca mais deveriam sair estão o Primeiro Ministro; o diretor do Serviço Secreto; o Ajudante de Ordem, os Ministros da Fazenda e Justiça, o Conselheiro do Reino, o comandante da Guarda Real e, ainda, diversos membros do Parlamento (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns). Não se pode esquecer, que lá também estão confinados os asseclas e uma corja de bajuladores do antigo Reino. É preciso reforçar as entradas dos porões com pesados ferrolhos e cadeados, a fim de que uma multidão de vermes nocivos à sociedade, não voltem a contaminar as pessoas de bem.
                        Enquanto o Rei Fabrício deleita dos prazeres do poder e se embriaga com o titulo do qual foi investido pelo povo, quando se sentou no trono e colocou sobre sua cabeça a coroa da responsabilidade, os traidores continuam arquitetando a sua derrota. Fazendo uso da tecnologia virtual, através de tabloides e de blogs, travestem-se de amigos ou salvadores da Pátria. Atacam sorrateiramente Vossa Majestade Real e tentam desmoralizar aqueles súditos fiéis, que expõem as farsas por eles criadas.
                        Ainda bem que, nas plagas do Palácio Real, existem os porões, os quais, a princípio, foram construídos para guardarem objetos que já foram úteis ou que, num futuro não muito distante, poderiam voltar a ter serventia. Mas, por ironia do destino, acabou escondendo e abrigando as escórias da sociedade. Se antes, os porões suscitavam a imagem de medo e terror; hoje, despertam o sentimento de utilidade e respeito.
                        Os porões do Palácio não são histórias, são reais.

Peruíbe SP, 26 de abril de 2020.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

VELHO PORÃO


Adão de Souza Ribeiro


No porão da minha velha memória,
Guardo tanto segredo a sete chaves.
Antigo entulho ao longo da história,
Vou eternizá-lo, que nunca se acabe


Lá o cadeado do medo tranca a porta,
Para que não descubra o meu defeito.
Se eu já levei uma vida reta ou torta,
Hei de ser perdoado e tudo tem jeito.


Lá escondi os sonhos e tanta tristeza,
Até aquela saudade toda empoeirada
Da mulher amada, da minha princesa,
Que foi esquecida ao longo da estrada.


 Preciso varrer tudo o que me repulsa
Perder este medo e criar logo atitude,
Não esconder o sentimento de culpa.
No velho porão da minha juventude!!


Peruíbe SP, 25 de abril de 2020.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

MEUS 50 E POUCOS ANOS (Parafraseando Casemiro de Abreu)


Sérgio Antunes

Ah que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
E com licença poética,
Saudades da Casa Yida
E da Senise, Ipiranga,
Das ruas com pés de manga,
Dos sinos da Catedral,
Do presépio do Natal,
Daquele tempo em que havia
O Iseo e o Fujimia.
Do Francisquinho, o anão.
Do Cine São Sebastião,
Do Fiori Gigliotti,
De dançar um fox trote,
Com Toninho e seu Conjunto,
Dr. Dionisio e De Cunto,
E do Horto Florestal,
E da voz do Juvenal,
Da Cerâmica Moderna,
Daquela menina interna,
E dos tempos de caserna
Do antigo 4º BC
E do Posto Paiquerê
Da lambreta do Iberê,
Da velha Rodoviária,
Da Estação Ferroviária,
Situada, se me lembro,
Bem na 7 de Setembro,
Dos padres Kondó e Rebouças,
E do Empório das Louças,
Da Esquina do Pecado,
Que saudade do passado
Que os anos não trazem mais.
E dos footings nos jardins,
Que saudade do jornal
O Progresso e da Cibral,
Dos aviões da Real,
À sombra de uma Junqueira,
Naquelas tardes fagueiras,
Rubiáceas em construção,
21 sem calçadão,
E do terreno da feira,
E das coxinhas do Sam,
E do seu Jorge Simeira,
Dono da Arapuã.
Saudades dos gonococus,
Do restaurante Marrocos,
Patronato, Sanatório,
Do velho Conservatório,
Saudades da minha avó,
Do Nelsinho e do Jacó,
E da Fábrica de Leques,
Do meu tempo de moleque,
E do Clube Japonês,
DA ZYB3,
Que os tempos não voltam mais,
Nem o Circo do Nhô Pai,
Ou as tardes de matinê,
Eu namorando você,
A sombra das andorinhas,
A Casa da Beradinha,
Também do Dr. Furquim,
Do Bispo Dom Gelain,
Saudades de quase tudo,
De Lins, porém, sobretudo,
Muitas saudades de mim.

Sérgio Antunes é poeta Linense (Lins SP).

domingo, 19 de abril de 2020

CHORAR SEM PUDOR



Adão de Souza Ribeiro

Às vezes nós temos que chorar
E esgoelar despudoradamente.
Pode ser de frente para o mar,
Com coração ou com a mente.

Chora, assim, como desabafo,
Lá na rua, na praça ou no leito.
Procura na lágrima um espaço
Para acalentar a dor do peito.

Não tenha vergonha e medo,
Grita, bate, esperneia, soluça.
Conta e não guarda o segredo
Brigue, nem que a vaca tussa.

Meu coração é fraco e meloso
Ele chora por tudo e por nada
 Mas na falta do beijo gostoso
Choro quieto até a madrugada.
Peruíbe SP, 19 de abril de 2020.

sábado, 18 de abril de 2020

O VELÓRIO DO ZÉ RAPARIGUEIRO

Adão de Souza Ribeiro

                        Se tinha uma coisa que o meu amigo Zé não gostava de falar era sobre a morte. Causava ojeriza só de pensar na palavra. “Não fala isso, que traz mau agouro”, dizia ele. O amigo de que tanto falo, procurava desconversar, toda vez que o assunto girava em torno de alguém que partiu antes do combinado. Sabia que um dia, iria dar de cara com ela batendo à sua porta; mas, a bem da verdade, preferia que adiasse por muito tempo a tal visita. Nem piada gostava de fazer ou ouvir a respeito do assunto tão indesejado.
                        Quando alguém partia para mansão do desconhecido, o Zé não participava da despedida derradeira. Sabia que se lá estivesse, causaria constrangimento aos presentes, pois iria levar tudo na brincadeira. Por isso, costumava passar procuração informal para que alguém o representasse. Se fosse preciso, pagaria até umas carpideiras, para derramarem lágrimas pesarosas no lugar dele.  Era bom, porque a presença delas, na solenidade fúnebre, dava certo status defuntício ao de cujus.
                        Tenho grande saudade das vias crúcis, que fazia com o velho amigo nas noitadas boemias ou nas tardes preguiçosas de domingo. Percorríamos bar por bar ou quiosque por quiosque, onde, em companhia de outros amigos, dividíamos os copos de “mé” ou as dolorosas histórias de “chifres”. Quantas vezes a comida feita pela “dona Encrenca”, esfriava em cima do fogão à nossa espera. Voltar para o reduto do lar, depois de longas horas de romaria, era verdadeiro calvário. Era bronca na certa ou uma dolorosa surra com pau de macarrão.
                        Se tinha uma coisa que eu admirava naquele saudoso amigo, era sua queda por um “rabo de saia”. Pensa num raparigueiro de marca maior. Assemelhava-se aos caminhoneiros ou caixeiros viajantes, pois em cada parada, tinha uma amante. Dona Encrenca tinha um valor imensurável, mas as amantes também tinham lá suas qualidades. A primeira oferecia um reduto, repleto de conforto, segurança e filhos; já outra, dava carinho, sexo e muitas fungadas na nuca. Em compensação, pelo conforto oferecido, uma pedia mil coisas em troca; mas a outra, após saciar seus desejos bestiais, nada pedia em troca. Penso que é por isso que o Zé, meu velho e saudoso amigo Zé, nunca abriu mão do título de “Zé Raparigueiro”. Os amigos o invejavam e já as mulheres com suas donzelices enrustidas, temiam ser conquistadas, ou melhor, ser seduzidas por ele.
                        E assim o Zé levou a vida, sem se preocupar com nada deste mundo. Um homem trabalhador, honesto, bom esposo, pai e filho. Era pau para todo obra. Solicito para com os amigos e parentes. Fugia da morte e da tristeza, mas não abria mão de ser alegre e raparigueiro. Toda criança e cachaceiro tem um anjo da guarda infalível. Quantas vezes, dirigindo o seu “baja”, chegava a casa trançando as pernas, sem saber o trajeto percorrido. “Será que os cachaceiros e raparigueiros tinha um GPS especial?”, pensava com meus botões.
                        Ele, o meu amigo Zè, achava graça e leveza em tudo. Vivia sorrindo de tudo e até parecia um bobo alegre. Adorava participar ou fazer churrasco. Reunir-se com os parentes ou amigos, era seu maior e mais prazeroso passatempo. Apesar dos seus pequenos defeitos, se assim podíamos dizer, a dona Encrenca não se desgarrava dele. Para mim, aquele jeito malandro do Zé (malandro no bom sentido), a fascinava e causava certo tesão (excitação) nela. Posso ser sincero? Não só nela, mas, também, em outras donzelas ou não.
                        Com aquele jeito de “Dom Juan Di Marco”, acabou conquistando e se relacionando com dezenas de fêmeas. Dentre todas, selecionou seis com quem “furunfou” e teve filhos e filhas. Com maestria, sabia dar conforto e carinho a todas elas e aos filhos também. Se um escritor ou cineasta o tivesse conhecido, transformaria a sua vida de raparigueiro num romance ou num filme, com certeza. Por vezes, cheguei pensar que de seus poros, emanava um mel de cheiro e sabor divino. Se as empresas de perfumes e cosméticos o conhecessem, o transformaria em fonte inesgotável de lucro.
                        Zé tinha uma ojeriza da palavra morte. Para ele, o mundo de alegria e prazer estava por aqui mesmo, bem ao alcance dos seus olhos. Quando as pessoas morriam, era dito: “Ele descansou e foi para o reino eterno, gozar dos prazeres celestiais”. O amigo não se cansava das longas caminhadas entre um bar e outro e, para ele, o reino era aqui e, por isso, não precisava “bater as botas”, para desfrutá-lo. Perguntava para si mesmo: “Será que lá no tal reino, tinha mulher e cachaça?”. É preciso que se diga que ele não era ateu e nem herege, pois tinha uma fé inabalável no “Santo Padim Pade Ciço”.  Um fiel de carteirinha e, por isso, não faltava às missas domingueiras, ministradas pelo padre Rodrigo.
                        Desde que partiu das bandas do Norte, montado num pau-de-arara, rumando para o Sul, o meu amigo Zé, trazia no pescoço o amarelado crucifixo de Jesus Cristo; no pulso, a fita toda surrada do Senhor do Bonfim e no bolso, um amuleto da Mãe Menininha do Cantuá (Gantois). Separava a sua fé e a sua sina de homem raparigueiro. Água e óleo não se misturam, filosofava ele. O jeito descontraído do Zé Raparigueiro conquistara uma legião de seguidores, inclusive eu, claro! Se nos finais de semana ele não aparecesse no suntuário dos botecos ou quiosques, todos entravam em pane. Zé era nosso e não da dona Encrenca. Não erámos possessivos, mas amigos. Amigo não abandona e nem trai amigo.
                        Mas numa tarde de primavera, sem que todos esperassem e nem mesmo o amigo Zé, a morte sorrateira bateu à sua porta. Não deu tempo dele avisar os amigos, que no próximo domingo não estaria presente ao encontro cachacístico.  Dona Encrenca, a “teúda”, em meio a lamurias, prantos e soluços, contou o infortúnio às outras cinco Encrencas, ou melhor, as cinco “manteúdas”. E cada uma a seu modo, comunicou aos filhos que Zé viajara para nunca mais voltar. Passado o choque da perda, todas as seis chorosas esposas, providenciaram os rituais do velório. Não estranhem a narrativa, porque havia uma harmonia entre as viúvas. Elas sempre se respeitaram, porque havia um cordão umbilical entre todas, ou melhor, algo em comum, ou seja: o amor inexplicável pelo meu amigo Zé, o nosso querido “Zé Raparigueiro”.
                        Todos se fizerem presente ao velório, ou seja, amigos, esposas, filhos e família, sem falar de alguns curiosos. As seis carpideiras oficiais estavam ali, remuneradas pelo sentimento de perda. Aproximei-me do ataúde e vi no rosto do amigo, uma expressão de tristeza. Não pela morte que lhe beijou a face de forma tão brusca, mas porque não deu tempo dele se despedir dos velhos amigos de romaria butequeira. E as risadas, piadas, tragos na “marvada”, batucadas e pagodes, regados a muitos petiscos, não mais teriam a participação do agora, saudoso amigo Zé. A partir daquele dia, não só as esposas, a “Teúda” e as “Manteúdas” chorariam, mas nós também.
                        Naquele ambiente taciturno, nenhum copo de cachaça ou cerveja, nenhum samba ou música apaixonada, lembrando a dor de um amigo, que descobriu ser corno. Nenhuma rapariga dançando ao redor de uma mesa, como acontecia dentro do boteco esfarrapado. Verdadeiras barangas, oferecendo momentos de falsa alegria e prazer. Dei uma piscada para ele e sussurrei aos seus ouvidos surdos, agora por força do destino, dizendo: “Zé aquieta o facho, porque aqui é um velório. O seu velório Zé. Toma tento, homem.”. Coroas, velas, faixas com frases de impacto, longas orações puxadas por um padre octogenário. E o Zé, meu amigo Zé Raparigueiro, um homem sempre alegre e falante, agora ali, quieto, calado e pensativo. Com os olhos fechados e voltados para o teto, parecia que não queria ver e aceitar a realidade; “Você morreu Zé. Quando a morte bateu à sua porta, você não deveria ter aberto e recebido àquela visita. Agora está ai, sem poder agir, sem poder reclamar. E agora Zé?”.
                        Queria chorar, mas o Zé não podia saber que eu era fraco. Segurei o choro e o soluço. Com certeza, se jogasse a toalha ali, receberia uma bronca dele, na frente dos convidados. Desculpa, na frente das pessoas pesarosas. Como sempre foi uma pessoa alegre e extrovertida, as viúvas e todos os presentes fizeram um trato de não chorarem. Assim como o Zé, sempre fui macho e macho na acepção do termo, por isso soube me conter. Tive como alento, a presença de algumas raparigas ali naquele ambiente taciturno, disfarçadas de verdadeiras damas da sociedade. Votei a esquife e, mais uma vez, cochichei ao ouvido dele, dizendo: “Elas estão ai Zé. Pode descansar em paz”. Então, foi aí que percebi um sorriso maroto do velho amigo de noitadas de boemia e de tardes preguiçosas de domingo.
                        As primas dadivosas foram dar o “último adeus” ao meu amigo Zé Raparigueiro e, por isso, posso dizer que aquele velório, foi o mais lindo que presenciei em vida. Na minha vida, não na do amigo, porque ele já estava morto.
                        Até hoje, lá pelas bandas da trapaia, contam a história do Velório do Zé Raparigueiro.
Peruíbe SP, 18 de abril de 2020.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

A MÁSCARA


Adão de Souza Ribeiro

                        Quando meu pai comprou a primeira televisão, no idos tempos de 1971, a imagem exibida na tela, ainda era em preto e branco. Por essa razão, os heróis não tinham a exuberância de hoje, pois eram todos em preto e branco. Antes disso, ou seja, de 1971, eu ficava hipnotizado com as aventuras de meus heróis, na casa de dois amigos, quer eram irmãos. Lá era recepcionado depois das aulas do Grupo Escolar “José Belmiro Rocha” e cujas sessões duravam a tarde inteira. Em outros momentos, também era recepcionado na casa do filho do prefeito ou, então, na casa de um parente. Havia poucos aparelhos na cidade, pois, até então, era produto da elite. Aquela peregrinação renderam-me admirações inabaláveis pelos heróis da minha infância.
                        No ano anterior à compra da nossa televisão Telefunken, assisti aos jogos da Copa do Mundo, no “Bar Pague-Menos”, onde, mais uma vez, os heróis da “Seleção Canarinho” vestiam-se de preto e preto e branco. Tornaram-se tricampeões mundiais, em Guadalajara, no México, vencendo a Itália por 4 X 1, com os gols de  Pelé, Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto. Embora eu saiba que o uniforme era camisa verde e amarela e calção azul e branco, estão imortalizados na retina da minha memória, como ídolos em preto e branco.
                        Os meus heróis enlatados, ou seja, fabricados por outros países, não viam a hora de eu me reunir na casa dos amigos ou parentes, para iniciarem suas aventuras e atos de bravuras. Tinha o Zorro, Paladino, Capitão Bonanza, Daktari, Perdidos no espaço, Viagem a fundo do mar, S.W.A.T, Hawai 5.0, Kojak, Daniel Boone, Batman, Panteras, Mulher Maravilha, Shazan, Planeta dos macacos, Homem Aranha, Bat Masterson, Tarzan,  Rin Tin Tin, Kung Fu, Chips e por ai vai. Mil heróis, mil estórias, mil fantasias, mil lembranças. Mas sempre em preto e branco. Já as novelas, desenhos animados e as séries de humor, também e preto e branco, dissertarei depois.
                        Vê-se que a infância, não se resumia só em correr para lá e para cá, pelas ruas, praças, terrenos baldios e jardins, junto com irmãos e amigos. Havia espaço e tempo suficiente, para abastecer a mente com fantasias, criadas pelos filmes recheados de doçura, heroísmo e bondade, praticados pelos ídolos imaginários. Não ficávamos o tempo todo, trancafiados em sala ou quarto, vivenciando amizades e relacionamentos virtuais. Muitas vezes, o mundo de fantasia, saia das polegadas da tela da televisão e ganhava o mundo real das nossas aventuras infantis.
                        Se recordar é viver, eis aí o motivo pelo qual, sou um saudosista irrecuperável. Não é redundância afirmar que, naquele tempo de sonhos mil, muito dos heróis em preto e branco, usavam máscaras. Lembro-me vagamente, que delas lançavam mão, com o único objetivo de não serem identificados. Não por serem covardes ou malfeitores, mas, acima de tudo, porque queriam fazer o bem, sem olhar a quem. Para eles, ajudar a humanidade ou uma pessoa em especial, estava acima de seus interesses pessoais. Destemidamente, agiam em prol do próximo. Ao livrarem as pessoas do perigo, diziam para nós, verdadeiras crianças inocentes: “Amai ao próximo, como a si mesmo”.
                        Quando não estavam investidos de suas missões e, portanto, transitando livre por entres os mortais, não usavam máscaras. Ninguém tinha conhecimento de que eram verdadeiros heróis, nem mesmo as pessoas por eles socorridas. Do lado de fora da telinha, só eu e meus amigos sabíamos das façanhas, por eles praticadas. Guardávamos a sete chaves, para que os nossos heróis não perdessem o encanto. Já pensou, por exemplo, se o Batman ou o Homem Aranha, fossem desmascarados em praça pública e não pudessem mais agir, o que seria do destino da humanidade?
                        Por mantê-los escondidos em suas máscaras, desde os idos de 1970, os heróis em preto e branco, continuam vivos na retina da minha memória. Tornaram-se imortais e, por isso, imunes a qualquer vírus. Por terem sido guardados e protegidos, na cor original (preto e branco), não foram infectados pela tecnologia das televisões coloridas da atualidade. Naquele tempo, nada era importado, pois até mesmo o alimento era colhido no fundo do quintal. Para nós, os heróis não adentravam em nossos lares via satélite, mas, sim, moravam e convivam conosco. Estavam ali, todos os dias, presenteando-nos com suas intermináveis histórias de bravura e amor.
                        A televisão Telefunken, que nos idos tempos de 1971, fez morada na minha mente e no meu coração, envelheceu com o tempo e se perdeu num canto qualquer da casa. A tecnologia gerou suas netas com telas coloridas. Hoje, ao invés de transmitirem fantasia, encanto e ternura, trouxeram para dentro dos lares, mentira e terror. Querem a todo custo, que acreditemos nos seus heróis modernos e com suas falsas cores de defensores da humanidade. Eles usam máscaras para enganarem a humanidade e as pessoas incautas e desinformadas. Travestem-se de defensores da pátria, quando, na realidade, são verdadeiros facínoras, que violentam minhas esperanças infantis.
                        Antes que termine o dia, vou sair à procura dos meus heróis em preto e branco. Implorarei para que coloquem suas máscaras e que salvem com urgência, o meu planeta do vírus do poder, infectado pela mentira e pela ganância. Após cumprirem a missão por mim solicitada, hão de devolver o meu direito de ser criança e sonhador.
                        Quero estar vivo, para ver cair a máscara do mundo moderno!

Peruíbe SP, 16 de abril de 2020.

terça-feira, 14 de abril de 2020

O CORAÇÃO DO POETA


Adão de Souza Ribeiro

Este meu coração é um cavalo arredio
Jamais quer ser domado pelo destino.
 Pensa em correr livre e transpor o rio,
Como nota solitária a compor um hino.

E sem rumo, ele pula, corre e dá coice,
Não quer que as rédeas do sentimento
Venha tocaiá-lo bem na calada da noite
Diz que é livre como as asas do vento.

E o desejo da pessoa amada o sufoca
Tira-lhe o trote e rouba aquela leveza
Segue sozinho o seu destino sem rota
Nada teme e nem sua própria tristeza

Forjado nas desventuras da tal sorte,
Não deixa ninguém chicotear a alma.
Se o amor mora pras bandas do norte
Vai galopando por ai com toda calma.

Quem domar este animal bem xucro,
Descobrirá que é um cavalo pangaré.
Tem um coração tão mole e tão puro
E a amada faz dele o que bem quer!
Peruíbe SP, 14 de abril de 2020.

MONARQUIA ENLOUQUECIDA


Adão de Souza Ribeiro

                        Tenho procurado privar-me de fortes emoções. Ando tomando chá de camomila com erva cidreira, maracujá e outras tantas bebidas calmantes, conforme orientações médicas e, principalmente, por recomendações da minha santa vovozinha. Já não leio rotineiramente o matutino, para não me injuriar com as notícias de violência e da política nojenta que assola minha nação.
                        De vez em quando, procuro alento na natureza, na vida bucólica da minha terra natal. Converso longamente com as plantas e imito o canto suave das aves. Fujo de tudo que fere os meus ouvidos e violenta a minha paz de espírito. Já não tenho paciência com muitas coisas, penso que é da idade. Recolho-me dentro de mim, para fugir daquilo que me dá fadiga. Há tempos que não escrevo cartas, não visito parentes e não vou à missa.
                        Tomo um livro à mão e me embriago na leitura de grandes escritores e pensadores. E assim, além de alimentar o conhecimento, busco viajar num mundo intocável da leitura. Navego por galáxias e mundos imaginados pelos autores. De vez em quando, identifico-me com personagens ou lugares paradisíacos. Os bons livros tem esse dom de nos tirar da mesmice do dia-a-dia e de nos afastar de personas non gratas.
                        Sei que pessoas ao meu derredor, não me veem com bons olhos. Acham-me sisudo e arrogante. Traçam o meu perfil de forma errônea. Não ligo e não dou a mínima para isso. Procuro entender com paciência as pessoas desavisadas a meu respeito. O que me importa, na realidade, é o que eu sinto e penso sobre o mundo à minha volta e as coisas que incomodam o meu coração e flagela o meu espírito.
                        Outro dia, ou melhor, numa noite dessas, saí por aí, a fim de quebrar essa minha rotina de quase um ermitão, não de misógino. Depois de caminhar horas a esmo, por ruas e labirintos, com a mente voltada para o nada, acabei por desembocar-me numa praça movimentada. Lá estava sendo realizado um show artístico de uma banda musical. O vocalista, já de meia idade, além de não falar coisa com coisa, entoava canções inteligíveis. Parece que estava sob o efeito da erva do diabo, da erva maldita.
                        Tudo ali me causava estranheza. O grito das pessoas, misturado com uma dança desconsertada, que mais parecia à dança da chuva, feita por aborígenes, incomodava meus ouvidos. Enquanto o show de quinta categoria se desenvolvia, todo tipo de bebida e entorpecente, rolava de mão em mão. Era a visão clássica de Sodoma e Gomorra. Mas, para os que se deleitavam com a contracultura, aquilo era o Éden, onde tudo era permitido.  
                        Mas o que me chamou a atenção foi perceber entre a multidão, a presença disfarçada de Vossa Majestade, acompanhada de seu consorte, o Conde Tupiniquim. Notava-se isso, sem muito esforço, além dos asseclas, o Serviço Secreto infiltrado entre o povo. A bem da verdade havia mais bajuladores do que o corpo de segurança. Por muito tempo, fiquei observando de longe, aquela cena dantesca. Tive que respirar fundo, para evitar emoções fortes e poupar meu coração. Lembrei-me das recomendações médicas e dos cuidados seculares de minha santa vovozinha.
                        Não queria crer que aquilo fosse verdade. Como pode Vossa Majestade, que tinha asco ao cheiro de povo, estar ali no meio daquela multidão? Havia, além do cheiro do povo, o cheiro insuportável da cannabis sativa l, vulgarmente conhecida por maconha. Quem foi o irresponsável do Palácio Caiçara, que permitiu a exposição pública da Monarca, num local pecaminoso daquele? Eu enforcaria em praça pública, o chefe da Guarda Real e/ou o Ajudante de Ordens, se os visse por ali. O que me confortou por alguns momentos, foi o fato de que o povo não a reconhecera, em razão do seu disfarce de plebeia. Aos poucos, meu coração foi contido e pude respirar de forma aliviada.
                        Como o primeiro escalão do reino é intocável, não pude aproximar-se da Rainha e nem de seus Ministros mais próximos. Assim, de longe, vai a minha manifestação de repúdio ao Ministro do Turismo e ao Ministro da Cultura. Não queiram, eles e nem o Primeiro Ministro, subestimar a inteligência do povo. Quando quiserem embriagar o povo com espetáculos, que embriaguem com bebidas de primeira classe e não cachaça de quinta categoria.
                        Assim, nem a Rainha Caiçara e nem o povo sofrido, serão expostos ao ridículo. Não queiram eles, enlouquecer a Monarquia e, muito menos, Vossa Majestade Real.

Peruíbe SP, 14 de abril de 2020.

O REINO CONSPIRA


Adão de Souza Ribeiro

                        Tenho medo do poder. Não pelo que ele representa, mas, sim, pelo que ele esconde em suas entranhas. Ninguém escapa das garras daqueles que se sentem onipotentes, quando se assenhoram do poder. Por acharem que são donos da vida e da morte das pessoas, não se apiedam daqueles que estão à sua volta. Ou são seus vassalos, ou são seus inimigos. Para eles, não existem amigos, pois os únicos amigos que eles têm, são o dinheiro e os bajuladores.
                        Em nome de títulos e honrarias, perdem-se pelo caminho e deixam para trás, os princípios básicos da moral e dos bons costumes. Adoram bajuladores e pessoas que se deixam manipular em troca de míseros tostões. Ostentam joias, carros e propriedades, para que os menos afortunados veem neles, a figura de deuses imaculados. Essa corja não tem escrúpulos e, por isso, criam ao ser derredor, verdadeiros parasitas e pessoas submissas, prontas para atenderem os seus caprichos pessoais.
                        No início do reinado, todo são amigos. Sentam-se à mesa e degustam de tudo que são servidos pelas mucamas. Bebem vinhos e dão fartas gargalhadas, sem saber o porquê. Agradam a Rainha e aqueles que ladeiam o trono. Abraçam e se beijam, como se fossem irmãos de sangue. Depois do banquete, dançam valsas vienenses, no salão oficial ou deitam-se em redes, no jardim palaciano, feitos porcos de engorda. Essas são algumas prerrogativas e mordomias de que ocupa o poder.
                        Às vezes, com anuência ou conhecimento da Rainha, participam de uma sessão de orgia, regada com muito erotismo e fartas bebidas. No reino, tudo é permitido, desde que os vassalos e a plebe não tenham conhecimento. Que nada vaze para a imprensa, seja ela “marrom” ou não. Por acharem que tudo é eterno, acreditam que os deleites de tantas mordomias, se estenderão para sempre. Não se cuidam e tão pouco se preocupam com o futuro. Tenho medo do poder.
                        Aos poucos, nesse diapasão de embriaguez do poder, surgem uns mais famintos do que os outros. Então, sem que se percebam, alguns começam a mostrar suas garras e, os mais inocentes, não percebem isso. Lá na frente, por serem incautos, os mais inocentes, serão devorados impiedosamente, pelos espertalhões. Quem duvidar disso, leia: “A revolução dos bichos”, de George Orwell o, então, “O Príncipe”, de Nicolo Machiavelli.
                        É notório que, de uns tempos para cá, o Reino Caiçara foi infectado pelo vírus mortal da ganância descomunal de seus ocupantes. Implodiu desgraçadamente e nada sobrou dele, senão escombros e coisas distorcidas de um passado vergonhoso. Nada mais há que se fazer. Não há esperança que ainda possa se refazer das cinzas e, o que é pior, de cinzas fedorentas. Em meio às cinzas, está toda sorte de imoralidade.
                        É sabedor que nas entranhas do mundo palaciano, em meio aos vermes da ganância, criou-se um complô com o desejo velado de exterminar aqueles que não atendiam ou que atrapalhavam os interesses escusos dos bem aventurados da Corte. Primeiro, para eliminar os próprios pares e, depois, os que estavam além dos muros do Palácio Real. Não se sabe, se a Rainha tinha conhecimento ou não, desse exército de exterminadores, que agiam na calada da noite e sem conhecimento dos súditos desinformados.
                        Como na Santa Inquisição, saíram à caça de seus desafetos. Donos de tabloides e até o chefe da Guarda Real, estavam na lista dos condenados a dormirem para sempre na “mansão do amanhã”. Implantou-se o terror nas Províncias e, a partir de então, ninguém mais dormia em paz.  A Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns, mostrando-se desatentas, nada faziam. Acreditando na impunidade, em razão da lentidão da Justiça, esse grupo de exterminadores tratava com escárnio a Suprema Corte.
                        Em que pese à morte anunciada do Reino, a Rainha continuava participando de viagens diplomáticas e de festas suntuosas, como se nada estivesse acontecendo debaixo dos seus olhos. Em razão de sua ignorância política e administrativa, não conseguia ver além do seu umbigo. Há um adágio popular, que diz: “Pior cego é aquele que não quer ver”. Um sábio ermitão do reino, já havia profetizado isso. Pena que não lhe deram ouvidos. É certo que os gênios vivem milhares de anos além do seu tempo, por isso, não se fazem entendidos.
                        Pelo andar da carruagem, não se sabe por onde caminha o destino do Reino Caiçara. Temo e não quero que isso seja uma profecia, que ele se descambe e caia num despenhadeiro sem fim. Lamento que os súditos, verdadeiro motivo da existência do Rino, sejam pessoas acéfalas, diante de tudo que ocorre. A ignorância de muitos, beneficia poucos. Diante de tudo isso, nada mais há que se fazer, senão esperar a derrocada final. Algo já previsto, mas que não se desejava jamais.
                        Before I say: “God save the Queen”, but now I say: “God save the Kingdon”. (Antes eu dizia: “Deus salve a Rainha”, mas agora eu digo: “Deus salve o Reino”).

Peruíbe SP, 14 de abril de 2020.


LAMÚRIAS


Adão de Souza Ribeiro

Oh meu Deus, o que será de mim,
No mundo perdido em consumo?
Vou sai por ai, tão perdido assim.
Sem barco, sem leme e sem rumo.

Em tempos difíceis e de tormenta
O mundo feito trem desgovernado
Se nossa vida passar dos sessenta,
Pode sorrir, já está de bom grado.

Por anda o abraço e beijo sincero,
A fé contada no terço de domingo
Amor rabiscado no meio do verso
Hoje dormita no sonho do menino.

Filhos criados, eu criei mil sonhos.
Sempre lutei contra a tempestade,
Tracei tantas metas, retas e planos.
Pela estrada ficou a flor da idade.

Viver feito louco, enquanto posso.
Por dentro pulsa o velho coração.
Rezo a Ave Maria um Pai Nosso
Nada é em vão, é benção ou lição.                                Peruíbe SP, 29 de março de 2020.

MEU AMOR!


Adão de Souza Ribeiro

                                   Desde que te conheci, tornastes uma pessoa especial para mim. A vida passou a ter um sentido todo especial. Todas as vezes que conversamos, sinto que algo de belo acontece dentro de mim. Só tu tens o dom de mudar meu destino. Ouvir a tua voz é como bálsamo para a alma e para o espírito. 
                                   Estou certo de que logo estaremos juntos e, só então, poderemos desfrutar de momentos prazerosos. Acredita minha pantera, que os nossos corações já se conheciam há muitos anos, pois já tornastes parte de mim. Digo isso, porque não consigo ficar um dia sem falar contigo. Sem perceber, tu tornaste o meu vicio.
                                   À bem da verdade, não vejo a hora de poder acariciá-la, poder sussurrar nos teus ouvidos, tudo o que sinto por ti. Há que vontade louca de tocar teu corpo e poder penetrar no fundo do teu coração. Com meus lábios, tocar os teus lábios ardentes, como que para beber a seiva da tua existência.
                                   Faremos da noite, uma eterna história de amor. Vamos, debaixo do lençol, embriagarmos de tanto prazer. Far-te-ei gozar mil vezes, até alcançar as estrelas e delas buscar a poesia do prazer total. Nos teus seios, tocarei com a delicadeza de uma flor e deitarei no teu ventre acolhedor, como uma criança no sono infantil.
                                   Meu amor não deixe que as sombras da vida, escondam a alegria que brota de teus olhos e que fazem de ti, uma mulher especial. A tua voz, emite sons adocicados, que acalentam os meus sonhos infantis e eróticos. Viajo na ilusão de poder possuir-te no leito da ternura, sem pressa com o dia que pode surgir a qualquer momento.
                                   Quero, no momento de nossas loucuras carnais, poder conduzir-te a um mundo que só a nós pertence. Não há de se importar com os barulhos vindos de fora e nem com a censura daqueles que não sabem o que é felicidade. Quero e, por isso, iriei lutar incansavelmente, para que nunca mais deixes o aconchego dos meus braços e o calor do meu corpo.
                                   Acredite amada minha, que doravante serás uma princesa a reinar no meu mundo de fantasias e loucuras. Não tenhas medo de dizer que sentes desejo de ser possuída pelo seu amado, que queres ser penetrada numa fúria louca, que queres fazer do momento de gozo, um instante infinito. Saibas minha pantera, que serei teu dono e teu escravo, na ânsia louca de ter devolver o direito de ser fêmea, de ser mulher, em toda a tua plenitude.
                                   Quando estivermos cansados de tanto prazer, descasaremos o nosso suor, na tranquilidade do nosso leito, na solidão gostosa de nossas almas e na cadência suave da pulsação de nossos corações, cumplices um do outro. Por tudo isso, amada minha, peço que preserves a tua vida e o teu corpo, para este senhor do teu mundo... do teu futuro... do teu destino. Não tenhas pressa, pois o amanhã é um caminho misterioso a ser percorrido de mãos dadas.
                                   Sei mulher, que a vida reservou para nós, todas as benesses que temos direito, portanto, vamos desfrutá-las sem preconceito e sem medo de sermos felizes.
                                   Mil beijos!

Jardim do Éden, 27 de julho de 2006.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

MAMÃE



Herbis Zeferino Gonçalves
Curió


Quando estou, às vezes, muito triste
Mas, muito triste desta minha vida
Uma sombra piedosa, me assiste
Vem consolar minha alma dolorida.


Sombra de alguém, que já não mais existe
Da saudosa mamãe, longe e perdida
Que sabe de onde está, quando estou triste
E vem, depressa, me consolar, enternecida.


Mergulhando num êxtase manso e breve
Sinto a chegar-se a mim, muito de leve
Toda cheia de tanto amor e desvelo.


E, como se menino ainda eu fosse
Num gesto maternal, divino e doce
Com as suaves mãos, acaricia meu cabelo.


Lins SP, 12 de dezembro de 1980.