quarta-feira, 15 de abril de 2020

A MÁSCARA


Adão de Souza Ribeiro

                        Quando meu pai comprou a primeira televisão, no idos tempos de 1971, a imagem exibida na tela, ainda era em preto e branco. Por essa razão, os heróis não tinham a exuberância de hoje, pois eram todos em preto e branco. Antes disso, ou seja, de 1971, eu ficava hipnotizado com as aventuras de meus heróis, na casa de dois amigos, quer eram irmãos. Lá era recepcionado depois das aulas do Grupo Escolar “José Belmiro Rocha” e cujas sessões duravam a tarde inteira. Em outros momentos, também era recepcionado na casa do filho do prefeito ou, então, na casa de um parente. Havia poucos aparelhos na cidade, pois, até então, era produto da elite. Aquela peregrinação renderam-me admirações inabaláveis pelos heróis da minha infância.
                        No ano anterior à compra da nossa televisão Telefunken, assisti aos jogos da Copa do Mundo, no “Bar Pague-Menos”, onde, mais uma vez, os heróis da “Seleção Canarinho” vestiam-se de preto e preto e branco. Tornaram-se tricampeões mundiais, em Guadalajara, no México, vencendo a Itália por 4 X 1, com os gols de  Pelé, Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto. Embora eu saiba que o uniforme era camisa verde e amarela e calção azul e branco, estão imortalizados na retina da minha memória, como ídolos em preto e branco.
                        Os meus heróis enlatados, ou seja, fabricados por outros países, não viam a hora de eu me reunir na casa dos amigos ou parentes, para iniciarem suas aventuras e atos de bravuras. Tinha o Zorro, Paladino, Capitão Bonanza, Daktari, Perdidos no espaço, Viagem a fundo do mar, S.W.A.T, Hawai 5.0, Kojak, Daniel Boone, Batman, Panteras, Mulher Maravilha, Shazan, Planeta dos macacos, Homem Aranha, Bat Masterson, Tarzan,  Rin Tin Tin, Kung Fu, Chips e por ai vai. Mil heróis, mil estórias, mil fantasias, mil lembranças. Mas sempre em preto e branco. Já as novelas, desenhos animados e as séries de humor, também e preto e branco, dissertarei depois.
                        Vê-se que a infância, não se resumia só em correr para lá e para cá, pelas ruas, praças, terrenos baldios e jardins, junto com irmãos e amigos. Havia espaço e tempo suficiente, para abastecer a mente com fantasias, criadas pelos filmes recheados de doçura, heroísmo e bondade, praticados pelos ídolos imaginários. Não ficávamos o tempo todo, trancafiados em sala ou quarto, vivenciando amizades e relacionamentos virtuais. Muitas vezes, o mundo de fantasia, saia das polegadas da tela da televisão e ganhava o mundo real das nossas aventuras infantis.
                        Se recordar é viver, eis aí o motivo pelo qual, sou um saudosista irrecuperável. Não é redundância afirmar que, naquele tempo de sonhos mil, muito dos heróis em preto e branco, usavam máscaras. Lembro-me vagamente, que delas lançavam mão, com o único objetivo de não serem identificados. Não por serem covardes ou malfeitores, mas, acima de tudo, porque queriam fazer o bem, sem olhar a quem. Para eles, ajudar a humanidade ou uma pessoa em especial, estava acima de seus interesses pessoais. Destemidamente, agiam em prol do próximo. Ao livrarem as pessoas do perigo, diziam para nós, verdadeiras crianças inocentes: “Amai ao próximo, como a si mesmo”.
                        Quando não estavam investidos de suas missões e, portanto, transitando livre por entres os mortais, não usavam máscaras. Ninguém tinha conhecimento de que eram verdadeiros heróis, nem mesmo as pessoas por eles socorridas. Do lado de fora da telinha, só eu e meus amigos sabíamos das façanhas, por eles praticadas. Guardávamos a sete chaves, para que os nossos heróis não perdessem o encanto. Já pensou, por exemplo, se o Batman ou o Homem Aranha, fossem desmascarados em praça pública e não pudessem mais agir, o que seria do destino da humanidade?
                        Por mantê-los escondidos em suas máscaras, desde os idos de 1970, os heróis em preto e branco, continuam vivos na retina da minha memória. Tornaram-se imortais e, por isso, imunes a qualquer vírus. Por terem sido guardados e protegidos, na cor original (preto e branco), não foram infectados pela tecnologia das televisões coloridas da atualidade. Naquele tempo, nada era importado, pois até mesmo o alimento era colhido no fundo do quintal. Para nós, os heróis não adentravam em nossos lares via satélite, mas, sim, moravam e convivam conosco. Estavam ali, todos os dias, presenteando-nos com suas intermináveis histórias de bravura e amor.
                        A televisão Telefunken, que nos idos tempos de 1971, fez morada na minha mente e no meu coração, envelheceu com o tempo e se perdeu num canto qualquer da casa. A tecnologia gerou suas netas com telas coloridas. Hoje, ao invés de transmitirem fantasia, encanto e ternura, trouxeram para dentro dos lares, mentira e terror. Querem a todo custo, que acreditemos nos seus heróis modernos e com suas falsas cores de defensores da humanidade. Eles usam máscaras para enganarem a humanidade e as pessoas incautas e desinformadas. Travestem-se de defensores da pátria, quando, na realidade, são verdadeiros facínoras, que violentam minhas esperanças infantis.
                        Antes que termine o dia, vou sair à procura dos meus heróis em preto e branco. Implorarei para que coloquem suas máscaras e que salvem com urgência, o meu planeta do vírus do poder, infectado pela mentira e pela ganância. Após cumprirem a missão por mim solicitada, hão de devolver o meu direito de ser criança e sonhador.
                        Quero estar vivo, para ver cair a máscara do mundo moderno!

Peruíbe SP, 16 de abril de 2020.

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